TORONTO - Faltam poucos meses para a 97ª edição do Oscar, mas a corrida já começou. Esta temporada contrasta com os tapetes vermelhos vazios do ano passado – por causa das greves de roteiristas e atores de Hollywood. E é agora que os estúdios lançam seus maiores concorrentes a prêmios, ao mesmo tempo em que se esforçam para lembrar os eleitores de destaques que estrearam no começo do ano.
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Os candidatos mais recentes foram exibidos nas últimas semanas nos festivais internacionais de cinema em Veneza e Toronto (TIFF). Sem o rolo compressor do Barbenheimer sugando todo o oxigênio, parece que a corrida deste ano está tão aberta que ninguém sabe qual filme de grande orçamento ou qual dos queridinhos dos indies poderão entrar na disputa por até dez vagas de melhor filme.
Na Europa, os primeiros favoritos, como o drama de eutanásia O Quarto ao Lado, de Pedro Almodóvar, que coloca Tilda Swinton ao lado de Julianne Moore, e Maria, de Pablo Larraín, filme biográfico estrelado por Angelina Jolie como a cantora de ópera Maria Callas, foram aplaudidos de pé por muito tempo. O filme de Almodóvar, que ganhou o Leão de Ouro, teve uma recepção tão calorosa que o diretor correu pela sala da estreia beijando e abraçando os espectadores. No Canadá, os filmes que estrearam em maio no Festival de Cannes – entre eles o vencedor da Palma de Ouro Anora, de Sean Baker, e Emilia Pérez, de Jacques Audiard, que ganhou o terceiro lugar no Prêmio do Júri e um prêmio especial para seu quarteto de atrizes – conquistaram muitos fãs.
Mas foi o filme A Vida de Chuck, do diretor americano Mike Flanagan, que conseguiu uma vitória surpreendente no cobiçado prêmio People’s Choice Award do TIFF. Adaptação de uma novela de Stephen King, trata-se de uma parábola apocalíptica sobre o sentido da vida, contada em ordem cronológica inversa, estrelada por Tom Hiddleston e com uma ótima sequência de dança, um sótão misterioso e uma narração de Nick Offerman que evoca uma das adaptações cinematográficas mais queridas de King, Conta Comigo. Doze dos últimos 14 vencedores do People’s Choice foram indicados ao prêmio de melhor filme – entre eles o vencedor do ano passado, Ficção Americana – e quatro deles (O Discurso do Rei, Doze Anos de Escravidão, Green Book e Nomadland) acabaram ganhando o Oscar.
Como em qualquer batalha de verdade, os azarões continuam por aí. September 5, que dramatiza a cobertura da ABC do ataque terrorista às Olimpíadas de Munique em 1972, chegou ao topo das listas dos críticos em Veneza e Telluride e acaba de ser vendido à Paramount para lançamento em 27 de novembro nos Estados Unidos. O Garoto de Níquel, adaptação do romance vencedor do Pulitzer de Colson Whitehead, também fez sua estreia em Telluride (com críticas mistas). E os prognosticadores do Oscar ainda estão aguardando o drama histórico Blitz, de Steve McQueen, que estreia em outubro no Festival de Cinema de Nova York, bem como as grandes apostas de estúdio, como Wicked, Nosferatu e Gladiador 2, que chegarão aos cinemas nos últimos meses do ano.
Confira como estão as coisas em algumas das principais disputas pelo Oscar.
Melhor filme
Em alta
Em Toronto, dava para perceber quanto um estúdio estava otimista em relação à promoção de um filme pelo tamanho de sua festa de estreia. O filme Anora, de Sean Baker, sobre uma jovem profissional do sexo do Brooklyn que foge com o filho de um oligarca russo, teve tequila Don Julio 1942 à vontade e uma estação odontológica para que os convidados colocassem brilhantes nos dentes – cortesia da distribuidora Neon. Empolgante desmantelamento do sonho americano, o filme continua sendo um dos favoritos meses depois que o júri de Cannes, liderado por Greta Gerwig, tomou a decisão “corajosa” de lhe dar o prêmio principal.
Enquanto isso, a Netflix investiu recursos promocionais significativos em luxuosos barcos de sushi Nobu para celebrar o musical em espanhol Emilia Pérez, de Jacques Audiard, que acompanha uma líder de cartel mexicana que se submete a uma cirurgia de afirmação de gênero. A aventura corajosa, no estilo telenovela – estrelada por Zoe Saldaña, Selena Gomez e Karla Sofía Gascón – foi exibida no TIFF pelo menos nove vezes, em grande parte para públicos extasiados e com ingressos esgotados. Ele ficou em segundo lugar no People’s Choice do TIFF, enquanto Anora ficou em terceiro (com muito menos exibições).
