Em uma sala no quarto andar do Palácio do Planalto, em Brasília, Valter Correia da Silva trabalha para receber chefes de Estado de cerca de 150 países e mais de 100 mil pessoas. Os números superlativos contrastam com o tempo curto para a tarefa: um ano e três meses separam o Brasil de ser a sede da Cúpula do Clima (COP) da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2025.
Em entrevista ao Estadão, o secretário extraordinário da COP-30 fala que País vai “dar conta”, mas admite dificuldades em preparar Belém para receber o mais importante evento sobre crise climática. Ele nega que o governo vá dividir a cúpula em partes para evitar transtornos em Belém e garante que “nunca houve essa possibilidade”.
Correia foi escolhido para chefiar a Secretaria Extraordinária da COP-30, responsável pela articulação entre governo federal, ONU, governo paraense e prefeitura de Belém. Ele ocupou cargos na Prefeitura de São Paulo na gestão Fernando Haddad (PT), além de outros postos no Ministério do Planejamento em governos anteriores do PT.
Correia é responsável apenas pela parte logística do evento, por isso não quis comentar questões políticas. A agenda ambiental é uma das bandeiras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos fóruns internacionais, mas o petista se vê pressionado por cobranças sobre a alta de incêndios no Pantanal e na Amazônia e o interesse em explorar petróleo na Margem Equatorial da Foz do Rio Amazonas.
Cabe ao secretário garantir que a cúpula ocorra sem percalços estruturais e que a cidade esteja preparada para receber os visitantes. Para driblar os principais gargalos, como a rede hoteleira limitada da cidade, o governo pretende utilizar barracas climatizadas, além de ampliar a construção de hotéis e viabilizar a ancoragem de navios no Rio Guamá.
Segundo Correia, há orientação da ONU para reduzir a emissão de credenciais, mas o número só será definido no ano que vem. Ele pondera, no entanto, que limitar participantes é tarefa muito difícil, “ainda mais em um país como o Brasil”. A última COP, em Dubai (Emirados Árabes), teve cerca de 80 mil credenciados. Na anterior, em Sharm-el Sheik (Egito), foram 50 mil.
Correia ainda relata desafios virtuais, como negociações com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para proteger a cúpula de ataques cibernéticos. Mas afirma que, na conferência, Belém “será uma das cidades mais seguras do mundo”.
Leia os principais trechos da entrevista:
O Brasil vai receber a COP-30 no ano que vem. Quais as principais dificuldades na organização do evento?
Belém é uma cidade maravilhosa. É muito rica em cultura, tradições e culinária. Tem um pouco de fragilidade, obviamente, com infraestrutura. A gente tem feito bastante para fazer com que as coisas funcionem bem. Fala-se demais da questão da hotelaria. De fato, pouquíssimas capitais no Brasil estão em condições de receber um evento desse sem ter de fazer grandes obras. São Paulo, Rio e Brasília (teriam condições). O resto todo teria de trabalhar muito para viabilizar esse evento, que é grande, do ponto de vista de pessoas aqui discutindo, de delegações.
Estamos esperando de 140 a 150 chefes de Estado. Não tivemos nenhum evento no Brasil que comportasse esse número. Obviamente, temos de preparar uma série de coisas para não causar ruído ao País ou para própria organização do evento. Na questão da hotelaria, por exemplo, estamos tomando várias medidas para mitigar isso e está funcionando bem. Ainda tem um pouco de dificuldade na questão hoteleira? Tem. Mas fizemos várias ações.
Quais?
Várias ações, inclusive financiamento com baixo custo por meio da Fungetur (Fundo Geral do Turismo, vinculado ao Ministério do Turismo) para toda a rede hoteleira, que vai dar em torno 3,5% ao ano. Eles podem pegar esse recurso já para melhorar, fazer retrofitagem, trocar enxovais dos quartos, camas, melhorar ar-condicionado. Tudo para qualificar o ambiente. Temos alguns hotéis cinco estrelas, outros de quatro, mas a maioria de três, duas estrelas. Vamos ter público para isso também, mas precisamos abrir outros quartos de quatro e cinco estrelas. Temos hotéis em construção nesse nível. Tem o antigo prédio da Receita Federal, que já está em construção, galpões no porto que a Vila Galé já começou a trabalhar. Quem conhece Vila Galé sabe da qualidade dos hotéis. Vai ficar bem de frente para o rio, um lugar maravilhoso. Vamos fazer um hotel modular ao lado do Hangar com 500 quartos cinco estrelas.
