2024 - Guerra Civil é novo filme de Alex Garland, que chega aos cinemas brasileiros em 18 de abril de 2024

CRÉDITO: Divulgação/Diamond Films. Foto: Divulgação/Diamond Films
Foto: Divulgação/Diamond Films

Por que fazer um filme sobre Guerra Civil hoje? O diretor do longa, Alex Garland, responde

Mesmo antes do lançamento do novo longa, que tem Wagner Moura no elenco, o cineasta e roteirista enfrentou controvérsias sobre a visão dele de um Estados Unidos dividido, com Texas e Califórnia como aliados

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Por Christopher Kuo (The New York Times)

THE NEW YORK TIMES — Um dos momentos mais perturbadores no novo drama de Alex Garland, Guerra Civil, vem na forma de uma pergunta. Um soldado, com o dedo no gatilho do rifle de assalto, confronta um grupo de jornalistas aterrorizados: “Que tipo de americano você é?”, ele pergunta.

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Essa questão e o impulso subliminar dela de dividir e demonizar estão no coração do motivo pelo qual Garland fez um filme muito aguardado e já muito debatido sobre a implosão dos Estados Unidos. Guerra Civil, que estreia nesta quinta-feira, 18, adverte contra os perigos do extremismo sectário, disse Garland em uma recente entrevista — os horrores que podem acontecer quando cidadãos americanos, ou qualquer outro grupo de pessoas, se voltam contra si mesmos.

“Eu acho que a guerra civil é apenas uma extensão de uma situação”, disse Garland, o diretor britânico de 53 anos por trás de Ex_Machina: Instinto Artificial e Men: Faces do Medo. “Essa situação é a polarização e a falta de forças limitadoras sobre a polarização.”

'Eu quis colocar a imprensa como os heróis', disse Alex Garland sobre o novo filme 'Guerra Civil' Foto: Thea Traff/NYT

No filme, as divisões dos Estados Unidos irromperam em caos. Frotas de helicópteros patrulham os céus e explosões abalam grandes cidades enquanto as Forças Ocidentais secessionistas, incluindo aquelas do Texas e da Califórnia, avançam sobre o presidente, um autoritário de três mandatos que dissolveu o FBI e lançou ataques aéreos contra outros americanos.

Se a polarização é um dos venenos causando esse conflito, Garland vê o trabalho de uma imprensa livre e independente como um dos antídotos. O filme dele imagina o Quarto Poder como um freio ao extremismo e ao autoritarismo.

“Algo terrível, parece-me, tem acontecido com a imprensa”, disse Garland, cujo pai era um cartunista político e que cresceu conversando com jornalistas à mesa de jantar. “Eu quis colocar a imprensa como os heróis”, acrescentou.

Os heróis, neste caso, incluem a experiente fotógrafa de guerra Lee Smith (Kirsten Dunst); uma aspirante a fotojornalista, Jessie Cullen (Cailee Spaeny); assim como jornalistas interpretados por Wagner Moura e Stephen McKinley Henderson. À medida que viajam para a capital Washington, para entrevistar o presidente, o filme mostra a os Estados Unidos devastados pela guerra através das lentes das câmeras deles.

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Wagner Moura é Joel, um dos jornalista de 'Guerra Civil' Foto: Divulgação/Diamond Films

Inicialmente, Jessie se retrai frente às atrocidades que vê, mas sob a tutela de Lee, ela se transforma no tipo de jornalista que Garland admira: alguém que pode registrar a morte e a destruição sem interferir ou julgar. Mas a transformação é corajosa ou desumanizadora? Quantas monstruosidades pode alguém observar passivamente sem se tornar também um monstro?

Cerebral e filosófico, hiper-sintonizado a nuances, Garland parece apreciar essas complexidades. Uma entrevista com ele, em uma sala no escritório da A24 em Nova York, às vezes parecia um curso intensivo de ciência política, cobrindo medos dele sobre a ascensão do fascismo até explicações para o declínio da democracia liberal — e as razões para ter Texas e Califórnia unidos no filme. Aqui estão trechos editados da conversa.

Me conduza ao momento em que você estava escrevendo este filme em 2020. O que inspirou este filme?

Se você pensar em 2020, o discurso era quase idêntico ao de hoje. O estranho é que tão pouco mudou. Onde há mudança, parte dessa mudança é para pior. No geral, eu diria que este filme é sobre freios e contrapesos: polarização, divisão, a maneira como a política populista leva ao extremismo, onde o próprio extremismo vai acabar e onde a imprensa está nisso tudo. Uma das coisas que realmente me preocupava há quatro anos era ser perfeitamente óbvio que havia jornalistas realmente bons fazendo um bom trabalho. Mas o que me interessava, e isso tem acontecido há algum tempo, é o quão pouco eles eram levados a sério. Se é um filme sobre freios e contrapesos, um dos maiores freios e contrapesos sobre o governo é a imprensa. Mas a imprensa precisa ser confiável para que isso funcione. Eles foram minados e demonizados em parte por forças externas e internas.

