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Nesta fazenda, eles puseram fogo de propósito na vegetação. Como isso ajuda a natureza?

Pesquisa investiga impactos das chamas a longo prazo na floresta em uma área controlada para fins científicos

Foto do author Caio Possati
Por Caio Possati

Para estudar os impactos a longo prazo dos incêndios na Amazônia e entender a capacidade que o bioma tem para se recuperar da degradação provocada pelo fogo, pesquisadores baseados em Mato Grosso estão monitorando áreas da floresta que foram propositalmente queimadas de forma experimental para fins científicos entre 2004 e 2010.

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A investigação acontece na Fazenda Tanguro, na cidade de Querência, no extremo noroeste do Estado mato-grossense. O local é de propriedade da Amaggi, uma empresa do agronegócio que firmou uma parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) para o desenvolvimento de estudos na área.

Um desses experimentos começou em 2004 e durou até 2010. Consistiu em separar três áreas da floresta de 50 hectares (um retângulo de 1.000 metros x 500 metros) para serem queimadas de modo experimental e controlado. A região onde a Fazenda Tanguro se encontra é uma área de transição entre os biomas da Floresta Amazônica e o Cerrado.

Fazenda Tanguro, em Mato Grosso, realiza estudo de impacto ambiental na Amazônia a partir de queimadas experimentais Foto: Marcelo Freitas/IPAM

No período da pesquisa, uma das áreas foi submetida ao fogo uma vez por ano; outra parte da floresta foi queimada a cada três anos. E uma terceira área, também com a mesma medida, não foi alvo de nenhum incêndio e permaneceu intacta. Essa parte serviu como grupo controle do experimento. Todas as queimadas foram autorizadas pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado, segundo os pesquisadores.

Desde 2010, quando as queimadas controladas cessaram, os cientistas do Ipam vêm monitorando essa área para entender as consequências dos incêndios experimentais.

Até porque trata-se de em uma região onde a biodiversidade do local, tanto de fauna como de flora, apresenta características da Amazônia, um bioma que evoluiu sem a necessidade de se adaptar ao fogo, ao contrário do Cerrado, um tipo de floresta que se desenvolveu acostumado a queimadas.

Para Leonardo Maracahipes-Santos, pesquisador do Ipam e coordenador de projetos na Fazenda Tanguro, os resultados dos estudos podem subsidiar decisões na direção de preservar e proteger as florestas. “Esses estudos podem quantificar os impactos das queimadas e também gerar dados para aplicações relacionadas às mudanças climáticas”, diz. “Com as secas severas que estão ficando cada vez mais frequentes, governantes podem se apoiar em dados científicos de impacto para evitar que áreas maiores não sejam queimadas.”

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Um dos resultados encontrados que surpreendeu os pesquisadores, conta Leonardo Maracahipes-Santos, foi a de que o nível de devastação da área queimada a cada três anos foi superior ao da parcela que recebeu fogo anualmente.

Isso aconteceu porque, segundo o coordenador de projetos da Fazenda Tanguro, a primeira queimada em 2004 e ausência de fogo nos anos seguintes provocou um acúmulo de gramíneas que serviram de combustível para um incêndio mais potente em 2007, quando novamente os cientistas realizaram a queimada controlada.

“Quando tem o primeiro fogo, acontece a mortalidade de algumas árvores e a entrada de gramíneas invasoras, que são combustível (para queimadas). Conforme o tempo vai passando, vai acumulando mais combustível das plantas que morrem desse primeiro fogo”, explica o pesquisador.

“Esse segundo fogo de 2007 foi muito mais intenso do que os focos que foram feitos anualmente na parcela anual. A quantidade de árvores que morreram e de espécies que foram perdidas foi maior do que os hectares de árvores que foram queimados anualmente”, acrescenta Maracahipes-Santos.

Ele diz, porém, que mesmo 14 anos após o último incêndio, os vestígios da queimada nas áreas impactadas ainda são visíveis. “É possível ver ainda que é uma floresta altamente degrada, com presença de muitas gramíneas e é mais aberta”, descreve.

Local da fazenda onde parte da floresta foi devastada pelo fogo de forma experimental. Foto: Marcelo Freitas/IPAM

Isso impede os pesquisadores de estimar quando as áreas que tiveram contato com o fogo se recuperarão. “A gente não consegue ainda falar quanto tempo essa parte da floresta vai levar para voltar a se tornar o que era antes. Às vezes pode nem voltar”, diz. “Isso mostra que o impacto do fogo em uma floresta não adaptada é muito grande.”

