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Por dentro da rede

Opinião|Qual é o papel da internet no acirramento de comportamentos?

Torna-se cada vez mais difícil encontrar um tópico que possa ser discutido com mínimo de objetividade

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Por Demi Getshko
Na internet, não há tempo para aprofundamentos em discussões, sob risco de se perder o momento do debate Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Na internet, torna-se cada vez mais difícil encontrar um tópico que possa ser discutido com um mínimo de objetividade. Parece que conscientemente se escolhem o confronto e os ataques. O papel que a internet pode ter no acirramento deste comportamento mereceria uma análise dos que entendem de comportamento. Por ser perene entusiasta da inclusão de todos via internet, arrisco-me a uns pitacos.

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Rene Girard, pensador falecido há seis anos, trata de características humanas que podem ter sido exacerbadas pela ferramenta que a rede é. Sobre ações e desejos, Girard afirma que normalmente buscamos copiar a postura de alguém. Se, com conforto e facilidade, imitarmos nosso “modelo”, podemos pensar menos. Nossos próprios desejos seriam os desejos do outro, do indivíduo a que consideramos digno de imitar. 

Se mimetizar é intrínseco ao ser humano, há um aspecto de escala. Antes da comunicação ampla que temos hoje, poucos seriam suficientemente visíveis para serem escolhidos como “balizadores” de nossos desejos e ações. Poucos a seguir, mimeticamente. A rede “profissionalizou” essa atividade: hoje times de seguidores dos autopropostos “influenciadores” alinham-se em campo, para as batalhas do dia a dia, com muitos adjetivos e parca substância.

Outro ponto que pode ser gerador de tensão é a eliminação de barreiras contextuais. Como todos podemos falar (e isso é sempre muito bom!) e participar de qualquer discussão na rede, não temos peso em arremessar frases contra quem não siga pela cartilha do grupo a que pertencemos e ecoamos. Em fase de euforia e deslumbramento não há tempo para aprofundamentos, sob o risco de se perder o momento da discussão. Assim não importam as credenciais dos outros – responderemos a qualquer um deles, e, se possível, num tom acima.

Esse comportamento já existia no tempo do correio eletrônico. Em listas de discussão dizia-se que “os que menos tem a dizer são os que têm mais tempo para falar”.

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Segundo Girard, o que ele chama de crise mimética “é uma situação de conflito tão intensa que, em ambos os lados, as pessoas agem e falam da mesma forma, tornando-se cada vez mais hostis ao replicar a hostilidade do outro grupo. Em conflitos realmente intensos, as diferenças entre os lados em conflito, ao invés de se tornarem mais agudas, igualam-se”.

Parece confirmar o que Nietzsche havia postulado, em Além do Bem e do Mal: “A insanidade é algo raro de se encontrar em um indivíduo. Já em grupos, partidos e épocas, é a regra”.

Opinião por Demi Getshko
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