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Filme de Angelopoulos sai em DVD

A Eternidade e Um Dia, do cineasta grego, une a evocação de mitos da Antiguidade com as guerras recentes na Europa

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Por Agencia Estado
Atualização:

Há um mistério no cinema de Theo Angelopoulos. Seus lentos planos-seqüência, estabelecendo um verdadeiro balé da câmera que tem como centro os atores, esculpe o tempo de um maneira talvez mais densa do que nos filmes de Andrei Tarkovski. E o grego Angelopoulos é fascinado pelos mitos. Paisagem na Neblina é sua Orestíade, O Olhar de Cada Dia dá nova dimensão à saga homérica. O Ulisses de Angelopoulos atravessa cidades dilaceradas pela guerra, numa representação metafórica da complicada situação nos Bálcãs. Essa mesma guerra reaparece em A Eternidade e Um Dia, que já está nas locadoras e lojas especializadas, em DVD, embora esse não seja o tema do filme com o qual o grande diretor ganhou a Palma de Ouro em Cannes. Grande diretor - essa não é uma definição pacífica, quando ou se aplicada a Angelopoulos. A crítica francesa - Cahiers du Cinéma - o chama de cineasta pompier e só deu espaço para A Eternidade e Um Dia porque, na visão de seus críticos, o filme expõe a putrefação do tipo de cinema acadêmico que ele representa. Positif lhe tem mais apreço, mas Angelopoulos não chega a entrar no panteão dos maiores da revista que disputa com Cahiers o posto de bíblia dos cinéfilos. A verdade é que os estudados movimentos de câmera de Angelopoulos, tão sedutores, exasperam muita gente, que não tem paciência para desfrutar a beleza visual e conceitual de seu cinema. Talvez seja o caso de repensar o autor - pois é um autor - a partir de A Eternidade e Um Dia. Se a obra de Angelopoulos é toda ela uma reflexão sobre a história e o mito, há um esquema teórico que sustenta a visão do artista, mas sem esvaziar os filmes de seu humanismo, o que poderia transformá-los em teoremas cerebrais. Não há esse risco em A Eternidade e Um Dia. A relação do velho com o menino oferece densidade e poesia. Passa-se em boa parte à beira do mar, esse mar que, como a neblina, é mítico no cinema de Angelopoulos. Bruno Ganz faz o protagonista, Alexandre. É o Orfeu do diretor, um escritor. Logo no começo, ele leva seu cão à casa da filha, para que ela o guarde, durante alguns dias. Recebe a notícia de que a casa na qual sempre viveu está sendo vendida. Alexandre terá de deixá-la. A mudança causa perturbação no herói. Ao revirar antigos pertences, ele encontra uma carta, escrita 30 anos antes por sua mulher. Essa carta se refere a um dia muito especial de verão. Desencadeia em Alexandre o processo que o leva a viajar entre o passado e o presente. E há esse menino albanês, com o qual ele se envolve. O menino, órfão de guerra, é o vínculo de Alexandre com o real. O Orfeu de A Eternidade e Um Dia não viaja ao inferno para resgatar sua Eurídice. Ela morreu e agora o inferno que assombra o Orfeu velho e cansado é o das guerras que dividem a Europa. Face à proximidade da morte, Alexandre projeta-se no menino. Como outros autores clássicos, Angelopoulos busca estabelecer a relação do homem com o sagrado num mundo laicizado e materialista. Vivendo somente por meio das palavras que escreveu nos livros, Alexandre deixou escapar momentos que gostaria de ter de volta, pela eternidade ou por um dia. Daí sua relação com o tempo, que está no centro desse filme exigente e belo. Angelopoulos filma, como diria Jorge Luis Borges, para adoçar o tempo. A cena da praia, no desfecho, é grandiosa. A presença de Bruno Ganz enriquece o filme pela humanidade que o ator confere a seu personagem. Sua barba embranquecida, o olhar, tudo passa a experiência de um homem vivido e que ainda não conseguiu aplacar seus demônios internos. Esse processo, da pacificação interior, é um dos (sub)temas que atraem o autor. Só resta acrescentar que o DVD, que integra a coleção Mestres do Cinema Mundial, da Versátil, traz, como extras, galeria de fotos, biografias, filmografias e premiação. Serviço - A Eternidade e Um Dia. Grécia, 1998. De Theo Angelopoulos. Distribuição da Versátil. Em DVD, nas locadoras, R$ 40

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