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Quantos micróbios são necessários para deixar você doente?

A exposição a um vírus não é uma questão de tudo ou nada. O conceito de ‘dose infecciosa’ sugere maneiras de nos protegermos melhor

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Por Tara C. Smith

QUANTA MAGAZINE - Para que um patógeno nos deixe doentes, ele precisa superar muita coisa. Primeiro, tem de entrar no corpo, contornando barreiras naturais como pele, muco, cílios e ácido estomacal. Depois, precisa se reproduzir: algumas bactérias e parasitas podem fazer isso praticamente em qualquer parte do corpo, mas os vírus e alguns outros patógenos só conseguem fazê-lo dentro de uma célula. E, durante todo o processo, precisa sobreviver aos ataques do sistema imunológico do corpo.

Assim, embora sejamos constantemente inundados por micróbios, o número de micróbios que entram no nosso corpo geralmente é baixo demais para superar nossas defesas. (Uma dose suficientemente pequena pode até servir para lembrar nosso sistema imunológico da existência de um agente patogênico, aumentando nossa resposta de anticorpos para nos proteger contra ele).

Quando um número suficiente de patógenos consegue romper nossas defesas e começa a se replicar, ficamos doentes. Muitas vezes é só um jogo de números. Quanto mais invasores, maior a probabilidade de você ficar doente.

Quantos micróbios precisam entrar no corpo para começarmos a nos sentir mal?

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Isso varia de acordo com o patógeno e é conhecido como “dose infecciosa” do micróbio. Normalmente são necessários uns tantos, mas alguns micróbios requerem um número incrivelmente pequeno de organismos para iniciar uma infecção.

Tomemos como exemplo o norovírus, a doença estomacal conhecida por se espalhar sempre que as pessoas estão em contato próximo e tocam as mesmas superfícies, como em navios de cruzeiro. Sua dose infecciosa pode ser tão pequena quanto 18 vírus individuais, tornando sua transmissão incrivelmente fácil. Esse vírus também é muito resistente mesmo fora do corpo, por isso uma pessoa infectada que está exsudando o vírus pode deixar uma grande quantidade pelo caminho – o suficiente para facilmente infectar outras pessoas, mesmo vários dias depois.

E o conceito de ‘carga viral’? Tem a ver?

São ideias semelhantes, mas a dose infecciosa se refere a quantos organismos levarão a uma infecção e a carga viral é uma medida ativa da infecção: o número de organismos que se replicam no hospedeiro. A terminologia foi apresentada pela primeira vez ao público em geral como parte da nossa compreensão do HIV/AIDS, e sua utilização aumentou após o início da pandemia de covid.

Como os pesquisadores descobrem a dose infecciosa de um micróbio?

Ainda se trata de uma ciência inexata. O estudo padrão-ouro, denominado estudo de desafio humano, envolve dar propositalmente às pessoas uma dose do patógeno. Infelizmente, esta abordagem é eticamente questionável, uma vez que acarreta um risco de doenças graves e potenciais complicações a longo prazo.

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Então, em vez disso, os pesquisadores expõem porquinhos-da-índia, ratos, camundongos ou furões, dependendo do patógeno. Mas é difícil extrapolar a dosagem animal direto para o equivalente humano.

Além disso, a rota da infecção é importante. Algo que entra direto na corrente sanguínea provavelmente exigirá muito menos micróbios para se instalar do que algo que entra pela boca ou pelos pulmões, por exemplo, uma vez que a corrente sanguínea permite que o patógeno contorne muitas defesas do hospedeiro. É por isso, por exemplo, que o risco de infecção pelo HIV é muito maior quando se trata de uma transfusão de sangue ou de uma picada de agulha do que por via sexual.

Uma terceira forma de tentar descobrir a dose infecciosa é utilizar estudos observacionais, onde os pesquisadores deduzem o número observando quanto tempo leva para uma pessoa exposta (especialmente em famílias ou outros ambientes de contato próximo) ficar doente. Como você pode imaginar, isso costuma ser confuso e inexato em comparação com os dois métodos anteriores.

Embora sejamos constantemente inundados por micróbios, o número que entra no nosso corpo geralmente é baixo demais para superar nossas defesas Foto: James O’Brien/Quanta Magazine

Por que as doses infecciosas de alguns patógenos são maiores ou menores que as de outros?

Não temos certeza. Talvez se deva à forma como o invasor opera. Pesquisadores sugeriram que os agentes patogênicos que requerem contato direto com as células hospedeiras tendem a ser mais eficazes, então suas doses infecciosas são bastante baixas.

