Chocolate Yanomami: cacau nativo gera renda para indígenas e ajuda a preservar a Amazônia

Colhido pelos indígenas, fruto que tem origem amazônica dá origem a marca de chocolate que leva o nome da etnia; produção evita o avanço da destruição das terras protegidas

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Por Emilio Sant'Anna

Pressionada pelo avanço do garimpo ilegal e a extração de madeira, a Amazônia é um ativo econômico muito mais importante em pé do que explorada à exaustão. A afirmação é consenso entre especialistas e evidente para os povos da floresta. Mas as altas nas taxas de desmatamento e de mineração ilegal mostram o quanto ainda é realidade distante. Afinal, onde está a saída?

Se um morador de São Paulo for hoje, 5 de setembro, Dia da Amazônia, a alguns dos supermercados mais importantes da cidade vai encontrar um exemplo. Em uma embalagem preta, o Chocolate Yanomami é feito com cacau, como o nome diz, colhido pelos próprios indígenas na região dos rios Uraricoera e Toototobi, em Roraima e no Amazonas.

Chocolate produzido na oficina de cacau, ministrada pelo professor César de Mendes para os Ye'kwana e Yanomami, na comunidade Waikás. Além da construção de casa para fermentação, a oficina abordou temas como classificação das frutas, seleção, fermentação, plantio, poda, produção de mudas, secagem e produção de chocolate Foto: Rogério Assis / ISA

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Os 40 quilos de cacau, nativo da Amazônia, que eram colhidos por safra se transformaram em 200 quilos com técnicas de cultivo implementadas nas comunidades Yanomami. Pelo quilo da amêndoa processada da fruta, a fábrica, a De Mendes, paga valor acima do praticado no mercado – hoje R$ 11,40 o quilo. E na pandemia 100% do lucro com a venda do chocolate no varejo foi repassado para os Yanomami.

“Se transformou numa alternativa para a questão do garimpo ilegal e a invasão das terras indígenas”, diz o chocolatier César de Jesus Mendes. “Contribuiu para criar um contraponto e oferecer uma opção de renda.” O cacau colhido pelos índios é levado à fábrica onde dá origem exclusivamente à marca Chocolate Yanomami.

Cada barra é vendida por R$50 e é uma alternativa real para as populações amazônicas escaparem do ciclo de destruição que se estende há mais de meio século e que, nos últimos anos, vem acelerando.

A floresta registrou este ano o terceiro índice mais alto de desmatamento da série histórica iniciada em 2015, o que tem feito a política ambiental do governo federal ser alvo de críticas no Brasil e no exterior.

Na Terra Indígena Yanomami, a mineração ilegal cresceu 46% em 2021, mostra relatório da Hutukara Associação Yanomami em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA).

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INÍCIO

A iniciativa não foi levada para as populações indígenas, mas nasceu dos próprios Yanomami, em 2015. “Eles procuraram nossos técnicos em campo, já haviam feito algumas vendas de cacau, e nos provocaram a olhar para isso”, diz José Ignácio Gomeza, analista de pesquisa e desenvolvimento socioambiental do ISA.

Após os primeiros contatos e estudos sobre a viabilidade do negócio, o ISA partiu para a busca de um parceiro. Encontraram o chocolatier. “Fui indicado pelo ISA para avaliar a ocorrência do cacau nativo naquela região. Pesquisamos o material genético e concluímos que era um volume pequeno mas com um perfil interessante”, detalha Mendes.

Chocolate produzido na oficina de cacau, ministrada pelo professor César de Mendes para os Ye'kwana e Yanomami, na comunidade Waikás. Além da construção de casa para fermentação, a oficina abordou temas como classificação das frutas, seleção, fermentação, plantio, poda, produção de mudas, secagem e produção de chocolate Foto: Rogério Assis / ISA

O que pode parecer uma alternativa ainda tímida ante o tamanho da mineração ilegal na terra indígena revela potencial de crescimento. O doce não é o único produto da etnia. Cogumelo, cestaria e a castanha também se transformaram em produtos com a marca Yanomami.

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O tamanho desse mercado, que se desenvolve à margem de políticas públicas e de um projeto nacional para a região, ainda é incerto. No entanto, um estudo da TNC (The Nature Conservancy) Brasil sobre o potencial da bioeconomia no vizinho Estado do Pará, um dos mais afetados pelo desmatamento amazônico, dá uma ideia do que o Brasil perde com o avanço e a falta de combate à devastação das atividades ilegais na floresta.

Feito em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o estudo revela que o PIB resultante das atividades produtivas sustentáveis no Pará foi de R$ 5,4 bilhões em 2019 – quase o triplo do valor o registrado pelo IBGE para o mesmo ano, de R$ 1,9 bilhão (considerando apenas a produção rural, primeiro elo da cadeia).

Homem a caminho da coleta de cacau. Oficina de cacau e produção de chocolate, ministrada pelo professor César de Mendes para os Ye'kwana e Yanomami, na comunidade Waikás. Além da construção de casa para fermentação, a oficina abordou temas como classificação das frutas, seleção, fermentação, plantio, poda, produção de mudas, secagem e produção de chocolate Foto: Rogério Assis / ISA

A pesquisa considerou algumas cadeias da sociobiodiversidade, como as do açaí, castanha-do-pará e palmito. Juntas elas geraram cerca de 224 mil postos de trabalho. Para uma região distante dos olhos da maior parte da população brasileira, mas onde vivem cerca de 25 milhões de pessoas, e o crime avança, o potencial é uma boa notícia: as atividades sustentáveis, apenas no Estado do Pará, podem passar a render até R$170 bilhões anuais em 2040.

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Os Yanomami parecem saber onde está a saída.

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