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Crônica, política e derivações

As chances do improvável

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Torço pela paz e tenho motivos pessoais para tanto. Mesmo cambaleante e aflito tento conservar meu veio analitico para não me entregar à melancolia. Entretanto, em relação à estratégia de defesa de Israel vamos ser claros: só quem está no País agredido teria o direito de opinar, especialmente quando há risco à própria existência do Estado. É preciso denunciar a moralidade seletiva que cerceia o direito do povo judeu à autodefesa. Trata-se de uma anomalia e uma deformação jurídica que parece aplicada de forma dúbia quando se trata deste País.

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Lembrando sempre que as manifestações contra Israel, e, por contiguidade, hostilidades verbais e físicas contra os judeus, começaram antes mesmo das respostas militares de Israel.  Li todos os articulistas e suas análises em busca de parâmetros para compreender a guerra desencadeada pelos crimes contra a humanidade cometidas pelos terroristas do Hamas. A ficha pode não ter caído, mas os crimes não foram apenas contra cidadãos civis de Israel e outras 41 nacionalidades. Só entre brasileiros são duas moças assassinadas e outros sequestrados. Não sei se estão tipificados assim, mas os referidos crimes foram contra a ética da vida. Todas as vidas.

Enquanto Yuval Harari alertou sobre a impossibilidade de, nas guerras, obter-se uma justiça absoluta, e também evocou o risco de um suposto êxito do terror ao lograr solapar as negociações de paz com a Arábia Saudita, Thomas Friedmann do NYT tentou trazer outras perspectivas para dimensionar o conflito, ora atribuindo a Nethanyau responsabilidade indireta pelas chacina e pelos erros estratégicos, ora advertindo sobre a intensidade da resposta e pedindo extrema prudência nas operações militares. Não apenas pelos riscos de danos colaterais aos civis, mas pelas reações desfavoráveis da opinião pública mundial.

Há, porém, um fato sub explorado pelos artigos: se, como Harari relembra, o clássico aforismo de que a guerra é um prolongamento da diplomacia (ou da política) por outros meios, ele se referia, neste caso, a presença de dois lados premidos com alguma racionalidade. Alguma razão teria caso estivesse se referindo aos pragmáticos da autoridade palestina. Dois lados que divergem, que entram em combate, que guerreiam, mas que consideram a razão e seus instrumentos como guias para tentar estabelecer ganhos ou acordos políticos. Pois bem, mas e se houver um interlocutor, como é o caso dos atuais "dirigentes"de Gaza,  que não desejam acordo algum? Que apenas simulam aspirar por concessões, que protelam para ganhar tempo até locupletar-se e conseguir o reabastecimento do seu poderio bélico? Ora, não deveria ser possível ludibriar mais ninguém medianamente perspicaz quando a cláusula pétrea está impressa na própria bandeira: "extinção de Israel".Esse o caso do Hamas e de outros concessionários, proxys dos Aytaolás em sua luta pelo expansionismo teocrático.

Decerto que pode haver fanáticos do lado israelense, mas poderíamos tentar graduar o tipo de fanático para não criar falsas isonomias. Há fanáticos que usam a religião e os argumentos religiosos para atingir determinadas metas, aspirando por vantagens, territoriais ou não. Há fanáticos que alimentam-se de fantasias inexequíveis. A distinção é que nos regimes democráticos os fanáticos tem a enorme desvantagem de ter que se submeter aos contrapesos. Fanáticos nos regimes autocráticos tem mais autonomia e até apreço por suas fantasias, melhor ainda se de acordo com a ideologia dos tiranos.

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Além disso, há fanáticos que não são apenas fanáticos, mas premidos com algum grau de desvio de personalidade. Talvez algo no terreno da psicopatologia? Para os inimigos públicos da humanidade é difícil, senão impossível, aceitar que haja uma compreensão do significado da atuação política, sequer do processo histórico, como é o caso dos radicais jihadistas. Ao igualar fanáticos sob controle social aos fanáticos que idolatram thanatos como ideário, ou seja loucos -- loucos pela morte -- os analistas estão destruindo florestas e desperdiçando precioso tempo dos leitores, pois em suas exortações à paz estes apenas dirigem-se a um lado, ou melhor dizendo, falam ao vácuo.

