A indicação de Fernanda Torres ao Oscar de Melhor Atriz por Ainda Estou Aqui já é, por si só, uma tremenda vitória. Ela é apenas a segunda mulher brasileira a conseguir tal feito – sua mãe, Fernanda Montenegro, foi a primeira, por Central do Brasil (1998).
Na cerimônia que será realizada em 2 de março, ela vai concorrer contra Demi Moore (A Substância), Cynthia Erivo (Wicked), Karla Sofía Gascón (Emilia Pérez) e Mikey Madison (Anora). Os indicados ao prêmio máximo do cinema foram divulgados nesta quinta-feira, 23.
Para vingar a lamentável derrota da matriarca para Gwyneth Paltrow (Shakespeare Apaixonado), Torres terá que vencer duas brigas: contra a favorita Demi Moore e o retrospecto desfavorável para quem não fala a língua inglesa. Será uma missão difícil, mas não impossível. Fernanda venceu o Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz em Drama, e Moore, como Melhor Atriz em Comédia ou Musical.

O desconhecimento de Torres fora do Brasil sem dúvidas a prejudica na disputa. É verdade que o problema vem sendo combatido pela campanha da brasileira com entrevistas em talk-shows e veículos locais, mas não sabemos se será o suficiente.
Se fizermos um recorte dos últimos 30 anos, desde 1995, é certo dizer que a maioria das atrizes premiadas já eram nomes bem conhecidos globalmente, como Julia Roberts, Helen Mirren, Kate Winslet, Frances McDormand, Sandra Bullock, Meryl Streep, Cate Blanchett, Nicole Kidman, Reese Witherspoon e Renée Zellweger. É também o caso das três vencedoras mais recentes da honraria: Jessica Chastain, Michelle Yeoh e Emma Stone.
Estratégias de campanha
Só por ser o nome mais conhecido das indicadas, Demi Moore larga na frente como a favorita ao prêmio em 2025. Famosa por sucessos como Ghost - Do Outro Lado da Vida (1990), Questão de Honra (1992) ou Proposta Indecente (1993), ela terá muitos votos de amigos que trabalharam ao seu lado nas últimas décadas e anseiam por vê-la ‘oscarizada’ pela primeira vez. Moore sempre foi vista mais como símbolo de beleza do que como artista, fato que a afetou muito. É essa narrativa que dita sua estratégia de campanha e balizou seu discurso no Globo de Ouro, ao contrário da brasileira, que fez um discurso de surpresa em sua vitória.
O que pode prejudicar Moore é justamente o aspecto aterrorizante e sanguinolento de A Substância, que deve afastar apoio da ala conservadora da Academia, historicamente avessa a filmes desse tipo de gênero. Além disso, vale lembrar que nem sempre a estratégia do ‘Oscar pela carreira’ funciona. Há alguns anos, a veterana e querida Glenn Close (A Esposa) era dada como vencedora, mas perdeu para Olivia Colman (A Favorita).

Já o histórico na categoria é ingrato. Em quase 100 anos de existência do Oscar, apenas duas atrizes – Sophia Loren e Marion Cotillard – venceram o prêmio por filmes de língua não inglesa. Cotillard por Piaf – Um Hino ao Amor (2007), no papel da estrela francesa Edith Piaf num drama biográfico tipicamente valorizado pela Academia; e Loren, a musa máxima do cinema italiano, por Duas Mulheres (1960). Logo, a eventual vitória de Fernanda seria um feito inédito para as latinas.
Isso tudo, no entanto, não quer dizer que a protagonista de Ainda Estou Aqui não tenha chances de trazer o Oscar ao Brasil. Pelo contrário, é seguro dizer que depois de Moore, ela seja a mais cotada ao prêmio. Isso porque o filme de Walter Salles, cineasta respeitado em Hollywood, tem sido elogiado e assistido mundo afora. Além disso, a bonita relação de Torres e Montenegro caiu bem aos olhos dos americanos e deve ser ainda mais explorada até o dia da cerimônia.
Karla Sofía Gascón, estrela de Emilia Pérez e a primeira atriz trans a ser nomeada ao Oscar, corre por fora na briga. A espanhola de 52 anos tem talvez a atuação mais complicada da lista. Apesar dela certamente atrair votos da ala mais progressista, as recorrentes críticas ao longa-metragem devem afastá-la de uma parcela considerável dos eleitores.
Mikey Madison, de Anora, pode ser descartada logo de cara. Não porque sua representação de uma garota de programa no filme de Sean Baker seja inferior, mas sim por dois motivos: esse é apenas seu primeiro grande papel na carreira após ter tido uma ponta de destaque em Era Uma Vez... Em Hollywood (2019). Com apenas 25 anos, é muito improvável que ela seja premiada. Há um sentimento velado na Academia de não dar o Oscar a atores/atrizes muitos jovens, pois isso pode jogar uma enorme pressão no resto de suas carreiras. Aconteceu recentemente, por exemplo, com Jennifer Lawrence (O Lado Bom da Vida), aos 22 anos, Hilary Swank (Menina de Ouro), aos 25, e Brie Larson (O Quarto de Jack), aos 26.
Cynthia Erivo, de Wicked, por sua vez, é a segunda mais jovem das indicadas, aos 38 anos. Não há nada que indique que ela tenha chances de ganhar. Não houve euforia em torno de sua interpretação, mas sim pelas canções do musical. Erivo, porém, já disputou a mesma categoria por Harriet (2020), o que prova que ela tem apoio na indústria e pode roubar votos determinantes, ainda que não seja o suficiente pra lhe render a estatueta dourada.
As próximas semanas serão decisivas para o encaminhamento da disputa. Apesar de não ter sido indicada aos prêmios SAG, Bafta e Critics Choice – termômetros para o Oscar – Fernanda e sua equipe de campanha terão que torcer por derrotas de Demi Moore.
Em caso de vitória da americana nas três premiações, no entanto, ficará muito mais difícil para a brasileira, que merece todas as glórias por ter superado outras candidatas fortíssimas – Angelina Jolie (Maria Callas), Nicole Kidman (Babygirl) e Tilda Swinton (O Quarto Ao Lado) – na corrida por uma dessas cinco vagas. Um feito enorme que deve ser comemorado e lembrado por muito tempo, não importa se o desfecho for mais doce ou amargo.