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'Aedes' que não transmite dengue é criado na Austrália

Mosquito tem bactéria que impede a reprodução do vírus dentro de si; espécimes estão sendo cruzados com insetos do Brasil

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Por Clarissa Thomé e RIO

Cientistas da Universidade de Monash, na Austrália, criaram em laboratório um tipo de Aedes aegypti que não transmite a dengue. Eles introduziram no mosquito uma bactéria que bloqueia a multiplicação do vírus da dengue no inseto. E, ontem, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou, no 18.º Congresso Internacional de Medicina Tropical, que pesquisa para desenvolver o novo mosquito no Brasil. Os testes devem ir a campo em 2014. Os cientistas na Austrália introduziram nos ovos do mosquito a bactéria Wolbachia, presente em 70% dos insetos. Ela atua como uma espécie de vacina para o mosquito. A colônia de Aedes com Wolbachia é criada em laboratório; depois, os insetos são liberados na natureza. Livres, eles se reproduzem com mosquitos locais e a bactéria é transmitida de mãe para filho pelos ovos. Além de bloquear a transmissão do vírus da dengue, a bactéria também tem efeito sobre a capacidade de reprodução. As fêmeas com Wolbachia sempre geram filhotes com a bactéria - independentemente de o macho também conter esse micro-organismo ou não . E, além disso, todos os óvulos fertilizados por machos que tenham a bactéria morrem. Por conta disso, mesmo que uma pequena população de insetos com a bactéria seja introduzida na natureza, rapidamente esse tipo de mosquito se torna maioria. Foi exatamente isso o que aconteceu nas localidades de Yorkeys Knob e Gordonvale, em Cairns, na Austrália. Cinco semanas depois da liberação dos mosquitos com a bactéria, em janeiro de 2011, a presença de insetos com Wolbachia alcançou 100% em Yorkeys Knob e 90% em Gordonvale. Erradicação. "A dengue é uma das quatro doenças mais transmissíveis no mundo. Esse é um estudo extremamente promissor, pela forte base biológica, com base em um processo que ocorre naturalmente. Essa tecnologia pode vir a se tornar uma arma muito importante no controle da dengue, talvez até na eliminação da doença", afirmou o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa. A Wolbachia é uma bactéria presente na drosófila (também conhecida como mosca-da-fruta) e em pernilongos. Quando começou a ser estudada, os pesquisadores esperavam que ela reduziria o tempo de vida do Aedes aegypti. Além desse efeito, descobriram que ela bloqueava a reprodução do vírus da dengue. "A bactéria é encontrada por todo o corpo do Aedes. Imaginamos que ocorra uma competição por nutrientes que o vírus e a bactéria precisem e a bactéria leva a melhor. Além disso, a imunidade fica aumentada. A drosófila consegue bloquear os vírus que causam doença no seu organismo", explica Luciano Moreira, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Ele fez parte da equipe de cientistas que descobriu, em 2008, na Austrália, a capacidade da Wolbachia de bloquear a multiplicação do vírus da dengue. Sem riscos. Moreira explica que não há risco de transmissão da bactéria para o ser humano. A Wolbachia é intracelular (só sobrevive dentro da célula) e é maior que o canal salivar do mosquito. Ou seja, não sai pela saliva, por onde o mosquito contamina o homem. Agora os cientistas querem testar o comportamento do inseto com a Wolbachia em áreas endêmicas, o que não é o caso da Austrália. No Brasil, o projeto está na primeira fase: já houve o cruzamento dos mosquitos com Wobachia, trazidos da Austrália, com Aedes aegypti de populações brasileiras. Na próxima etapa, serão instalados "gaiolões" para simular a vida na natureza. Os pesquisadores ainda estão escolhendo a região do Rio de Janeiro que receberá a primeira população de mosquitos com a bactéria.

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