A principal preocupação em relação à rede hoteleira é com acomodações de luxo?
É por causa das delegações de outros países. Temos um evento que ocorre todo ano que abriga um milhão e meio de pessoas, que é o Círio de Nazaré. Mas aí o pessoal vai para casa de famílias, para ficar em barraca, em barcos de pescadores. Mas nunca colapsou a cidade. Sempre teve comida para todo mundo, água para todo mundo, espaço para todo mundo. E vai continuar tendo. O que estamos preparando Belém é para receber grandes eventos a partir da COP. Não só para a COP em si, mas receber grandes navios de cruzeiro. Estamos fazendo a dragagem para receber dois navios para também servirem de hospedagem para esse público de quatro ou cinco estrelas.
Estamos reformando unidades do Ministério da Defesa para servir de alojamento para quem faz parte de um público menos exigente, quem ficar nas operações. Vamos comprar barracas climatizadas que depois servirão de legado para essas catástrofes, como a do Rio Grande do Sul. É possível alocar as pessoas com dignidade, de forma climatizada. Independentemente do ambiente, estará em condições de dormir bem, comer bem.
No caso das barracas climatizadas, as pessoas terão de pagar por elas?
Não chegamos a discutir isso ainda. Mas, provavelmente, se tiver custo, será bem menor, quase simbólico, porque serão instalações do governo.
Quais outras opções estarão disponíveis?
Estamos incentivando as plataformas de locação temporária de residência. Para se ter ideia, já subiu de uma média de 600 imóveis disponíveis para locação por mês para quase 3,5 mil. Estamos incentivando principalmente os condomínios, que têm muita resistência em deixar fazer locação temporária por questão de segurança. Mas estamos conseguindo convencê-los que Belém será uma das cidades mais seguras do mundo nesse período. Só de segurança para chefe de Estado será uma aberração.
Há possibilidade de limitar o número de pessoas na COP de Belém? Há alguma conversa com a ONU nesse sentido?
Tem uma orientação da ONU que é para voltar para os números anteriores, porque Dubai, realmente, foi um pouco fora da curva. Foram mais de 100 mil pessoas que ficaram transitando. Mas é muito difícil, ainda mais em um país como o Brasil, querer limitar movimentos sociais, que vão até lá não só para fazer a discussão, e participam ativamente nisso, mas também para algum tipo de manifestação. O País sempre permitiu que fosse feito. Esperamos lá um número bem maior do que isso (100 mil). Considerando a cidade toda, e visitando outras próximas, é bem provável que tenha isso. Mas há uma orientação de a gente tentar reduzir o número de credenciados.
Já foi definido qual será o número de credenciais distribuídas?
Não temos. Só vamos ter no ano que vem. Agora, o pessoal está preocupado em realizar a COP-29, em Baku, no Azerbaijão (em novembro). Teremos nossa reunião em junho do ano que vem, quando abrem também as reservas nos hotéis e eles começam a funcionar.
Há possibilidade de dividir a realização da COP-30 com outra cidade além de Belém?
Nunca houve essa possibilidade. Desde que o presidente anunciou que seria em Belém, nunca se pensou em outra possibilidade. Dividir vai dividir problemas, mais custos. Só dá dor de cabeça. Não faço a menor ideia de quem aventou essa possibilidade, mas sei que todo mundo falava sobre isso. Até para investimento no local gerou confusão. (Surgiram questionamentos como:) Por que investir ali se depois metade da COP será em outro lugar? Isso prejudicou. Mas foram boatos que não saíram daqui, muito menos do presidente ou dos ministros. A COP foi pensada desde o começo na Amazônia. O simbolismo daquele local é grande. O presidente sempre cravou que seria tudo em Belém e vai ser. Sair de lá e fazer outra parte no Rio ou em São Paulo seria maluquice. Não faremos isso.
O presidente afirmou recentemente que o Brasil terá problemas na realização da COP-30. Essa fala pode ter impacto negativo na organização? Como encara essa fala?
O que ele falou é exatamente o que eu falei para você aqui. Obviamente tem alguns problemas em infraestrutura que precisa enfrentar e resolver. Vai ser Paris? Claro que não: lá não é Paris, é Amazônia. Vai ver árvore, floresta, uma cultura fantástica, uma culinária maravilhosa da floresta. É isso que ele quis dizer: ‘Olha, não esperem hotéis cinco estrelas em tudo quanto é lugar que você vai andar’.
