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Itaipu põe Brasil no centro do debate eleitoral no Paraguai

Revisão do tratado sobre a usina está na agenda dos candidatos à Presidência.

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Por Alessandra Corrêa
Atualização:

Um dos principais temas do debate eleitoral no Paraguai, a discussão em torno da revisão do Tratado de Itaipu, colocou o Brasil no centro da campanha presidencial deste ano. O assunto é uma das principais bandeiras do ex-bispo católico Fernando Lugo, candidato de oposição que lidera quase todas as pesquisas de intenção de voto para o pleito de 20 de abril.   Veja também: Para América do Sul, liderança brasileira ainda é promessa   'De costas' para América do Sul, Guiana vive crise étnica   Para analistas, Chávez ocupa espaços, mas não ameaça Brasil Candidato pela Aliança Patriótica para a Mudança, que reúne de partidos de esquerda ao tradicional Partido Liberal, Lugo trouxe para o centro do debate a antiga reivindicação de aumento no preço que o Paraguai recebe pela energia que vende ao Brasil. De acordo com os termos do tratado, assinado entre Brasil e Paraguai em 1973, a energia gerada pela maior usina do mundo em produção deve ser dividida igualmente entre os dois sócios.  Mas o Paraguai utiliza apenas cerca de 5% dessa energia, quantia que é suficiente para suprir 95% de sua demanda. O excedente é vendido - a preço de custo - ao Brasil, onde 20% da energia elétrica consumida vem de Itaipu. "O Paraguai não pode ser o único país que dá a sua energia a preço de custo", diz Lugo, que recebeu a reportagem da BBC Brasil na sede de sua campanha, em Assunção. "Ninguém dá a sua energia a preço de custo. A Venezuela não dá o seu petróleo a preço de custo, nem o Chile dá o seu cobre, nem a Bolívia dá o seu gás", argumenta Lugo. "Há uma Ata de Foz do Iguaçu, de 1966, na qual já se diz que, ao construir-se essa represa, a energia que se dará ou se venderá será a um preço justo. E nós acreditamos que o preço justo corresponde ao preço de mercado." Imprensa Apesar de ser o mais contundente defensor da revisão dos termos do tratado, Lugo não é o único. O tema está na pauta da ex-ministra da Educação Blanca Ovelar, candidata do governista Partido Colorado, que é apoiada pelo presidente Nicanor Duarte Frutos e pretende se tornar a primeira mulher a governar o Paraguai. Até mesmo o general Lino Oviedo, que esteve vários anos exilado no Brasil e é conhecido por suas boas relações com o país, já admitiu discutir a questão com o governo brasileiro. O assunto é tema constante também na imprensa. Uma das principais vozes na "campanha" pela discussão sobre Itaipu é o jornal ABC Color, que mais de uma vez já chamou o Brasil de "imperialista" em editoriais. "Antes (as pessoas) não se manifestavam tanto, talvez porque fosse um tema complexo, ou talvez porque havia uma política deliberada do governo paraguaio de ocultar o que ocorria em Itaipu. Essa atitude da parte oficial não mudou. Mas a imprensa está muito mais incisiva", diz o editor de Economia do ABC Color, Ramón Casco. Dívida Para o diretor-geral brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, é normal que o assunto esteja no centro do debate.  "Chega na época da campanha, é fato normal. Não pode ser diferente. Porque, veja, no Brasil nós temos Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica, e por aí vai. No Paraguai, a principal fonte de receita é Itaipu", diz. No entanto, Samek afirma que os críticos agem "alguns, por desconhecimento; outros, por má intenção". "O tratado previu que o custo da nossa energia é o custo das necessidades que nós temos para pagar o empreendimento. Então Itaipu não foi feita para gerar lucro até o pagamento do empreendimento", diz o diretor-geral da empresa, lembrando que a última parcela será paga em 2022, com um residual em 2023. "Aquela energia que eles produzem e não consomem lá, e vem para o Brasil, além do custo para pagar juros, além do custo para pagar o principal, além do custo de pagar os royalties, ainda incide a cessão de energia. (...) Eles fazem a confusão. Eles esquecem que a cessão de energia é um imposto a mais praticado depois do custo Itaipu", diz Samek. "Querem cobrar o preço de 2022. É só terminar de pagar." Bolívia O fato de Lugo ser um líder de esquerda e a freqüente menção à Bolívia quando o assunto é Itaipu levam à comparação com Evo Morales, o presidente boliviano que nacionalizou as reservas de gás e obrigou à renegociação dos contratos com as petroleiras estrangeiras que atuavam no país, entre elas a Petrobras. "A comparação vale: se Evo Morales pediu melhores preços por gás natural, por que o Paraguai não teria direito a pedir melhores preços pelo excedente energético de Itaipu?", diz o jornalista Ramón Casco. Diversos analistas, porém, afirmam que essa comparação é forçada. "Muitas vezes se lê a imprensa aqui e se pode pensar que um governo da oposição, neste caso de Lugo, possa levar a um conflito como teve a Petrobras com a Bolívia", diz o analista econômico Fernando Masi. "A história do Paraguai é muito diferente da história da Bolívia. A pobreza é maior na Bolívia, o problema étnico é um problema que não existe no Paraguai. (...) Portanto, nós não temos uma política necessariamente de enfrentamento. E não vai haver uma política de enfrentamento com o Brasil", afirma. "Mas, sim, pode haver uma política muito mais séria para pedir o que nos corresponde. E se a oposição tem um modelo diferente, então a energia de Itaipu se converte em um fator muito importante para esse modelo econômico. (....) E (acredito que) toda a imagem talvez negativa que nós possamos ter do Brasil se possa trabalhar melhor com um governo da oposição do que com um governo do partido oficialista", diz o analista econômico. Expectativa O desfecho das eleições paraguaias é aguardado com expectativa especialmente porque esta é uma das primeiras vezes em que há uma possibildade real de o Partido Colorado, que governa o país há 61 anos, perder o poder. E o Brasil, o maior vizinho e maior parceiro do Paraguai, muitas vezes visto como um parceiro injusto, mais uma vez pode estar no centro das mudanças pretendidas por um eventual governo de oposição. Além de Itaipu, há outros pontos de tensão na relação bilateral, como o comércio na fronteira, o contrabando e a presença dos produtores brasileiros, os chamados "brasiguaios". "Acredito que há setores políticos sérios que, se estiverem no governo, vão ter de iniciar uma negociação séria com o Brasil. E nessa relação séria com o Brasil esses problemas, que têm a ver com a ilegalidade do comércio de reexportação, com Itaipu, vão ter que ser colocados na mesa de negociações. De uma forma racional e de uma forma que favoreça o Paraguai. Não que prejudique o Brasil, mas que favoreça o Paraguai", diz Fernando Masi. No entanto, poucos analistas acreditam que isso possa levar a uma confrontação mais séria, como ocorreu na Bolívia. "Se segue o oficialismo colorado, não acredito que haja muita mudança. Se ganhar o general Oviedo, também não creio que haja muita mudança, ele tem excelentes relações com o Brasil. E quanto a Fernando Lugo, ele é socialista, como Lula, então não acredito que haja uma mudança de atitude", diz o historiador Guido Rodríguez Alcalá. O próprio Lugo descarta uma política de confrontação, caso seja eleito: "Nós não queremos dizer que temos más relações com o Brasil. Acreditamos que as relações são muito boas. Mas que podem melhorar".     Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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