Uma trilha ecológica do Oiapoque ao Chuí? Ela já está sendo feita, e passa por SP

Do Amapá ao Rio Grande do Sul, caminho de 7,8 mil quilômetros vai passar por 14 Estados e quase todos os biomas do País; objetivo é conectar áreas protegidas, estimular o turismo e a economia

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Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

Aos poucos um desenho começa a surgir, locais separados no mapa que vão se unindo para formar o maior caminho do País. Do ponto mais extremo ao Norte, no Amapá, ao mais distante ao Sul, no Rio Grande do Sul, serão 7.882,94 quilômetros serpenteando pela maioria dos biomas brasileiros, 14 Estados, quase 300 cidades litorâneas, como o Rio de Janeiro, e um sem número Brasil adentro, a capital paulista entre elas.

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A Trilha Oiapoque-Chuí, um enorme corredor ecológico, já tem cara e sinalização próprias e será maior que algumas das mais extensas do mundo, como a Pacific Crest Trail -que liga o México ao Canadá, passando por todo o Oeste dos Estados Unidos, ao longo de 4.260 quilômetros.

Só a primeira delas, ou a última (a depender de onde você parta), a Trilha Cassino-Barra do Chuí tem 223 quilômetros que podem ser percorridos a pé, de bicicleta ou a cavalo em uma jornada de seis a nove dias. Mas não é só. Fazem parte do projeto Oiapoque-Chuí até mesmo trilhas fluviais para serem encaradas de caiaque ou canoa.

Transmantiqueira nasce no Horto Florestal em São Paulo; o caminho ainda passa por cidades como Campos do Jordão e São Francisco Xavier Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

O projeto é coordenado pelo pelo governo federal, através do Ministério do Meio Ambiente, com a participação do Ministério do Turismo e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

A concretização da Oiapoque-Chuí, porém, fica a cargo das entidades e pessoas ligadas às trilhas locais já existentes. Aos poucos, elas vão se juntando, adotando a sinalização padronizada e passando a fazer parte da Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso e Conectividade (RedeTrilhas).

A ideia de ser construída “de baixo para cima”, diz Pedro da Cunha e Menezes, Diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, fundador da Trilha Transcarioca e Diretor da Rede Trilhas, é que isso gere pertencimento das comunidades ao projeto, além de ser uma forma de incentivo da economia turística nos locais com o fomento a pousadas, hotéis e o trabalho de guias. Ao final de cada trecho, um certificado deve ser emitido para os caminhantes.

Não há um prazo estipulado para a conclusão, mas hoje cerca de 25% da formação está implantada. “A trilha é o resultado de diferentes trilhas que têm vida própria e que tende a ser um símbolo nacional, gerar emprego e renda para as comunidades”, afirma. “É um processo lento, pensado dessa forma mesmo, de baixo para cima.”

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A sinalização padrão também já está espalhada em boa parte dessas trilhas, uma pegada preta sobre um fundo amarelo ou o contrário, de acordo com o sentido em que o caminho é percorrido. É o caso, por exemplo, da Transcarioca, que cruza o Rio de Janeiro por um percurso de aproximadamente 180 quilômetros, saindo da Barra de Guaratiba até o Morro da Urca, aos pés do Pão de Açúcar.

Ao todo, a Transcarioca conecta nove Unidades de Conservação (UCs), os parques Estadual da Pedra Branca, Nacional da Tijuca, e os municipais de Grumari, da Cidade, da Catacumba, Fonte da Saudade,Jose Guilerme Merquior, da Paisagem Carioca e dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca.

A sinalização também está espalhada pelos 1.200 quilômetros, em 40 cidades, dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que formam a Trilha Transmantiqueira. Partindo o Horto Florestal (Parque Estadual Alberto Löfgren), o caminho conecta mais 30 Unidades de Conservação (UCs) passando por cidades como Campos do Jordão e São Francisco Xavier. Cortando a Serra da Mantiqueira de oeste a leste, a trilha também é formada por caminhos que se conectam para formar um trajeto maior, como a Trilha da Serra Fina e o Parque Nacional do Itatiaia.

Sinalização da Trilha Transmantiqueira, na região da Serra Fina, em Minas Gerais Foto: Rafael Precioso/Arquivo Pessoal/Estadão

290 municípios à beira mar

Grande parte da Oiapoque-Chuí vai estar inserida na Mata Atlântica, o bioma mais desmatado do Brasil, do qual restam apenas 12,4% de sua cobertura vegetal original. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 72% da população brasileira – 145 milhões de pessoas – vivem em áreas que se inserem na Mata Atlântica. As maiores cidades do País, como Rio, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Curitiba são alguns dos exemplos.

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“Em alguns trechos, a trilha pode ter mais de um ramal. Mais importante do que o traçado é a qualidade do caminho”. diz o Diretor de Áreas Protegidas do Ministério. “Não só as pessoas, mas a fauna também vai poder se mexer por esses caminhos.”

De acordo com Luciano Soares, Diretor de Geotecnologia da Rede Brasileira de Trilhas, a Oiapoque-Chuí passará por 290 municípios à beira mar. A entidade trabalha para fazer a catalogação e o mapa completo do caminho. “Se alguém quiser sair de onde for, vai poder dimensionar quanto irá andar por dia, onde vai dormir e se alimentar”, afirma.

Trilhas de longa distância são mais comuns em alguns países como os Estados Unidos e o Canadá. Nesses dois países da América do Norte, trilhas como a Appalachian Trail e a Trans Candá Trail se estendem por 7.500 quilômetros 28.000 quilômetros respectivamente.

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Guia turístico na região da Serra Fina, em Minas Gerais, e em Paraty, Rafael Precioso vê na formação da trilha uma oportunidade para a promoção do turismo sustentável. “Por onde tenho andado, na região da Mantiqueira, está tudo muito bem sinalizado e proporciona uma boa experiência por minimizar a possibilidade do erro. Mas um ponto que me pega é quem irá fazer a conscientização sobre a importância da preservação do ecossistema e do bioma em que essas essas trilhas estão inseridas”, diz. “É uma medida benéfica, mas é preciso que tenha planejamento, educação ambiental e envolvimento ativo da população.”

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