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Coluna semanal da jornalista Maria Fernanda Rodrigues com dicas de leitura

Opinião|A infância nos tempos de Drummond

‘Criança Dagora é Fogo’, livro de crônicas de Carlos Drummond de Andrade que retrata crianças sendo crianças nos 1960, 1970 e 1980, ganha nova edição

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Nesses dias em que só se fala sobre ChatGPT, um convite ao retorno, nem que seja pelo tempo da leitura de um livro, a um tempo mais calmo.

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Ao tempo em que era o poeta, alçado ao título de “assessor de emergência”, e não uma inteligência artificial, que ajudava a criança vizinha a escrever a redação da escola. Esse é o pano de fundo de A boca, no papel, crônica de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) que encerra Criança Dagora é Fogo.

Lançado originalmente em 1996 com textos publicados por Drummond em outras obras, o livro ganhou recentemente uma nova edição, acrescida de mais crônicas – são 10 no total.

É uma coletânea pensada para jovens leitores, como uma porta de entrada para a prosa de um dos maiores poetas brasileiros. Mas não tem idade certa para ler Drummond – nem ele pensou nesses textos, que retratam a infância nos anos 1960, 1970 e 1980, como juvenis.

Há brincadeiras, traquinagens, crianças sendo crianças – sempre curiosas, fortes e decididas. E há reflexões. Nesta redação sobre a boca, por exemplo, ao brincar com palavras e expressões, ele escreve: “Boca por boca, não ando atrás da boca-livre, que aliás nunca passou perto de mim, e só um grupo consegue, os privilegiados. Se a boca fosse livre para todos, então a vida seria melhor.”

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Em Tareco, Badeco e os garotos, dois irmãos se distraem conversando ao telefone com estranhos (mãe acha que tudo bem, desde que omitam o sobrenome; o pai reclama da conta; a babá conclui com a frase-título do livro: “O senhor não repare, criança dagora é fogo!”. Trote, lista telefônica e impulso, aliás, devem ser novidades para a nova geração.

Em um dos textos, Drummond conta sobre dois irmãos que tinham o costume de telefonar para estranhos Foto: Kacper Lawiński/Pixabay

O texto que abre o livro, No Restaurante, fala sobre uma menina que está decidida a comer lasanha. Mas o pai acha que pode escolher melhor por ela. O restaurante assiste à cena e aplaude, e Drummond festeja o “poder ultrajovem”. Caso de escolha é bonito. Sobre dois irmãos que vivem em colégio interno e saem, cada um a seu tempo, com o padrinho e se veem na loja podendo escolher qualquer brinquedo.

Gosto também de A menininha e o gerente. O pai, precisando ir a um “lugar desagradável”, pede ao funcionário da papelaria, um estranho, cuidar de sua filha por uma horinha.

Para os saudosistas, A outra senhora é um passeio pelas novidades do passado: secador de cabelo com capacete plástico, TV de cinescópio com antena embutida... Tudo isso aparece na redação que uma filha escreve no Dia das Mães, contando o que ela pensou em comprar, se pudesse. Um livro leve, mas não superficial, para desanuviar, como diria minha avó.

Criança Dagora é Fogo

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Autor: Carlos Drummond de Andrade

Editora: Record (86 págs.; R$ 44,90; R$ 24,90 o e-book)

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