Você está dizendo que a imprensa é destinada a ser um freio à polarização?

Não é que seja destinada a ser, ela é. Essa é a função dela. Quando digo que forças externas e internas estão minando o jornalismo, uma força externa pode ser o contexto das redes sociais, todas essas outras vozes e o poder que essas vozes têm. Você também pode ter uma força externa na forma de um político influente minando a mídia. Mas uma força interna poderia ser se grandes e importantes organizações de notícias deliberadamente se inclinassem para um lado tendencioso. E você começa a jogar para a plateia, porque é isso que a plateia quer ouvir. Em seguida, todos as plateias ao redor param de confiar.

Então, este filme pode ser visto como uma defesa da objetividade no jornalismo?

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O filme está apresentando repórteres à moda antiga, em oposição a jornalistas extremamente tendenciosos que estão essencialmente produzindo propaganda. Eles são repórteres à moda antiga, e o filme tenta funcionar como esses repórteres. Um dos jornalistas é muito jovem, mas eles estão usando uma câmera de 35 mm, que é o meio do fotojornalismo de uma época em que a função social da mídia era mais plenamente compreendida e apoiada.

Eu disse a alguém que trabalha na indústria cinematográfica: “Eu quero fazer um filme sobre jornalistas onde os jornalistas sejam os heróis”. Me disseram: “Não faça isso, todo mundo odeia jornalistas”. Isso representa um problema realmente profundo. Dizer que você odeia jornalistas é como dizer que você odeia médicos. Você precisa de médicos. Não é realmente uma questão de você gostar ou não gostar de jornalistas, você precisa deles, porque eles são o freio e contrapeso do governo.

Inicialmente, Jessie (Cailee Spaeny, à frente) se retrai frente às atrocidades que vê, mas se transforma no tipo de jornalista que o diretor de 'Guerra Civil' admira Foto: '

O filme também retrata alguns dos efeitos adversos da reportagem de guerra sobre os próprios jornalistas.

Uma das transações estranhas que existiam para jornalistas, mas particularmente para fotógrafos de guerra e correspondentes de guerra, é que como indivíduos eles têm que pagar um preço. Porque há um preço a ser pago por fazer aquilo. Qual é a função de um fotógrafo nas notícias? É obter uma imagem que sintetize um momento. Eu diria que o jornalista no filme conseguiu fazer o trabalho lindamente, a um custo pessoal.

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Por que você colocou o Texas e a Califórnia juntos em uma aliança?

Duas razões. Uma é apenas para evitar uma leitura rápida e preguiçosa. Só varrer isso da mesa, você não pode ter. Mas há um motivo maior. Estou provocando a pergunta, por que eles estão juntos? É porque eu sou britânico e sou tão estúpido que não percebo que estão em espaços políticos diferentes? Eu percebo as diferenças. Mas o que seria tão importante como uma ameaça que a política polarizada entre o Texas e a Califórnia de repente fosse vista como menos importante do que a ameaça?

Assim que o trailer foi lançado, as pessoas disseram que não há termos sob os quais esses dois estados poderiam se unir. O que por si só é uma representação muito clara da insanidade da política polarizada. Há muitas coisas em que o Texas e a Califórnia concordam. Eu poderia traçar linhas entre todos esses pontos, mas não faço isso. O filme está tentando agir como repórteres à moda antiga, para não ser tendencioso. Se você cobrindo um assassinato, está recusando fazer julgamento sobre o assassinato? Não, você está apenas cobrindo.

Por que você deixou de fora deliberadamente tantos detalhes sobre a guerra civil no filme, sobre a política dos dois lados, e por que isso não é explicitamente um conflito entre liberais e conservadores?

Porque seria uma questão que só se relaciona a este país, mas não é. Você pode vê-la agora se desenrolando em Israel. Você pode vê-la acontecendo na Ásia, na América do Sul, Europa; você pode vê-la no meu próprio país. Agora, se alguém está falando sobre polarização, extremismo, Quarto Poder, todas essas coisas, seria sábio fazer uma conversa Republicana-Democrata que imediatamente bloqueia a outra metade? Isso seria até verdadeiro? Não pode ser inteiramente verdade, porque caso contrário, não se aplicaria a todos esses outros países. Agora, eu entendo por que as pessoas querem que seja assim, exatamente pelo motivo de algumas dessas organizações de notícias terem sido tão bem-sucedidas, que é se você pregar para a plateia, a plateia aplaude.

Ouvi relatos de que você está planejando fazer uma pausa na direção. São verdadeiros?

Eu não estou me aposentando. Estou trabalhando como roteirista, e roteiristas ainda estão envolvidos na produção de filmes. São papéis diferentes e a direção vem com certas responsabilidades e obrigações. Eu estava apenas interessado em uma forma particular de colaboração que vem como resultado de trabalhar com outro diretor em vez de ser o diretor propriamente dito.

Este artigo apareceu originalmente no The New York Times.

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