O grande destaque de Toronto e Telluride foi, sem dúvida, Conclave, filme emocionante – e às vezes engraçado – sobre o processo de eleição de um novo papa, do diretor austro-alemão Edward Berger, cujo Nada de Novo no Front ganhou quatro Oscars em 2023. O longa se desenrola como um filme de gênero tipo Dan Brown, com uma reviravolta esperta. Depois da estreia no TIFF, uma pessoa que saía do cinema exclamou: “Esse vai ganhar uma tonelada de Oscars!”
O arrebatador September 5 foi um sucesso discreto em Veneza, mas se transformou em concorrente monstruoso ao Oscar em Telluride. Do diretor suíço Tim Fehlbaum, estrelado por Peter Sarsgaard e John Magaro, é o Spotlight deste ano e nos leva para dentro da sala de controle, enquanto os narradores esportivos da ABC News de repente se viram cobrindo um ataque terrorista em vez de natação. Mas a recriação histórica de um evento em que extremistas palestinos atacaram atletas israelenses talvez seja a campanha mais complicada do ano.
Depois da vitória em Veneza, Toronto também solidificou o potencial para o Oscar de O Quarto ao Lado, filme triunfante de Almodóvar sobre duas amigas que se reconectam depois que uma delas recebe um diagnóstico assustador. Moore e Swinton são as protagonistas do primeiro filme em inglês do diretor espanhol de 74 anos.
E os cinéfilos foram à loucura com The Brutalist, de Brady Corbet, épico arrebatador de três horas e meia sobre um arquiteto modernista judeu-húngaro (Adrien Brody) que sobrevive ao Holocausto. A A24 o arrebatou em Veneza, onde o público da estreia chegou a fazer contagem regressiva para o fim do intervalo (é claro que tem intervalo!), pois estavam muito animados para ver a segunda parte.
Correndo por fora
O filme Saturday Night, de Jason Reitman, que acompanha – em tempo real – 90 minutos de caos antes da estreia da série Saturday Night Live, em 1975, teve uma recepção empolgante em Toronto e pode conquistar a vaga de melhor filme, geralmente reservada para o filme que mais agrada ao público no ano. Mas o longa pode ficar entediante para quem não é muito fã do SNL. Alguns críticos acharam que o filme, liderado por uma representação fictícia do jovem Lorne Michaels (Gabriel LaBelle), se baseou demais na nostalgia e na cinematografia para trazer uma visão inovadora.
O filme Babygirl, de Halina Reijn, recebeu ótimas críticas em Veneza e Toronto, com destaque para a atuação de Nicole Kidman como uma executiva de tecnologia que começa um caso sexual com um estagiário (Harris Dickinson). Como a Academia se diversificou nos últimos anos, ela também parece ter ficado menos pudica (veja: Pobres Criaturas). Mas o destino do filme talvez dependa mais das táticas de campanha da distribuidora A24, que vem divulgando o longa como um thriller erótico, embora esteja mais para um drama atrevido.
Tanto qualitativa quanto quantitativamente (devido aos contratempos causados pela greve), deve haver espaço no topo da lista para alguns filmes de sucesso global, como All We Imagine As Light, vencedor do Grande Prêmio de Cannes que conta a história suavemente profunda da amizade formada por três mulheres trabalhadoras em Mumbai. O filme com as mais fortes perspectivas de deslanchar parece ser The Seed of the Sacred Fig, emocionante exploração de Mohammad Rasoulof sobre a vida de uma família iraniana em meio a protestos políticos por todo o país. Rasoulof fugiu do Irã para exibir o filme em Cannes – uma narrativa que pode levá-lo da categoria de longa-metragem internacional para a de melhor filme. O mesmo vale para Hard Truths, a mais recente meditação sobre a condição humana do diretor Mike Leigh (Simplesmente Feliz, Another Year), com uma estrondosa atuação de Marianne Jean-Baptiste.
Cambaleando
A maior decepção de Veneza talvez tenha sido Coringa: Delírio a Dois, a continuação da história de origem do vilão indicada ao Oscar em 2019, de Todd Phillips. O musical, ambientado em um manicômio, acompanha o personagem-título de Joaquin Phoenix enquanto ele canta os números de música e dança que rodopiam na sua cabeça. Nem mesmo Lady Gaga no papel de Harley Quinn conseguiu salvar o filme, que os críticos classificaram como “uma chatice” e “ruim com vontade”.
Em Toronto, Canina não conseguiu atender às altas expectativas depositadas na adaptação de Marielle Heller do romance de Rachel Yoder sobre uma dona de casa que imagina que está se transformando em cachorro. Amy Adams traz uma atuação tipicamente apaixonada, mas alguns críticos queriam uma exploração mais profunda das pressões sociais sobre as mães – o Hollywood Reporter declarou que a adaptação acabou “se desviando”.
