Wilson Fittipaldi criou o primeiro carro Fórmula 1 do Brasil

Jornal da Tarde antecipou o projeto do carro brasileiro de F-1 em 1974 e contou a trajetória do piloto e construtor

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Por Acervo Estadão
Atualização:

A revelação de protótipos de carros sempre foi uma tradição do Jornal da Tarde. Mas em janeiro de 1974 não seria de um modelo que os leitores veriam nas ruas e concessionárias que o jornal falaria. Daquela vez, era uma reportagem sobre um inédito carro brasileiro de Fórmula 1, construído por Wilson Fittipaldi [1943-2024].

A novidade foi contada em detalhes pelo repórter Luis Carlos Secco num texto que também relembraria um pouco da trajetória de Wilsinho, irmão do campeão Émerson Fittipaldi.

Bem ao lado da reportagem sobre Wilson Fittipaldi e sua criação, o Jornal da Tarde publicou um texto e várias fotos do novo carro de Émerson na Fórmula 1, um McLaren M23, e contou sobre os problemas para liberação de combustível para testes. Leia a íntegra:

Reportagem do Jornal da Tarde sobre Wilson Fittipaldi e seu carro de F-1 em janeiro de 1974. Foto: Acervo Estadâo

Jornal da Tarde - janeiro de 1974

WILSINHO CRIA O PRIMEIRO CARRO FÓRMULA 1 DO BRASIL

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O repórter Luis Carlos Secco descobriu os planos do novo automóvel e mostra como quando será construído

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O primeiro carro brasileiro da Fórmula-1 começará a ser testado em julho ou agosto deste ano e, possivelmente, será apresentado no Grande Prêmio dos Estados Unidos, em outubro, no Circuito de Watkins Glen. Esse carro será quase inteiramente construído no Brasil, usando apenas, como a maioria das fábricas, motor Cosworth, caixa de mudanças Hewland, freios Girling, amortecedores Koni e pneus Goodyear. O resto será brasileiro, desde os projetos, até a liga de aço-cromo molibidênio, para a construção de várias peças; o magnésio, para produção das rodas e mangas, e o alumínio do chassi.

Um dos nomes desse carro será Fittipaldi, porque o responsável pela idéia é Wilson Fittipaldi Júnior. O outro nome será de quem patrocinar a idéia, que pode parecer absurda, mas que Wilsinho garante ser perfeitamente viável. Para dedicar-se à construção do primeiro Fórmula-1 brasileiro, Wilsinho Fittipaldi decidiu interromper as corridas. Por isso, até agora não sabe ainda se irá disputar o Grande Prêmio da Argentina e não tem certeza se correrá no Grande Prêmio do Brasil. A única prova que tem sua presença certa é a que marcará a inauguração do Autódromo de Brasilia, no dia 3 de fevereiro, uma corrida extra de Fórmula-1.

E seus anteriores, de defender a Brabham em todo o campeonato da Fórmula 1; de disputar algumas provas da Fórmula-2; de ser um dos concorrentes da série Can-Am e do Torneio Europeu Inter-Série, foram cancelados para que pudesse se dedicar inteiramente ao plano de construção do carro.

OS PLANOS DE WILSINHO

Todos os desenhos da carroceria e do chassi já estão prontos. O projeto entrou na fase dos desenhos da suspensão e, enquanto isso, várias maquetes passarão por testes de aero-dinâmica, no túnel de vento da Embraer, cujos representantes apoiaram a idéia de Wilsinho e se colocaram à disposição para ajudar na construção.

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Ontem, à noite, depois de passar um dia inteiro mantendo contatos com fabricantes de peças e com eventuais patrocinadores, Wilsinho concordou em falar sobre os planos que vinha mantendo em segredo, mas que começaram a surgir após uma série de perguntas feitas pelos jornalistas a Emerson Fittipaldi.

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Além do carro, Wilsinho vai montar uma equipe inteiramente brasileira. Como o projetista do carro, Ricardo Divina; um dos mecânicos principais, Darci de Medeiros, o chefe da equipe e jovens mecânicos, também a serem escolhidos.

De estrangeiro na equipe, somente o japonês Ito que trabalhou durante dois anos na Lotus de Emerson e que chegou recentemente ao Brasil para dar início ao seu trabalho na construção do primeiro carro de Fórmula-1, preparação da equipe, e da direção de um curso de mecânica para jovens, usando os carros de Fórmula-1 do Fittipaldi Motor Show.

