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STJ decide que guardas municipais não devem abordar e revistar pessoas; entenda

Em julgamento em que foi anulada condenação de réu por tráfico de drogas, relator disse que a corporação estaria se tornando uma ‘polícia municipal’, 'sem qualquer controle externo'

Por Raisa Toledo
Atualização:

Em decisão da semana passada, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou o entendimento de que guardas municipais não podem exercer atribuições das Polícias Civil e Militar. A corporação não está prevista como um órgão de segurança pública e, por isso, a sua atuação deve visar a vigilância e proteção de bens, serviços e instalações do município, como escolas e unidades de saúde.

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A sessão julgava um recurso em que haviam sido declaradas ilícitas provas obtidas por guardas municipais por meio de uma busca pessoal, a revista. Com a sentença, foi anulada a condenação do réu por tráfico de drogas. Um dos argumentos do relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz, é o de que a guarda não está sujeita a controle por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público, ao contrário das polícias.

“Não é preciso ser dotado de grande criatividade para imaginar, em um país com suas conhecidas mazelas estruturais e culturais, o potencial caótico de se autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo”, pontuou o ministro durante a votação. 

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou o entendimento de que guardas municipais não podem exercer atribuições das Polícias Civil e Militar. Foto: Roberto Jayme/ Agência Estado

O relator considera que o papel da guarda municipal está sendo desvirtuado, com a corporação em processo de se tornar uma “polícia municipal”. “Inúmeros municípios pelo País afora, alguns até mesmo de porte bastante diminuto, estão equipando as suas guardas com fuzis, equipamentos de uso bélico, de alto poder letal e de uso exclusivo das Forças Armadas”, argumentou. É o caso, por exemplo, das guardas municipais de São Paulo e Curitiba, que fazem uso de fuzis.

No caso julgado, guardas municipais em patrulhamento teriam avistado o réu em uma calçada e desconfiado de quando, ao ver a viatura, ele colocou uma sacola plástica na cintura. Ao abordá-lo, eles teriam encontrado uma certa quantidade de drogas e realizaram a prisão em flagrante delito. Segundo o entendimento do STJ, no entanto, esse tipo de revista e prisão só pode ser realizado por guardas municipais em casos em que o suposto delito atinja de forma direta o patrimônio do município. 

Embora o Código de Processo Penal estabeleça que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, o Superior Tribunal de Justiça considera que uma situação em que o flagrante só é evidenciado após atividades como a busca pessoal ou domiciliar não se encaixa nessa definição. “Se por um lado não podem realizar tudo o que é autorizado às polícias, por outro lado também não estão plenamente reduzidos à mera condição de ‘qualquer do povo’, uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes”, diz o voto do relator.

Caberia às polícias a atribuição de, a exemplo da situação do recurso analisado, patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos de praticá-lo ou investigar denúncias anônimas de delitos que não atingem de maneira imediata os bens, serviços e instalações municipais. Já aos agentes municipais, segundo o STJ, caberia acionar os órgãos policiais para que realizassem a abordagem e revista do suspeito.

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Segundo o presidente da Conferência Nacional das Guardas Municipais (CONGM), Oséias Francisco da Silva, a decisão do Superior Tribunal de Justiça deprecia de forma injusta a função da corporação. “Os nossos guardas municipais atuam diuturnamente em defesa da população com programas essenciais, como é o caso do Maria da Penha, segurança viária, guardas ambientais e atuação na polícia de trânsito. Então, conforme julgado da Sexta Turma, a guarda deveria parar de fazer todos esses tipos de trabalho”, afirma.

Ele também classifica a consideração sobre as armas usadas pelos agentes municipais uma desinformação: “Todo o armamento que as guardas municipais estão utilizando é autorizado pelas Forças Armadas e pela legislação em vigor no País. São armas que tem uma estética que parece exclusiva, mas o calibre é permitido inclusive para a população, que tem adquirido esse tipo de armamento”.

Discussão antiga

Para Jorge Lordello, especialista em segurança pública e privada, a repercussão sobre a decisão do STJ é maior que o efeito que ela tem na atuação da guarda municipal. “Esse tipo de discussão é antiga, aparece uma decisão aqui, outra ali. Dá-se a impressão que essa decisão vincula todas as guardas municipais, e isso não é verdade. São decisões unitárias; o advogado de defesa procura decisões do STJ favoráveis ao cliente dele, enquanto o Ministério Público vai encontrar outras do mesmo órgão que vão para outra linha”, comenta.

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Sobre a atuação das guardas municipais País afora, Lordello considera que mesmo que atuem como guardas vistoriando instalações do município, a profissionalização do efetivo com viaturas, armamento e uniformes faz com que ele seja visto pela população como uma espécie de polícia municipal. “Agora, em cidades menores, esse efetivo é muitas vezes maior do que o da própria polícia e, mesmo fazendo o papel de guarda, traz uma segurança policial por estar muito presente e atuante”, explica. 

De acordo com o especialista, a situação que envolve o entendimento do STJ teria sido “anabolizada” pelo momento político atual, e pode contribuir para que haja um debate sobre o papel exercido pela corporação: “Como estamos em ano de eleição, tem que se discutir qual vai ser a evolução da guarda municipal daqui para frente. A sociedade quer que ela continue como guarda, ou ela precisa se tornar polícia municipal?”.

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