O festival canadense também atropelou as esperanças de Megalopolis, fábula futurista de Francis Ford Coppola, autofinanciada com US$ 120 milhões, sobre a batalha entre a arte e a ganância. O filme liderado por Adam Driver se inclinou para a bizarrice, com direito a flechas douradas mortais, uma parábola MAGA e um apresentador de notícias chamado Wow Platinum. Uma crítica resumiu o filme: “Que diabos eu acabei de assistir?
Melhor ator
Ralph Fiennes gerou um burburinho considerável por sua atuação comedida em Conclave como o cardeal Lawrence, encarregado de liderar a seleção do novo papa. Enquanto isso, o retrato profundo de Daniel Craig sobre um expatriado americano que vive na Cidade do México no pós-Segunda Guerra Mundial está gerando a maior parte dos elogios a Queer, filme de Luca Guadagnino baseado no romance de William S. Burroughs.
As chances de vitória de Colman Domingo por Sing Sing, emocionante filme sobre um programa de teatro numa prisão, no qual Domingo atua entre um elenco de atores que já foram encarcerados, podem estar em risco agora que a A24 escolheu The Brutalist, pelo qual Brody está recebendo suas melhores críticas desde que ganhou o Oscar (O Pianista) 22 anos atrás. Ele é o novo queridinho do estúdio, que já teve dificuldades para conciliar mais de uma campanha ao mesmo tempo. Sebastian Stan também entrou na corrida com seu retrato de um jovem Donald Trump em O Aprendiz, que estreou em Cannes e se livrou de uma longa batalha judicial bem a tempo de ser exibido em Telluride (e de ter exibições privadas fora do festival oficial em Toronto).
Dada a má recepção de Coringa: Delírio a Dois, as chances de Phoenix repetir o Oscar parecem mais sombrias que um beco de Gotham City.
Melhor atriz
Ninguém saiu dos festivais com um caminho mais claro para o Oscar do que Jolie, que aprendeu a cantar ópera e a falar italiano para sua imponente – embora também triste e solitária – interpretação da cantora de ópera Maria Callas na última semana de vida. Maria é o último filme da pungente trilogia de Larráin sobre a vida privada de mulheres megafamosas (veja também: Jackie e Spencer), e Jolie provavelmente seguirá as antecessoras Natalie Portman e Kristen Stewart na indicação ao Oscar.
Kidman foi outra que saiu em disparada de Veneza, onde ganhou o prêmio de melhor atriz por sua atuação vulnerável, engraçada e muitas vezes nua em Babygirl. Demi Moore também se desnudou para seu desconcertante filme de terror corporal A Substância (vencedor do prêmio Midnight Madness do TIFF), no qual interpreta uma atriz que foi expulsa da profissão e faz de tudo para voltar a ser jovem. Mikey Madison, inesquecível força da natureza no papel da personagem-título de Anora, parece ser uma aposta certa.
Esta é a disputa mais acirrada entre as categorias de atuação, e a verdadeira tensão será ver qual atriz ficará injustamente de fora da lista. Será Gascón, de Emilia Pérez, que faria história como a primeira atriz abertamente trans indicada? Ou será Saoirse Ronan, que está competindo contra si mesma com grandes papéis em Blitz e The Outrun? As chances de Amy Adams de mais uma indicação foram prejudicadas com as críticas mistas de Canina, mas uma campanha feroz sempre pode mudar as coisas.
O enorme ramo de atuação da Academia costuma trazer surpresas na forma de atuações bem conceituadas em filmes globais. Duas que impressionaram foram a da britânica deprimida, insatisfeita e às vezes comicamente murmurada Jean-Baptiste em Hard Truths e a de Fernanda Torres como a matriarca que encontra um caminho depois que seu marido desaparece nas mãos da ditadura militar brasileira na adaptação intimista de Walter Salles do livro de memórias de Marcelo Rubens Paiva, Ainda estou aqui.
Melhor ator coadjuvante
Por muito tempo, parecia que o estrondoso talento de Guy Pearce ficaria para sempre relegado a interpretar detetives ou vilões em filmes B australianos. No papel do milionário viscoso e verborrágico que encomenda um gigantesco centro de artes em The Brutalist, ele parece estar pronto para um retorno triunfal.
Assim como em Cannes, o público em Telluride ficou maravilhado com a forma como Jeremy Strong conseguiu fazê-los sentir pena do notório maquiavélico Roy Cohn em O Aprendiz. E em Toronto os críticos especularam se algum dos homens fantásticos que atuaram em torno do papel principal de Madison em Anora conseguiria uma indicação. Yura Borisov, como um bandido russo com profundezas ocultas, e o novato Mark Eidelshtein, que traz uma atuação física e destemida como o noivo imaturo da personagem-título, podem entrar furtivamente.
