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Com Lula em caravana no Nordeste, Centrão mostra que aliança com Bolsonaro fica só no ‘quadradinho’

PP de Ciro Nogueira e Republicanos procuram ex-presidente para acordos regionais

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Foto do author Vera Rosa

Caro leitor,

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Enquanto em Brasília se discute crise entre os Poderes e até ameaças à democracia, noNordeste o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem fechado acordos para sua candidatura ao Palácio do Planalto com aliados do governo federal. Em sua primeira caravana pela regiãodesde que voltou à cena política, Lula costura arranjos regionais com partidos que subiram ao altar com o presidente Jair Bolsonaro. Na prática, o Centrão está com Bolsonaro nas “quatro linhas” da Câmara, mas não tem fidelidade a ele fora do quadradinho, como a capital do País é conhecida. 

As traições começam a se revelar justamente no Nordeste. Principal partido do Centrão, o Progressistas (PP) do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, já rachou. Hoje no núcleo duro do Planalto, Ciro sempre foi considerado um hábil articulador político. Esteve com o PT num passado não muito distante, apoiou a candidatura de Fernando Haddad à Presidência em 2018, embora o PP tivesse lançado a senadora Ana Amélia como vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), e agora é definido por Bolsonaro como “a alma do governo”. 

Poucos observaram, no entanto, que, em seu discurso de posse, Ciro mesclou o slogan de Bolsonaro – “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” – com “Viva o povo brasileiro!”, romance de João Ubaldo Ribeiro. O livro explora justamente o “embaralhamento” de posições em uma sociedade como a nossa. 

O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, no Palácio do Planalto (27/7/2021) Foto: Gabriela Biló/Estadão

Líder nas pesquisas de intenção de voto, Lula diz agora achar difícil que Ciro tolere esse casamento de papel passado com Bolsonaro por muito tempo. Pré-candidato ao governo do Piauí, o ministro da Casa Civil tem bons motivos para deixar o Planalto emabril de 2022 – prazo fixado pela lei para que ocupantes de funções públicas com pretensões eleitorais entreguem seus cargos –, mas o fato é que outros expoentes do PP e do Centrão, como os deputados Dudu da Fonte (PE) e André Fufuca (MA), hoje presidente do partido, já apoiam Lula.

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Dudu da Fonte é ligado a Ciro Nogueira, a exemplo de Fufuca, que assumiu o comando do PP enquanto o amigo está no ministério. Interlocutor assíduo do ex-presidente, Dudu esteve com ele em Brasília e agora no Recife. Quer concorrer ao Senado, assim como os deputados Silvio Costa Filho (PE), integrante do Republicanos – legenda do Centrão associada à Igreja Universal – e André de Paula (PSD). Todos esses partidos são aliados do governador de Pernambuco, Paulo Câmara, que é do PSB e está com Lula.

Em um arranjo com o PT, o governador pode se lançar a uma cadeira ao Senado. Caso o ex-prefeito do Recife e atual secretário de Desenvolvimento Econômico, Geraldo Júlio (PSB), não dispute o Palácio das Princesas em 2022, há uma negociação em curso para que o senador Humberto Costa (PT) seja candidato ao governo de Pernambuco em dobradinha com o PSB e partidos do Centrão.

“O PP não tem centralismo no qual o Ciro diz ‘não’”, afirmou Lula em Teresina. “E o Centrão não é um partido político. Quando chegar a campanha de 2022, cada partido (do bloco) irá pensar como é que está sua tribo no seu Estado. Eu estou cansado de ver candidatos a presidente da República serem rifados”, emendou o petista, que tem recebido políticos do PP de vários Estados até mesmo em seu escritório político, em São Paulo. 

Na caravana pelo Nordeste, que nesta quinta-feira, 19, está no Maranhão e ainda vai percorrer o Ceará, o Rio Grande do Norte e a Bahia até a próxima semana, Lula aproveita para desenhar o mapa político que pode sustentar sua candidatura em 2022. 

O ex-presidente Lula em Recife. Foto: Ricardo Stuckert

Na Bahia, por exemplo, o vice-governador João Leão também é do PP e se movimenta para a continuidade da união com os petistas. A prioridade do PT é eleger uma bancada robusta de deputados federais e construir uma frente de apoio a Lula, mesmo que seja preciso abrir mão de candidatos próprios aos governos.

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Sempre atento às movimentações de seu principal adversário, Bolsonaro também intensificou as viagens pelo Nordeste, que ainda é reduto eleitoral do PT. Nos bastidores, o marqueteiro João Santana, hoje com Ciro Gomes (PDT), tem dito ser quase impossível que um candidato em primeiro lugar nas pesquisas a um ano e dois meses das eleições, como Lula, mantenha essa posição no ranking até outubro de 2022, quando haverá o primeiro turno da disputa. 

Santana foi o homem que ajudou a eleger o então presidente ao segundo mandato e assinou as duas campanhas deDilma Rousseff ao Planalto. Condenado por lavagem de dinheiro na Lava Jato, o publicitário chegou a ser preso, mas retornou em novo estilo e hoje tenta moldar a imagem de Ciro Gomes – muito associada ao temperamento explosivo –, tanto que, em vários vídeos, o ex-governador do Ceará agora aparece cantando. Em junho, por exemplo, o pedetista gravou um áudio dirigindo e soltando a voz em “Rose Garden”, de Lynn Anderson, ao lado da mulher Giselle.

O Nordeste onde os dois Ciros – o Gomes e o Nogueira – construíram suas trajetórias políticas é cada vez mais disputado por ser um poderoso celeiro de votos, capaz de definir uma eleição. Nesse jogo, até o governador de São Paulo, João Doria, que vai concorrer a prévia para escolha do candidato do PSDB ao Planalto, tem lembrado que seu pai era baiano. Até agora, no entanto, a terceira via não conseguiu furar a polarização entre Lula e Bolsonaro nem apresentar um discurso, que dirá fisionomia. Mas, como diz André Fufuca, presidente do PP, “muita água vai rolar debaixo da ponte até 2022”. Principalmente no mar do Nordeste.