Com o automóvel e toda essa equipe, Wilsinho pretende disputar o Campeonato Mundial do próximo ano. Para isso, já encomendou um cavalo-mecânico Mercedes Benz e uma carroceria especial, que será produzida pela Trivellato, servindo de caminhão-oficina.

— O projeto é irreversível, Vamos construir o primeiro Fórmula-1 brasileiro, porque temos a certeza de que no Brasil existem condições para isso. E claro que a idéia é produzir um carro competitivo, entretanto não queremos, com isso, afirmar que ele vai ganhar corridas. Mas se o primeiro projeto não der certo, vamos partir para o segundo e para quantos forem necessários.

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Wilsinho fala com convicção de seu Formula-1, da mesma forma com que, há muitos anos, decidiu montar, em sociedade com Emerson, a primeira fábrica brasileira de volantes esportivos e que, logo em seguida, projetou os karts Mini, os carros da Formula-Vê o prototipo Fittipaldi-Porsche, o Volkswagen bimotor e um prototipo Fittipaldi-Alfa Romeo.

— Além de guiar, sempre gostamos de mexer com os carros, para desenvolver as nossas idéias. E sempre sonhamos em construir um carro brasileiro, para competir nas pistas internacionais.

Prova dessas manias de Wilsinho em desenvolver sempre os seus carros são as modificações introduzidas nos veículos da Fórmula-2 que ele pilotou durante dois anos, como o March e o Brabham, e até na Lotus de Emerson. As modificações de Wilsinho (com o auxílio de Ricardo Divina) foram sempre rapidamente copiadas por outras equipes, por causa dos excelentes resultados obtidos.

UMA VELHA IDÉIA

Ainda quando tinha a fábrica de volantes, Wilsinho conheceu Ricardo Divina, um jovem como muitos que procuravam a fábrica dos Fittipaldi para falar sobre carros ou corridas. Já nos primeiros contatos, nenhum dos que se apresentaram mostrou conhecer tanto a construção de carros quanto ele.

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Em conversa. Wilsinho perguntou a Ricardo se tinha interesse em trabalhar na construção de um carro, o Fittipaldi-Alfa Romeo. Ricardo aceitou imediatamente o convite e em pouco tempo o veículo ficou pronto. Mas logo Emerson viajou para a Europa e, na volta, convenceu Wilsinho a o acompanhar.

Wilsinho abandonou o projeto de protótipo e levou Ricardo para a Europa, explicando que tinha grandes planos e convidando-o a trabalhar corno mecânico para desenvolver, na prática, toda a teoria que conhecia. Na opinião de Wilsinho, esse estágio; para Ricardo, serviria como uma espécie de aperfeiçoamento para os seus conhecimentos.

A idéia deu excelentes resultados, porque logo Ricardo notava falhas de construção nos automóveis europeus e xingava os responsáveis pelos projetos. Ele via pontos falhos e os assimilava, juntando as informações aos planos que começava a desenvolver para o futuro. Modificações foram introduzidas nos carros de Fórmula-2 de Wilsinho e de Emerson, e copiadas por outras equipes internacionais.

A decisão de construir o Fórmula-1 brasileiro consolidou-se mesmo em agosto do ano passado. Por isso, Ricardo regressou ao Brasil, para analisar as possiblidades reais de construção do automóvel e desenvolver um trabalho de pesquisa. Daqui, mantinha constante contato com Wilsinho na Europa, informando-o de todos os detalhes de seu trabalho.

— Começamos todos os projetos do carro. E logo sentimos que iriamos precisar de um elemento muito experiente em mecânica. Por isso convidamos Ito, o japonês que trabalhou durante dois anos na Lotus de Emerson e que tem 8 de experiências somente em monopostos. A Ito também Wilsinho explicou todos os planos, recebendo dele apoio integral. Por isso ele veio ao Brasil.

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A AJUDA DA EMBRAER

Para a construção do automóvel, Wilsinho conseguiu uma grande ajuda da Embraer. Ele comentou que o coronel Osiris Silva colocou à disposição o túnel de vento para testes, análise de materiais e fornecimento de materiais com especificações aeronáuticas, além de uma grande equipe de engenharia e técnicos aeronáuticos.