Kieran Culkin também deve estar na corrida por interpretar um niilista que quer descobrir suas raízes judaicas no sucesso de Sundance A Real Pain, junto com Clarence Maclin, o ator ex-presidiário no coração de Sing Sing, e George MacKay interpretando o filho protegido de Tilda Swinton e Michael Shannon no musical apocalíptico maluco de Joshua Oppenheimer, The End.
Melhor atriz coadjuvante
Emilia Pérez foi elogiado por suas atrizes fortes em todos os aspectos, então a Netflix terá de ser esperta com a campanha de premiação. Enquanto Selena Gomez foi um grande motivo para os fãs se aglomerarem para assistir ao filme em Toronto, Zoe Saldaña surpreendeu os críticos com canto e dança que lembraram aos espectadores como ela pode ser poderosa, mesmo quando não está pintada de azul ou verde. Mas, como alguns apontaram, ela tem mais tempo de tela do que Gascón, o que pode alimentar argumentos de que deveria estar na categoria de atriz principal.
O Quarto ao Lado também ostenta atuações magistrais de Moore e Swinton, a última das quais é particularmente adequada para o melodrama bem cuidado de Almodóvar e poderia superar sua co-estrela (se ambas concorrerem a uma vaga de atriz coadjuvante). Swinton entrega o diálogo de Almodóvar com facilidade, uma realização que alguns críticos destacaram em suas análises.
Ou será que este será o ano de Danielle Deadwyler? Ela tem muitos fãs que acham que ela foi roubada quando sequer recebeu uma indicação por Till: A Busca por Justiça, de 2022. E agora ela é o destaque de The Piano Lesson, adaptação da peça de August Wilson, numa atuação reveladora como uma mulher cuja casa é assombrada pelos fantasmas de afro-americanos injustiçados. É sempre bom contar com o peso da Netflix, que trouxe o filme para Toronto após sua estreia em Telluride.
Você também pode deixar espaço para uma novata desconhecida: uma das melhores coisas da excelente adaptação de Embeth Davidtz para o livro de memórias de Alexandra Fuller, Don’t Let’s Go to the Dogs Tonight (2001), é Lexi Venter como uma criança de 8 anos enfrentando o colapso do governo colonial branco na Rodésia. A atuação feroz de Venter evoca o Oscar de Tatum O’Neal em Lua de Papel, de 1973, o que pode colocá-la na disputa se pessoas suficientes assistirem.
Melhor documentário
O maior curinga nesta categoria é Will & Harper, em que Will Ferrell faz uma viagem de carro pelos Estados Unidos com sua amiga Harper Steele, ex-roteirista do SNL que recentemente fez a transição para ser mulher. Engraçado e comovente, o filme recebeu enormes e chorosas ovações de pé no TIFF e começou a ser transmitido na Netflix em 27 de setembro. O ramo dos documentários – notoriamente difícil de decifrar – muitas vezes prefere filmes sobre questões e não sobre celebridades – mas o que vai acontecer com esta joia, que conta como as duas coisas?
Outro sucesso do TIFF difícil de categorizar foi Piece by Piece, colaboração entre Pharrell Williams e o diretor Morgan Neville que conta a história de vida do músico superstar por meio de animação Lego. O documentário caloroso e hipnotizante apresenta muitas participações especiais (Jay-Z, Missy Elliott) e recebeu uma ovação de pé no TIFF que foi rapidamente esvaziada quando um ativista da PETA subiu ao palco para protestar contra o uso de peles por Williams como designer de moda da Louis Vuitton. O filme talvez tenha mais chance na categoria de longa-metragem de animação.
Entre os muitos documentários políticos, os destaques do festival trazem The Last Republican, sobre os últimos 14 meses do deputado Adam Kinzinger no cargo após desafiar o presidente Trump; Separated, de Errol Morris, sobre a política de fronteira de Trump; e o poderoso No Other Land, feito por um coletivo de ativistas palestinos-israelenses. Em Telluride, Zurawski v Texas, sobre os efeitos devastadores das leis antiaborto no estado, foi um sucesso. E também temos Russians at War, filme antiguerra que acompanha tropas russas na linha de frente na Ucrânia, exibido em Veneza, mas retirado do TIFF antes da estreia na América do Norte por causa de ameaças ao local e à equipe do festival.
Melhor longa de animação
Robô Selvagem, de Chris Sanders, recebeu críticas elogiosas em Toronto. Embora provavelmente vá concorrer com Divertida Mente 2, que dominou as bilheterias no início deste ano, Robô Selvagem explora a adoração pelo livro infantil no qual se baseia. Situado num reino futurista, o filme da DreamWorks acompanha uma robô que naufraga numa ilha tropical e vira mãe adotiva de um filhote de ganso órfão – com o apoio de uma forte performance vocal de Lupita Nyong’o.
Janice Page contribuiu para esta reportagem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU