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Desafios do Brasil no século 21

Opinião|A COP e a Reforma Tributária: o clima, a soja e a fome

Atualização:

A presença do Papa Francisco na COP 28, que acontecerá em Dubai neste início de dezembro, servirá como alerta de que a natureza é a grande dádiva e que a Terra, o único dos planetas solares capazes de suportar a imensa biodiversidade que nos cerca, como pontificou em sua encíclica Laudato Si. Para o Brasil será, também, o lembrete de que deve se preparar para assumir responsabilidades ainda maiores na COP 30, que acontecerá em Belém (PA) em 2025.

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Durante a COP de Belém os países vão redefinir suas NDCs (Contribuições Determinadas Nacionalmente), as metas de cada país que, somadas, formarão o compromisso global para limitar o aumento das temperaturas no planeta a 1,5ºC. Este é o cenário em que o Brasil terá a Brasil terá a responsabilidade de liderar pelo exemplo com metas ambiciosa. Em seu dever de casa o país precisará do compromisso e pressão da sociedade civil e da sociedade para garantir o engajamento do Congresso e do Governo em uma transição energética sustentável.

Internamente, o Brasil deverá concluir ainda este ano a Reforma Tributária, pela qual definirá as prioridades de sua economia política pelas próximas décadas, quais suas estratégias para o século XXI, e como o país irá cumprir a Constituição Federal e seus compromissos internacionais climáticos e de direitos humanos. Esses compromissos são definidores para um país que almeja se posicionar como potência ambiental, produtora de alimentos e mediadora da paz. 

Neste sentido, vários movimentos do país são críticos, como a exploração de petróleo na foz da Amazônia, as grandes obras de infraestrutura naquele bioma, e, sobretudo, o combate sem descanso ao desmatamento, atualmente a maior fonte de emissões brasileiras. 

Não se pode falar em transição e adaptação climática sem falar de Justiça. A igualdade de condições econômicas, os direitos fundamentais é a mais básica régua da dignidade humana. O direito à alimentação das populações mais vulneráveis precisa estar no centro das decisões que vão definir o modelo de desenvolvimento do Brasil.

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Subsídios para um modelo ultrapassado

A analise refletida no estudo  "O custo da soja para o Brasil: renúncias fiscais, subsídios e isenções na cadeia produtiva" realizado por uma coligação de organizações (ACT Promoção da Saúde, o IDS, IDEC, INESC, e Osociobio, com apoio do WWF e ICS,) mostra que os benefícios recebidos pela produção de soja no Brasil podem ser a origem de danos sociais e ambientais catastróficos.

De 1985 a 2021, o desmatamento total oriundo da produção de soja foi de 8,1 milhões de hectares, o equivalente ao território da Holanda e Bélgica somadas. A estes significativos números se soma outro: 56 bilhões de reais em renúncias fiscais, subsídios, créditos presumidos e isenções tributárias destinadas à cadeia de produção de soja no Brasil, apenas no ano de 2022. 

Os efeitos desta opção por um ciclo agroexportador de commodities básicas nas últimas décadas teve diversas consequências. Paralelo ao aumento do desmatamento pela monocultura da soja, de 1999 a 2018, houve uma expressiva redução em áreas de produção de alimentos. Enquanto a área plantada de soja no Brasil cresceu 165%, a produção de feijão, mandioca e arroz caíram, 36,9%, 25,3% e 51,6% respectivamente, o que impactou em alta da inflação de alimentos sistemicamente desde 2007. Isso penaliza todos, mas sobretudo os mais vulneráveis na pirâmide social brasileira. 

O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Brasil apresentou em números as consequências desta opção: em 2022, 33 milhões de brasileiros encontravam-se em insegurança alimentar grave, totalizando 15,5% da população. Além destes, que não sabiam se teriam três refeições todos dias nas próximas semanas, um total de 58% dos brasileiros declararam estar em insegurança alimentar inicial, precisando reduzir calorias e mudando hábitos alimentares para conseguir custear o mínimo de refeições diárias, constrangidos em seus orçamentos domésticos por pressões inflacionárias em grande medida causadas pela redução da oferta de seus alimentos tradicionais. 

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Os impactos na Cesta Básica

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A disparidade de assistência técnica entre produtores de soja e a agricultura familiar produtora de feijão e mandioca é, também, gritante. Entre os primeiros, 76% são beneficiados pela extensão rural. Porém, apenas 1% e 0,5%, dos que produzem os alimentos recebem o mesmo apoio, custeado com recursos públicos. 

Todos os alimentos da cesta básica nacional, juntos, não recebem metade dos incentivos concedidos apenas à produção de soja em isenções e subsídios. Quando se verifica o financiamento da produção via crédito rural, 52% do total é destinado exclusivamente à produção de soja, que não agrega sequer 10% de valor a cada 100 dólares exportados, levando à uma baixíssima diversificação econômica, em que perde a indústria, perde o trabalho decente e perde o país.  

Não se trata, aqui, de vilanizar um setor expressivo da economia, cujos produtores rurais enfrentam desafios próprios enormes, sobretudo no que tange à sua relação com as tradings internacionais, que dominam as logísticas de sementes e comercialização da produção, recebendo 64% dos lucros do setor. Apenas no ano de 2021, essa transferência de renda para as tradings foi de 55,3 bilhões de reais - praticamente o mesmo volume de recursos que os cofres públicos deixaram de arrecadar com essa cadeia econômica, e que não foram investidos em educação, saúde, transporte, ou em outras cadeias econômicas do país.  

O que o Brasil mostrará ao mundo em 2025, durante a COP 30 dependerá diretamente daquilo que for aprovado na Reforma Tributária em 2023. Não é aceitável que o país continue a subsidiar uma cadeia que exporta grãos in natura, gerando inflação nos preços de alimentos por escassez de oferta, poluindo aquíferos com agrotóxicos proibidos em todo o mundo, e que torna refém seus próprios produtores e exportando os lucros dessa produção, subsidiados pelo contribuinte.

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Muitos criticam o bolsa-família, que retirou da fome milhões de pessoas, e quem tem sua porta de saída no trabalho formal. Qual é a porta de saída para o bolsa-latifúndio produtor de soja, que a 60 anos recebe subsídios dos cofres públicos? 

Opinião por Equipe IDS
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