O cálculo dessa devastação da flora foi feito a partir de inventários realizados antes das queimadas. Os documentos consistiam em catalogar periodicamente as espécies presentes, com a inclusão de novas árvores que cresciam e um censo de mortalidade para aquelas que morriam.

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“Com isso, a gente consegue calcular qual foi o impacto do fogo sobre as florestas”, explica Leonardo. “Por exemplo, se tinha 200 árvores, quantas árvores morreram dessas 200 iniciais, e quantas morreram com o segundo ou terceiro fogo?”

Em relação aos animais, o pesquisador diz que foi feito um trabalho para afugentamento da fauna antes das queimadas, simulando o que geralmente acontecer em uma situação real. Mas, diz que há espécies que não sobrevivem ao experimento. “É importante saber que vai ter um impacto com fogo nesse tipo de floresta.”

Alterações na forma como a floresta se comporta

O monitoramento que vem sendo feito há mais de uma década dá pistas não apenas do nível de destruição dos hectares, incluindo sua fauna e flora, mas sugere como a floresta e a biodiversidade que nela vive passaram a se comportar a longo prazo depois de ser submetidas ao fogo.

Para isso, os pesquisadores estudam as áreas a partir de alguns indicadores, como estoque de carbono e a quantidade de água que a floresta está bombeando para a atmosfera, um elemento importante para o regime de chuvas. Essas medições são feitas com instrumentos chamados torres de fluxo.

A pesquisa mostrou que as áreas submetidas ao contato com fogo passaram a ter a entrada de espécies de árvores pioneiras, algumas até com características de savana, que são espécies mais adaptadas a ambientes degradados.

Leonardo explica que o predomínio desse tipo de vegetação, por possuir uma madeira de baixa densidade e um ciclo de vida curto, pode não ser positivo porque tem um potencial menor para estocar carbono aéreo. O estoque de carbono é uma propriedade importante das florestas para mitigar os efeitos dos gases do efeito estufa.

“Quando comparamos a floresta controle com as áreas que foram queimadas experimentalmente, a quantidade de carbono estocada é muito menor nas florestas que foram queimadas”, afirma o pesquisador.

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O volume de pesquisas feitas no local fazem a Fazenda Tanguro receber o apelido de 'laboratório a céu aberto'. Foto: Marcelo Freitas/IPAM

Outra mudança, diz ele, é que a devastação provocada pelo fogo permitiu a chegada de espécies de animais conhecidas como “generalistas”, que estão mais habituadas com áreas abertas. Como exemplo, Leonardo cita o caso das formigas.

Ele explica que a chegada de espécies generalistas de formigas, tal como mostrou uma pesquisa do Ipam na Fazenda Tanguro, provocou o sumiço de espécies que antes habitavam a floresta mais fechada.

Por outro lado, existem também estudos que mostram um comportamento animal em prol da regeneração florestal. Umas das pesquisas feitas pelo instituto mostrou que as antas têm utilizado com mais frequência as áreas abertas, isto é as áreas degradas pelo fogo, como locais para depositar as fezes.

Esse material é composto por sementes que podem ajudar no reflorestamento do ambiente agredido pelas queimadas.

“A gente coletava as amostras de fezes a cada três meses e fazia a triagem das sementes de plantas presentes nessas fezes. O principal resultado que encontramos é que a anta tem preferência em fazer o cocô em áreas abertas. Isso é muito importante para ajudar na floresta degradada.”, diz Leonardo.

O volume de pesquisas na Fazenda Tanguro já contribuiu para publicação de quase 200 artigos científicos, nas diferentes linhas de pesquisa desenvolvidas no instituto, como: fogo e floresta; seca e floresta; ciclagem de nitrogênio; alterações climáticas e os impactos das mudanças climáticas no agronegócio, entre outras.

“A Fazenda Tanguro é praticamente um laboratório a céu aberto, onde você tem uma área gigantesca que pode desenvolver todo tipo de pesquisa”, afirma o pesquisador.

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Soluções ecológicas para a agricultura

Por estar em uma fazenda de uma empresa do ramo do agronegócio, os pesquisadores do Ipam também desenvolvem estudos para tornar essas produções menos agressivas ao meio ambiente. A Amaggi usa o espaço para a plantação e cultivo de soja, milho e algodão.

Uma das pesquisas desenvolvidas focou em estabelecer a quantidade ideal de nitrogênio para a produção do milho, de forma que a planta conseguisse aproveitar da melhor forma esse elemento que é macronutriente para as plantas.

Porém, em quantidades elevadas, o nitrogênio pode não ser aproveitado na produção e fica armazenado no solo na forma de N20 (óxido nitroso), um tipo de gás que provoca o efeito estufa.

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