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Invasão do Iraque muda balanço de forças no Oriente Médio

Para analistas, divergências entre sunitas e xiitas estão mais acentuadas desde 2003

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Por Rodrigo Durão Coelho
Atualização:

Cinco anos após seu início, a invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos trouxe profundas conseqüências para os países vizinhos e alterou o balanço de forças da região, segundo analistas ouvidos pela BBC. "Desde a década de 1970, o Iraque era um dos principais atores da política do Oriente Médio, mas isso terminou com a invasão, quando se fortaleceu o papel do Irã", afirma Abdel Said Ali, diretor do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos Al Ahram, no Cairo. O analista diz acreditar que uma das principais mudanças ocorridas na região desde 2003 foi um reposicionamento das forças sunitas e xiitas. Após a derrubada de Saddam Hussein, as duas vertentes passaram a protagonizar um conflito sectário que já matou dezenas de milhares de pessoas no Iraque. Os xiitas, majoritários no Iraque, tinham sido duramente reprimidos sob o regime sunita de Saddam Hussein e, agora, começava a reivindicar o poder no país. Os conflitos não se espalharam pela região, mas acabaram promovendo uma aproximação entre grupos sunitas e xiitas de diferentes países. O Irã ser aproximou do movimento Hezbollah no Líbano e do governo sírio, representando os xiitas. Do lado dos sunitas, houve um fortalecimento de laços entre os governos de Arábia Saudita, Egito e parte da população no Líbano. Irã e o Hezbollah "O Irã sempre teve grandes ambições regionais. Sob o regime do xá (governo pró-americano deposto pela Revolução Islâmica de 1979) promovia políticas ocidentalizadas, mas, após 1979, mudou radicalmente", afirma o analista político jordaniano Mustafá Hamarne. Sob o governo de Mahmoud Ahmadinejad, presidente que recolocou o Irã em uma trajetória mais afinada com os líderes religiosos conservadores, o país passou a se projetar com mais firmeza como pólo constante de oposição aos interesses dos EUA no Oriente Médio. "A ambição não é nova, a novidade é que a invasão americana beneficiou a posição do país", afirma ele. Sob Saddam Hussein, a minoria sunita (20% da população iraquiana) dominava a maioria xiita. Com a queda do regime, os xiitas assumiram grande parte do poder, o que acabou motivando conflitos com os sunitas. Nesse contexto, uma aliança da classe política xiita iraquiana com os vizinhos iranianos foi considerada um passo natural. Para o analista político Hilal Khashan, da Universidade Americana de Beirute, o fortalecimento do Irã se fez sentir também em seu país, o Líbano, por meio do grupo Hezbollah. "O Hezbollah , apoiado pelo Irã, se tornou a força política mais poderosa do Líbano, formando um Estado dentro do Estado", afirma ele. Israel e os EUA acusaram o Irã de fornecer apoio militar e financeiro ao grupo militante xiita durante o conflito militar entre o Hezbollah e Israel, em meados de 2006 - conflito que acabou ajudando a consolidar o Hezbollah como força política no Líbano. "O Hezbollah quer reproduzir no Líbano o que aconteceu no Iraque, onde os xiitas se tornaram os principais atores políticos do país", diz Khashan. O Líbano vive uma séria crise com a disputa entre o Hezbollah e as demais facções políticas no país, que têm impossibilitado a escolha de um novo presidente desde o final do ano passado. A estrada para Damasco Quando ocorreu a invasão de 2003, muitos analistas cogitaram a hipótese de que, após a rápida queda do regime de Saddam Hussein, o Exército americano iria derrubar também o governo sírio, apontado no ano anterior pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, como um dos países integrantes do que chamou de 'Eixo do Mal'. "Nos primeiros dias da guerra, eles (os americanos) diziam que aconteciam incursões sírias em território iraquiano e que tinham direito de fazer todo o possível para evitar isso", afirma George Jabbour, assessor do ex-presidente sírio Hafez al Assad. "Mas depois se viram imersos em uma situação difícil no Iraque, suas ambições ficaram limitadas e agora pedem ajuda, querem nossa colaboração", diz ele. Por fazer fronteira com o Iraque, a Síria vem recebendo um grande influxo de refugiados que fogem da violência gerada no conflito. "Temos um milhão e meio, dois milhões (de refugiados). Eles compartilham de nossos bens como comida e combustíveis. São um peso para a economia síria, mas os acolhemos e não recebemos ajuda alguma", afirma Jabbour. Turquia Enquanto a violência entre sunitas e xiitas levou à morte de dezenas de milhares de pessoas em grande parte do Iraque, o norte do país, o semi-autônomo Curdistão iraquiano viveu em relativa tranqüilidade. No entanto, desde 2007, cresceram as tensões entre a Turquia e grupos militantes curdos que atuam em território turco e se refugiam em bases no norte do Iraque. Considerada uma das maiores etnias sem Estado do mundo, os curdos habitam uma grande região do Oriente Médio, incluindo partes de Turquia, Iraque, Irã, Síria e Armênia. Os governos da região se opõem ao projeto de um Estado curdo. Em fevereiro de 2008, o Exército turco entrou em solo iraquiano para combater os militantes separatistas. Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Bilkent, na Turquia, Ersel Aydinli, "a crescente autonomia dos curdos (no Iraque) complicou as coisas para a Turquia porque os seguidores do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), dentro e fora de nosso país, conseguiram uma justificativa para o separatismo." Israel e territórios palestinos As tentativas de se por um fim ao conflito entre palestinos e israelenses não avançaram nestes últimos cinco anos. Para o conselheiro do ministério das Relações Exteriores da Autoridade Palestina, Abdel Husni, isso ocorreu porque os Estados Unidos, tradicionais mediares do confronto, estiveram muito ocupados com o Iraque. "A questão palestina ficou em segundo ou terceiro plano porque os esforços americanos se concentraram no caos iraquiano", afirma ele. Já Israel, que por um lado viu com bons olhos a queda do tradicional inimigo Saddam, afirma que, devido à conjuntura regional, o país não está mais seguro. "Os movimentos terroristas não desapareceram com ele (Saddam), agora seguem apoiados pelo Irã", afirma Yigal Palmor, porta-voz do governo israelense. "Este apoio é muito mais significativo porque não se trata apenas de dinheiro e armas, mas é também ideológico." "Isso leva os terroristas do Hamas e do Hezbollah à uma guerra final, sem objetivo racional, que inclui o atentado suicida, algo que não acontecia no regime de Saddam."     Todos os direitos reservados. 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