O plano de Wilsinho é construir o primeiro carro e submetê-lo a testes em Interlagos, Tarumã, Goiânia e Brasília. Para ele são quatro pistas diferentes, em traçado, asfalto, tipo de construção, topografia e até altitude. Depois dos testes em todas essas pistas, Wilsinho pretende testar o automóvel em uma corrida.

Para o Fittipaldi da Fórmula-1, Wilsinho vai comprar seis motores da Cosworth. Dois serão entregues em junho ou julho, para permitir os primeiros testes. Os outros só serão recebidos no fim do ano. Ele explica que não há necessidade de trazer rapidamente todos os motores, justificando que os desenvolvimentos são normais e que, na época em que for precisar dos motores, eles poderão estar superados.

Os carros não serão vendidos. Serão feitos, inicialmente, para a equipe brasileira. No futuro, a ideia é prduzir outros tipos de automóveis, como Os da Formula Super-Vê ou Formula-5.000. Mas o plano prevê somente o projeto, construção do protótipo e testes. E depois de aprovado, o protótipo será entregue a urna fábrica que se encarregará da produção em série de promoção das vendas. Como a McLaren faz com a Trojan.

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O carro em teste, meses depois

Wilsinho Fittipaldi no teste do Fitti 1 da equipe Copersucar Fittipaldi no Autódromo de Interlagos em 18/11/1974. Foto: Oswaldo Luiz Palermo/Estadão

ESTE É O CARRO DE EMERSON. NO BRASIL, ELE ESTA AMEAÇADO DE NÃO CORRER.

O Conselho Nacional de Petróleo não queria permitir os testes com o carro nesse fim-de-semana e ainda vai estudar se pode fornecer gasolina para o Grande Prêmio Brasil.

A notícia que o Conselho Nacional de Petróleo havia negado gasolina especial (denominada 100-130) para os testes deste fim-de-semana em Interlagos e até para a realização do Grande Prêmio Brasil, quase estraga a apresentação internacional do Marlboro Toam Texaco e do novo carro de Émerson Fittipaldi, ontem à tarde no Buffet Baiuca.

Émerson já havia mostrado todas as virtudes de seu novo carro (e as diferenças para o Lotus) quando tomou conhecimento da informação.

Imediatamente, procurou entrar em contato com dirigentes da Confederação Brasileira de Automobilismo, da Rede Globo de Televisão até com o general Araken de Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Petróleo. Depois de um trabalho que lhe custou mais de uma hora, Émerson regressou ao salão onde apenas alguns jornalistas ainda o esperavam. Nem o automóvel Texaco-Marlboro estava mais. Muito contente, deu a seguinte explicação:

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— Felizmente, consegui conversar com o general Araken e ele, de forma muito gentil, explicou que nada tem, pessoalmente, contra os testes e a corrida. Ele entendeu minha necessidade de testar o carro e as explicações que apresentei, justificando possuir uma certa quantidade de gasolina que veio da Europa nos tanques do automóvel e da possibilidade de conseguir alguma coisa mais com algumas equipes brasileiras que tenham sobra.

O general Araken autorizou Émerson a iniciar hoje os testes em Interlagos, informando que haverá uma reunião do Conselho Nacional de Petróleo, ainda hoje, para tratar do assunto. Nessa reunião, o general Araken espera obter autorização para a continuação dos testes de Émerson e para a realização da corrida.

Marlboro Team Texaco vai estrear no Grande Prêmio da Argentina, marcado para o dia 13, em Buenos Aires, com as cores vermelha e branca das marcas de cigarros e gasolina. A Marlboro, representada pela Philip Morris Europa, e a Texaco, confirmavam ontem a assinatura do contrato de patrocínio da equipe de Formula-1 para este ano, com Émerson Fittipaldi e Denny Hulme e três carros McLaren M23.

Émerson tem esperança de reconquistar o titulo perdido para Jackie Stewart no ano passado, explicando quê o McLaren M23 é um carro excelente, apesar de não ter a tradição de se apresentar bem em pistas sinuosas. Por isso, ele vai realizar três dias de testes em Interlagos, com o objetivo de realizar o máximo desenvolvimento do carro e reunir condições para lutar pela vitória em todas as provas.

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira. Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo. Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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