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Diversidade e Inclusão

Justiça condena Uber e motorista a indenizarem cliente cego por recusa de viagem com cão-guia

Passageiro foi impedido de entrar no carro, registrou ocorrência na delegacia da pessoa com deficiência e processou a empresa. Condutor também enfrenta ação criminal.

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura
Câmera de segurança registrou carro da Uber com as portas fechadas para Darley de Oliveira e a cadela Clark.  


A Uber do Brasil e um motorista ex-parceiro do aplicativo foram condenados pela Justiça a pagarem uma indenização por dano moral (o valor não será divulgado) ao administrador Darley de Oliveira, de 28 anos, que é cego. A ação foi ajuizada em 2020, após a recusa de uma viagem com uma cadela-guia. O caso foi divulgado com exclusividade pelo blog Vencer Limites. Empresa e condutor podem recorrer.

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Na decisão, o juíz Sang Duk Kim, da 7ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cita a Lei Municipal de São Paulo nº 16.518/2016, que dispõe sobre o direito da pessoa com deficiência visual ingressar com cão-guia em táxi ou outros tipos de veículos de transporte individual remunerado de passageiros, e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015), que assegura o mesmo direito em todo o País.

"Não há dúvidas de que não se trata de mero aborrecimento. O autor precisava se locomover a um compromisso e foi impedido simplesmente por estar acompanhado de seu cão-guia. É notório o sentimento de exclusão causado ao autor. A conduta trouxe transtorno ao requerente e deve ser reparada", destacou o juíz.

O condutor também enfrenta uma ação por crime contra a pessoa com deficiência. Segundo informações do TJSP, o processo aguarda manifestação do Ministério Público.

Orientar de fato - "Meu sentimento é de que a justiça foi feita. Mais do que uma mera multa, que essa punição sirva para que a Uber oriente de fato seus motoristas, porque o transporte da pessoa com deficiência visual e seu cão-guia, do usuário de uma cadeira de rodas, é uma obrigação, não é um favor e nem uma bondade. Quem se recusa a fazer isso está descumprindo a lei e pode ser punido", afirma Darley em entrevista ao blog Vencer Limites sobre a decisão.

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"É fundamental ter uma orientação constante, com lembretes frequentes, principalmente sobre a diferença entre um animal de estimação convencional e um cão-guia. Isso precisa ficar muito claro", defende o administrador.

O caso - Morador da região da Mooca, na zona leste da capital paulista, Darley pediu o carro em 2 de outubro, por volta de 7h10, para ir à uma sessão de fisioterapia. Imagens registradas por uma câmera de segurança mostram um veículo branco se aproximando do rapaz, que tenta abrir a porta traseira do veículo com a mão esquerda enquanto segura a coleira da cadela Clark com a mão direita (a golden retriever que atua como guia e tem entrada em qualquer local garantida pelo artigo 117 da Lei Brasileira de Inclusão). O automóvel fica parado na rua, próximo à calçada, por alguns segundos, e depois vai embora.

"Sempre informo ao motorista que sou cego e peço para buzinar quando chegar, para eu me aproximar e entrar no carro", diz o jovem. "Eu costumo sentar atrás do condutor e solicito que movimente o banco ao lado dele para abrir espaço que permita à Clark sentar ou deitar no assoalho do carro. Ela nunca vai no banco", explica.

"Por causa da pandemia, não era permitido viajar ao lado do motorista. Foi tudo bem rápido. O carro chegou, ouvi a buzina e me aproximei da porta de trás. Tentei abrir e não consegui. Fui até a janela e argumentei, mas não adiantou. O motorista se recusou e acelerou", relata Darley.

O passageiro registrou boletim de ocorrência na 1ª Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, que instaurou inquérito.

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Lição valiosa - "Independentemente do valor da indenização, que sempre será ínfimo diante do constrangimento e sentimento de injustiça que uma pessoa com deficiência visual passa ao ser proibida de entrar em qualquer lugar com seu cão-guia, é imensamente satisfatório vencer uma ação como esta", diz a advogada Diana Serpe, especialista em direitos das pessoas com deficiência, representante de Darley de Oliveira.

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"É muito comum motoristas de carros de aplicativos se negarem a transportar o cão-guia, e, obviamente, essa conduta deve ser rechaçada. Infelizmente, ainda há pessoas sem qualquer tipo de empatia e senso de cidadania", ressalta a advogada.

"Decisões como essa, além de cunho inibitório, deixam uma lição valiosa para o motorista, que irá repensar antes de agir. Qualquer discriminação contra a pessoa com deficiência é crime e deve ser rechaçada", esclarece a especialista.

"É muito importante que a pessoa com deficiência, ao sofrer qualquer tipo de discriminação, faça um boletim de ocorrência. Embora seja uma sensação incrível vencer esta ação, espero que, com o tempo, possamos viver em uma sociedade melhor, em que não haja necessidade de acionar a Justiça por ser proibido de entrar em carro de aplicativo ou em qualquer outro lugar com cão-guia", completa Diana Serpe.

Resposta - Questionada pelo blog Vencer Limites sobre a decisão da Justiça, a Uber respondeu em nota.

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"A Uber não tolera qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo e reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app. Temos como política que os motoristas parceiros cumpram a legislação que rege o transporte de pessoas com deficiência e acomodem cães-guia.

A Uber fornece diversos materiais educativos a motoristas parceiros sobre como tratar cada usuário com cordialidade e respeito. A empresa possui um guia que tem como objetivo apoiar os motoristas parceiros com informações sobre como ter interações positivas e respeitosas com usuários que têm alguma deficiência.

Nos casos em que usuários sentirem que o tratamento dado pelo parceiro não foi respeitoso, ou que desrespeitou os termos da lei, ressaltamos sempre a importância de reportarem esses incidentes à Uber, para que possamos tomar as medidas necessárias. Conforme explicitado no Código da Comunidade Uber, casos comprovados de motoristas que adotem conduta discriminatória podem levar à perda de acesso à plataforma, como aconteceu no caso relatado", diz a nota.

A empresa indicou consulta à página uber.com/info/acessibilidade-uber e complementou, também em nota.

"Motoristas parceiros devem cumprir todas as leis federais, estaduais e municipais que regem o transporte de passageiros com deficiência. A violação, por um motorista parceiro, de leis que regulam o transporte de passageiros com deficiência, inclusive quanto ao uso de animais de serviço, constitui um descumprimento dos Termos de Uso da Plataforma acordado entre as partes.

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Assim, animais de serviço devem ser acomodados de acordo com as leis de acessibilidade em vigor. Além disso, os motoristas parceiros devem acomodar passageiros usando andadores, bengalas, cadeiras de rodas dobráveis e outros dispositivos de assistência, tanto quanto seja possível.

Qualquer denúncia de discriminação resultará na desativação temporária da conta, enquanto a Uber analisa o incidente. Denúncias confirmadas de discriminação relativas à violação de lei relacionada ao transporte de passageiros com deficiência poderá resultar na perda permanente do direito de acesso à plataforma Uber", concluiu a empresa.



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