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Resenhas de espetáculos, livros e novidades do palco

Grupo Gal avista a celebração do humor e das identidades no indizível 'XSINDZIVXS'

O silêncio nem sempre foi opção. Nos anos 1970 e 1980, quando os bailes de voguing, o ballroom, fervilhavam em Nova York, responder com música e coreografias também fazia parte da existência.

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Por Leandro Nunes
Atualização:

Nessa época, os queer floresceram em um ambiente adverso, protagonizado por por latino-americanos, negros e marginais. O brilho dos vestidos concorreu com as feridas deixadas pela infestação da Aids, até que a luta política e social explodisse. Uma população passou a ser vista de todos os lados, nos protestos pelas ruas e nas coreografias levadas para o mainstream, no lançamento de Vogue, de Madonna.

Não dizer, portanto, se configurou como estratégia temporal, sendo revisitada ao longo da história. A segurança que reuniu pessoas à margem nos ballroom de Nova York foi desestabilizada quando essa nova população diminuía de maneira vertiginosa, com a sanha da Aids.

FOTO: Jamil Kubruk Foto: Estadão

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No Brasil, muitos jovens já deixaram de viver porque não encontraram coragem para expressar suas identidades. Outros, vítimas de violência e do preconceito, também tiveram essa chance abreviada. Quando se fala em luta política, a mobilização nem sempre é sincronizada, o silêncio vira ruído para se transformar em grito.

Quando o grupo Gal, de São José do Rio Preto, apresentou seu XSINDZIVXS (lê-se disindisives) na mostra de teatro Qualificação em Artes, da Poiesis, o nome complicado de se pronunciar antecipa um universo que se fez tantas vezes no silêncio.

Com uma encenação que mistura a cultura da drag de entretenimento com uma linguagem mais ao drama, a montagem parece querer perseguir essa instabilidade dentro de seu próprio formato. Isso se verifica no próprio perfil das personagens e no elenco de Cassio Henrique, Christina Martins, Daniel Bongiovani, Diego Neves, Thales Maniezzo.

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Ao construir narrativas mais individuais, a personagem de Dundum oferece aponta longa perspectiva, que desperta curiosidade em sua trama. A figura de Thales e do elenco se articula entre jogo bem humorado de suas próprias imagens e situações que podem redefinir o olhar sobre temas da violência e marginalidade.

É preciso entender que a política jocosa se estabelece como ordem, que a imagem se constrói em diálogo com o discurso, e o corpo se fundamenta como a base dessa comunicação, que nega, afirma, brinca e diz.

Com tantas personalidades no palco, XSINDZIVXS encara o desafio de enxergar o potencial das narrativas e ir atrás delas. As figuras já estão cristalizadas e como personas, agora é necessário reescrever na cena a história que também as constitui. Sua estrutura fragmentada, que beira o show drag, deve ter sua dimensão ampliada quando se assinalar o formato.

Para tanto, ao espetáculo carece prosseguir na pesquisa das trajetórias que apontou, bem como dos elementos que atraiu. Na proposta, que, aliás, se difere dos demais espetáculos da mostra, por não apresentar uma dramaturgia tradicional, ganha-se por investigar o que há de fresco na originalidade e também na conjunção do todo, na libertação, à distância como fizeram os Dzi Croquettes, por exemplo.

Tal como o nome do trabalho, as fronteiras que funcionam como distinção podem ser exploradas não apenas em suas negações e afirmações. A violência, por exemplo, não deixa de ser uma dissimulação, em uma sociedade. Sob as vestes drag, a diversão também pode funcionar dissimulação da identidade, da luta política, e da própria arte.

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