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Brasil cresce menos e envelhece, segundo IBGE. ‘Sonho de 1º mundo pode ir pelo ralo’, diz sociólogo

Para José Eustáquio Diniz, ex-pesquisador do instituto, janela de oportunidade do bônus demográfico (quando população economicamente ativa é maioria) se fecha mais rápido do que o previsto

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Por Roberta Jansen
Atualização:
Foto: Acervo pessoal
Entrevista comJosé Eustáquio Dinizex-professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Demógrafo e sociólogo, José Eustáquio Diniz avalia que o Brasil está diante de um grande desafio nos próximos anos, diante do acelerado envelhecimento da população, constatado pelos números do Censo 2022. Com crescimento populacional de 0,5% - o menor registrado em 150 anos -, o País precisa, segundo ele, se apressar para aproveitar as vantagens do bônus demográfico, quando a população economicamente ativa é superior à de crianças e idosos. É essa janela de oportunidade que dá condições de crescimento econômico mais veloz.

Diniz trabalhou por quase 20 anos como professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Com esse processo de envelhecimento, a tendência é crescermos cada vez menos. Ai corremos o risco de ficarmos presos na armadilha do país de renda média e não conseguirmos dar o pulo para nos tornarmos um país de renda alta”, afirma ele, hoje pesquisador independente.

“Ou seja, nosso sonho de primeiro mundo pode estar indo pelo ralo. O desafio é esse: como aproveitar o resto da nossa janela de oportunidade para garantir o maior bem estar da população.”

O Censo registrou o menor crescimento populacional desde 1872. Segundo estimativas do próprio IBGE feitas há alguns anos, a população em 2022 já estaria acima dos 214 milhões. Como interpretar esses dados?

O ritmo do crescimento populacional no Brasil vem caindo desde a década de 1970 por conta da queda da fecundidade. Quando menos pessoas nascem, há redução no ritmo de crescimento populacional. Mas o que chama a atenção é o número muito abaixo do esperado. Já sabíamos que não encontraríamos 214 milhões, sobretudo por conta da pandemia, que reduziu ainda mais as taxas de fecundidade e aumentou a mortalidade. Pelas minhas contas, a covid-19 provocou redução de 2 a 3 milhões de pessoas na população.

O ritmo do crescimento populacional no Brasil vem caindo desde a década de 1970 por conta da queda da fecundidade, aponta especialista Foto: Werther Santana/Estadão

Mesmo assim, a conta não fecha.

Com base nos números de nascimentos e óbitos do Ministério da Saúde, sabemos que o crescimento vegetativo no Brasil entre 2010 e 2022 foi de 18 milhões de pessoas (já computadas as perdas para a covid). Seríamos, então, 209 milhões. A migração no Brasil sempre esteve próxima de zero (o número de pessoas que entram no País menos o número dos que saem). Mas há indicações de que nos últimos anos, por conta da crise econômica, tenha saído mais gente do que entrado. Chegaríamos, então, a 207 milhões. Os números do Censo de 2010 (190 milhões) poderiam estar sobrestimados. Mas pode acontecer de o Censo não ter coberto os 100% da população. Nenhum Censo cobre 100%, chega a 99%, 98%, mas pode ter sido um pouco menos.

A taxa de não resposta (pessoas não encontradas ou que não quiseram responder) foi de 4,2%. Isso pode ter impactado?

Não, porque nesses casos há uma imputação (os demógrafos conseguem estimar o número de pessoas que vivem naqueles domicílios sem prejuízo para a conta final). Falo da taxa de cobertura mesmo. Mas isso só vamos saber mais na frente, na pesquisa de avaliação do Censo, que não foi divulgada ainda. Os dados ainda são preliminares e não dá pra avaliar, preciso de informações complementares. Mas acho que o número foi subestimado, que a população é um pouco maior.

E qual é o impacto disso?

Isso influi pouco. As tendências gerais estão dadas.

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E qual é o impacto a curto e médio prazo de crescermos de forma mais lenta do que o previsto?

Quando diminui o ritmo do crescimento é porque o envelhecimento está sendo acelerado. Ou seja, aumenta o ritmo da mudança da estrutura etária da população. O IBGE não divulgou ainda os dados de idade e sexo, mas isso é Matemática. Se nasceu menos gente, a base da pirâmide fica mais estreita e o topo engorda. O envelhecimento, que já era profundo e acelerado, está ficando mais profundo e mais acelerado.

E tem aquela frase que todo mundo repete: um país só fica rico antes de envelhecer. Não há experiência histórica de um país que antes envelheceu, e depois enriqueceu. Veja o caso do Japão, da Coreia. Não que seja impossível, mas, até hoje, a experiência é essa. Temos de aproveitar o restinho do bônus demográfico (quando a população economicamente ativa é maior que a de dependentes, como idosos e crianças) para poder enriquecer.

E qual é o desafio daqui pra frente?

Com esse processo de envelhecimento, a tendência é crescermos cada vez menos. Aí corremos o risco de ficarmos presos na armadilha do país de renda média e não conseguirmos dar o pulo para nos tornarmos um país de renda alta. Ou seja, nosso sonho de primeiro mundo pode ir pelo ralo. O desafio é esse: como aproveitar o resto da nossa janela de oportunidade para garantir o maior bem-estar da população.

Outro número que chamou atenção no novo Censo foi o aumento de 34% no número de domicílios – muito acima do crescimento da população. O que significa esse aumento?

Essa tendência de o número de domicílios crescer mais que a população já vinha sendo notada. Só que, dessa vez, o crescimento foi muito maior. Esperávamos que crescesse, mas não tanto assim. Abriu muito a boca do jacaré. Portanto, ou o número da população está errado, ou o número de domicílios está errado. Acho que o número de domicílios tende a estar mais correto, porque houve georreferenciamento e já era um aumento mais esperado. O que não esperávamos era que o crescimento da população desacelerasse tanto.

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