As mídias e o mundo ocidental deveriam estabelecer limites à ideologia quando se trata de organizações criminosas. Aceitar ser porta-vozes de entidades terroristas de forma acrítica mostrou-se desastroso: fazem propaganda acrítica. Ao toma-las, aceita-las, reconhece-las como interlocutoras válidas -- assumindo que estariam assim respeitando a livre expressão e a neutralidade jornalística sic -- associam-se voluntária ou involuntariamente ao lado agressor, pois quem agride é sempre o opressor. Haveria assim inimigos que podem ser interlocutores validos e não válidos, como é o caso dos terroristas. Não compreender isso é endossar o crime. É legitimar uma interlocução com a psicose. É dar aval para que outras investidas hediondas floresçam uma vez que enxergarão que tem chances desucesso. E, como se pode constatar nas últimas semanas, o problema não está circunscrito ao Oriente Médio: leia-se Bruxellas, Paris, Londres, Nova York, Berlin, Xangai e outros sítios espalhados pelo mundo.

O pensamento mágico também está presente em muitos articulistas que ingenuamente escreveram que bastam demonstrações de auto restrição, boa vontade e benemerência para transformar a opinião pública. Quem dera concessões,  pudessem melhorar a imagem. Bom recordar que voluntários israelenses estiveram presentes em quase todas as catástrofes naturais do mundo nas últimas décadas - e devem continuar ativos nesta verdadeira ajuda humanitária - sem que houvesse reconhecimento à altura pelos serviços prestados. O fato é que Israel prosseguirá nessas empreitadas de ajuda menos pela opinião pública, mas porque compreendeu o conceito ético de auto transcendência: a solidariedade não é um favor, trata-se de uma obrigação moral.

Será o antissemitismo uma espécie de loucura assim como outras formas de racismo? E, em caso afirmativo, quais seriam os antídotos? Temos que admitir que existem patologias sem cura, mas que é possível faze-las recuar a um estado de latência, portanto torna-las mais inofensivas. Até moléstias incuráveis podem ser remetidas a estados crônicos que permitem vida longeva e de boa qualidade. Estados de paliação que o antissemita ou seu equivalente contemporâneo, o antissionista, desconhecem. Porque de tempos em tempos, a doença pulula em suas gargantas de forma incontrolável. Ou seja, mais do que apoio à causa palestina -- que até o momento não se sabe bem em quais termos -- redespertou a hostilidade latente contra os judeus.

Assim como não existe justiça absoluta, não há paz absoluta. Como Amos Oz certa vez disse, oxalá no futuro teremos uma coexistência tensa, uma paz que poderia se resumir às escaramuças de fronteira.

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Felizmente, enquanto a extrema esquerda e a extrema direita com seus evidentes vieses antissemitas parecem nutrir explicita empatia pelo terror, boa parte dos espectros políticos do mundo ocidental - da esquerda moderada à direita lúcida -- notaram que a luta contra a atividade terrorista deixou de ter conotação regional. O combate deve assumir doravante outro contorno: demanda cooperação mundial ativa e uma vigilância muito maior do que até então vinha sendo empregada.

Quem tem empatia pelo terror, não importando os argumentos justificacionistas empregados, desumaniza a própria vida, não merecem, portanto, qualquer interlocução.

Merecem ostracismo.

Depois dos rituais satânicos do Hamas no 07/10 o mundo está fazendo um novíssimo giro. Da dor coletiva nascerá um consenso, uma consciência emergente de que não será possível, sob pena da autodestruição, a complacência com o mal. Será um destes absolutos. Uma mudança de paradigma pode estar em curso.

É preciso aceitar as chances do improvável. Ou, como David Ben Gurion, que tive a honra de conhecer pessoalmente, escreveu, "em Israel, para ser realista, você precisa acreditar em milagres."

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Acredito em Ben Gurion.

 

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