Além da questão da hotelaria, Belém tem desafios de mobilidade, limpeza urbana. Como contornar esses problemas?
O que houve lá foi quase um ano sem contratação da empresa de lixo por uma série de motivos que não entrarei em detalhes. Eles ficaram sem uma empresa contratada por muito tempo, obviamente que o lixo se amontoou. Hoje já está bem mais tranquilo, ainda tem um pouquinho de sujeira, mas isso é simples de resolver. Não é tão complexo.
Tenho conversado bastante com a prefeitura e o governo do Estado, que pretende ajudar na zeladoria para manter a cidade em condições de limpeza e habitabilidade. Tem muita obra na cidade, muito tapume. Isso tudo dificulta a limpeza. Já estão terminando o Mercado São Brás, devem entregar até o fim do ano. Tem várias obras que estão se iniciando pelo governo do Estado. Muita coisa dificulta na limpeza rotineira, mas isso tudo será resolvido sem nenhum problema. Posso te garantir.
Ser anfitrião da COP é um posto chave, porque o País tem poder de pautar as discussões. Como o Brasil pretende usar essa influência?
Isso você terá de perguntar para quem está organizando a pauta. Minha atribuição é viabilizar a infraestrutura. Como vão transcorrer o debate, as negociações, eu não sei dizer.
Uma das obras mais importantes é a dragagem do Rio Guamá para que navios possam ancorar na cidade. Quando essa obra será concluída?
Toda obra, com a carta náutica, com tudo prontinho para os navios entrarem, será entregue até setembro do ano que vem. Caberão dois transatlânticos, que cabem em torno de 5 mil a 6 mil pessoas somando os dois. Os transatlânticos para cruzeiro têm vários tipos de cabines, mas tem muitas de quatro e cinco estrelas. Dá para aportar boa parte desse pessoal mais exigente, mas também o pessoal menos exigente, como delegações que acompanham presidentes e ministros.
O governo está em conversas com essas empresas que operam esses navios?
São cruzeiros. Estamos trabalhando um modelo melhor para contratação. Muito provavelmente faremos a contratação das operadoras que contratam os navios. E aí elas vendem as diárias para recuperar o valor pago pelos navios. Será parecido com o que já é praticado. Por exemplo, um navio que terá show do Roberto Carlos ou de quem quer que seja. Os navios não se vendem, eles são contratados por grandes operadoras, empresas de turismo. São empresas que fretam o navio e depois vendem as cabines e as diárias. Só estamos acertando a forma contratual, provavelmente a gente deve utilizar a Embratur para esse trabalho, que já tem expertise nisso, já conhece todas as operadoras.
Como será feita a segurança durante a COP? Haverá deslocamento de efetivo policial de outros Estados?
Para uma segurança adequada, envolve vários órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Abin, Exército, Marinha, Aeronáutica. Polícia Militar. Vamos reunir esse povo agora para uma boa conversa e, depois, a exemplo do que já fizemos no G-20, vamos fazer o planejamento conjunto, com a matriz de responsabilidades. Cada um com sua responsabilidade e cada e um com seu tipo de atuação rotineira. A ideia é juntar todas as forças e ter coordenação mais centralizada, mas cada um fazendo sua parte para garantir a segurança e a segurança cibernética.
Ataques hackers têm ameaçado sistemas do governo recorrentemente. Como pretendem evitar esse tipo de episódio na COP-30?
Estava com toda a equipe da Abin conversando um pouco sobre isso. PE uma coisa para planejarmos. O Brasil tem expertise, já fez grandes eventos: Copa do Mundo (2014), Olimpíadas (2016), G-20 (reunião das 20 maiores economias do mundo, neste ano). Não precisa de grandes investimentos, começando a trabalhar algo como se isso não existisse no País. Existe e é muito bom. Nunca ouvimos falar de incidente em nenhum dos grandes eventos que o Brasil já fez. É um pessoal bem qualificado.
Estamos diante da possibilidade de uma eleição do Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Vocês levam esse cenário em consideração? Isso pode impactar a vinda de pessoas para a COP-30?
Não influencia em nada na organização da COP. Óbvio que a gente quer que os Estados Unidos estejam presentes, mas não é o único país que queremos trazer. São vários países e queremos que todos venham participar dessa discussão, mas isso não é algo que seja alvo da minha preocupação. Há outros ministérios se debruçando sobre isso, mas para mim não afeta em nada.