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Mas se as bactérias atacam as células hospedeiras indiretamente (por exemplo, secretando proteínas que prejudicam as células hospedeiras), então é necessária uma dose maior de bactérias para infectar o hospedeiro, uma vez que as secreções modificadoras do hospedeiro podem se diluir no tempo e no espaço. Essa ideia foi apoiada por um estudo de 2012 que também analisou vírus, fungos e parasitas. Mas ainda precisamos de confirmação adicional para uma variedade maior de micróbios.

O que sabemos sobre a dose infecciosa do vírus que causa a covid?

Aprendemos muito nos quase quatro anos que se passaram desde que esse vírus apareceu pela primeira vez, mas muito desse saber vem de modelos animais de infecção e de estudos observacionais em humanos. A maioria dos modelos animais requer uma dose elevada do vírus – de 10 mil a 1 milhão de “unidades formadoras de placas” (UFP), onde cada unidade é suficiente para infectar uma célula em cultura de tecidos e matá-la. Estudos observacionais em humanos, no entanto, sugerem que a dose infecciosa pode estar em torno de 100 a 400 UFP, em média, embora, mais uma vez, este método ofereça apenas uma estimativa muito aproximada.

Estes estudos sugerem que uma das razões pelas quais o vírus é tão facilmente transmissível é porque tem uma dose infecciosa relativamente baixa, semelhante a outros vírus respiratórios, como o VSR e os coronavírus do “resfriado comum” (e inferior à dose infecciosa da maioria das estirpes do vírus da gripe).

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E quando comparamos a dose infecciosa com a quantidade de vírus exalado por um indivíduo infectado, não surpreende que o vírus se espalhe tão rapidamente. Um artigo em pré-impressão recente mostra que pacientes infectados podem exalar até 800 cópias de RNA viral por minuto durante cerca de oito dias após o início dos sintomas. Embora não possamos traduzir diretamente as cópias de RNA em quantidade de partículas virais vivas, mesmo que metade dessas cópias de RNA sejam de um vírus atualmente infeccioso, é teoricamente possível obter uma dose grande o suficiente para iniciar uma infecção em apenas um minuto de contato próximo.

As vacinas aumentam a dose infecciosa?

Quando alguém encontra um patógeno pela segunda vez (seja devido a uma doença anterior ou a uma vacinação), várias defesas do hospedeiro entram em ação. Os anticorpos gerados pela vacinação ou infecção anterior se ligarão ao micróbio invasor. Estes interferirão em sua capacidade de se ligar a uma célula hospedeira ou isolarão o micróbio para ingestão por células chamadas neutrófilos. E se um vírus conseguir invadir uma célula hospedeira, será alvo de destruição pelas células T.

Devido a esta resposta rápida, menos micróbios invasores sobrevivem em comparação com um indivíduo que encontra o patógeno pela primeira vez, o que aumenta efetivamente a dose infecciosa.

Como esse conhecimento pode nos ajudar a evitar doenças?

A exposição é uma função da concentração do patógeno e do tempo de contato; portanto, se você puder reduzir qualquer um desses fatores, poderá evitar melhor as doenças infecciosas.

É por isso que, desde o início da pandemia de covid, os especialistas recomendaram um modelo de “queijo suíço” de proteção em camadas, com o distanciamento social de outros indivíduos desempenhando um papel fundamental. Quanto mais longe você estiver de uma pessoa infecciosa, a menos partículas virais vai se expor. Usar máscara, especialmente um respirador de alta qualidade, como o N95 com ajuste confortável, reduzirá ainda mais o número de vírus que você pode inalar. A ventilação também dilui o número de partículas virais no ar, por isso estar ao ar livre ou usar um filtro de ar em ambientes fechados diminui o risco de infecção.

A vacinação é outra forma de diminuir o risco de infecção por covid. Embora as vacinas sejam imperfeitas, a vacinação ainda reduz o risco de infecção, aumentando a dose infecciosa necessária para iniciar uma infecção. Ela também reduz as chances de desenvolver doenças graves se você se infectar. Vários estudos também sugerem que as pessoas vacinadas têm menos probabilidade de soltar tantas partículas virais e que a vacinação reduz a carga viral.

Usar máscara, aumentar a ventilação e fazer distanciamento reduzem o número de micróbios aos quais você se expõe. A vacinação aumenta a dose infecciosa. Estes são os pilares da proteção contra infecções de praticamente todos os patógenos. A dinâmica de transmissão é complexa, mas as intervenções que podemos fazer para nos proteger são comparativamente simples./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em How Many Microbes Does It Take to Make You Sick?

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