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Opinião|"Bons artistas copiam, grandes artistas roubam"

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Cena de "Piratas do Vale do Silício" (1999), em que Steve Jobs e sua equipe "roubam" a interface gráfica da Xerox - Foto: reprodução

Além de ilegal, muitas pessoas considerariam imoral criar um produto em cima do esforço de outras pessoas, sem lhes pagar nada. Mas a história é cheia de casos assim e estamos passando por uma grande discussão dessas com a inteligência artificial.

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Por exemplo, a grande maioria das pessoas acredita que a Apple inventou o mouse e o conceito de interface gráfica, com o Macintosh. De fato, o lançamento do Mac em 1984, com sua tela com ícones, ilustrações, letras caprichadas e o cursor do mouse, foi um grande salto para os computadores. Mas ela não criou nada daquilo!

Quem inventou tudo foi a Xerox. Apesar disso, a cúpula da empresa, que vivia de fazer cópias em papel, desprezou essas tecnologias incríveis.

Steve Jobs ficou obcecado com aquilo e convenceu a diretoria da Xerox a obrigar seus engenheiros a explicarem tudo à equipe da Apple, que reescreveu a história como se a ideia fosse dela.

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Jobs dizia que "bons artistas copiam, grandes artistas roubam", parafraseando Pablo Picasso (a frase de Picasso era "artistas menores tomam emprestado; grandes artistas roubam"). Isso significa que todos podem começar copiando ideias alheias, mas alguns ficam tão bons, que superam o original, "roubando" para si a paternidade do estilo.

Foi o que a Apple fez com a interface gráfica e o mouse. Ela não roubou nada literalmente: pagou um "dinheirinho" para a Xerox e depois fez bilhões com aquilo!

Essa história é brilhantemente dramatizada nesse trecho do filme "Piratas do Vale do Silício" (1999). Esse filme de baixo orçamento conta histórias incríveis do início da Apple (que tinha hasteada na sua sede uma bandeira pirata) e da Microsoft, e como as duas empresas usaram diversas vezes esse recurso. Vale lembrar que Jobs sempre acusou Bill Gates de ter copiado o sistema do Macintosh para criar o Windows.

De volta ao presente, a Microsoft está sendo processada por infringir direitos autorais para viabilizar um produto revolucionário, ao se unir à OpenAI na criação de suas plataformas de inteligência artificial, como o ChatGPT. No caso, o New York Times acusa as duas de usar, sem autorização ou remuneração, seu conteúdo para treinar as plataformas com o produto de um trabalho editorial de alta qualidade, necessário para a IA ficar eficiente.

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Nos EUA, o conceito de "uso justo" ("fair use") permite que se criem produtos a partir de trabalhos de terceiros, desde que não sejam reproduzidos grandes trechos do original e que não se crie um concorrente. Por isso, o New York Times sofrerá para provar a ilegalidade da prática.

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Mais fácil é apontar uma eventual imoralidade. Fazer bom jornalismo custa muito dinheiro, e a OpenAI reconhece seu valor. Mas não quer pagar o que vale, apesar de estar criando um dos produtos mais valiosos do mundo, que vem sendo disseminado nos diferentes sistemas da Microsoft.

Ao assinar uma publicação, não se pode fazer o que quiser com seu conteúdo. A assinatura só garante a oportunidade de se informar. Se o objetivo for outro, como criar um produto com aquele material, é necessário outro tipo de compensação financeira.

É como se uma empresa comprasse um produto de seu concorrente, que investiu milhões no desenvolvimento de uma tecnologia. A partir daquele exemplar, ela faria uma engenharia reversa e a replicaria em seus produtos, sem pagar um tostão aos inventores.

Resta saber se a Microsoft e a OpenAI são "bons artistas", "grandes artistas" ou se estão infringindo mesmo os direitos autorais do NYT. O resultado desse processo criará precedentes jurídicos que devem definir como a inteligência artificial será desenvolvida de agora em diante, pois o New York Times é só uma de incontáveis fontes não-remuneradas dessas plataformas.

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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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