Opinião|Pearl Jam expõe rugas, dores e pelancas na busca da própria relevância com álbum ‘Dark Matter’

Banda liderada por Eddie Vedder apresenta o 12° álbum com guitarras perigosamente distorcidas e oscilações entre músicas enérgicas e baladas melancólicas

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Foto do author Pedro Antunes

De frente para o espelho, as rugas são escancaradas pela falta natural de colágeno, enquanto a cabeleira, antes vasta e esvoaçante, já rareia nas têmporas e as dores, cicatrizes e pelancas do corpo ensinaram a controlar os impulsos animalescos sob o palco. É o Pearl Jam ali, com os mais de 30 anos de existência e integrantes próximos dos 60, desnudando-se de máscaras com Dark Matter, o 12° álbum da banda, que será lançado nesta sexta-feira, 19.

Pearl Jam lança o álbum 'Dark Matter' Foto: Danny Clinch

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Trata-se, definitivamente, de um dos melhores trabalhos de Eddie Vedder e banda em anos - em uma década, certamente, considerando-se o fato do grupo ter lançado apenas o mediano Gigatron de 2014 para cá - pela autoconsciência hábil e aterradoramente honesta.

Com Dark Matter, Pearl Jam não tenta ser quem não é e, principalmente, evita reviver a própria fórmula, como se necessitasse desesperadamente encontrar uma fonte da juventude para ignorar o caminhar dos anos.

Este sentimento se escancara logo quando as guitarras Stone Gossard e Mike McCready cravejam suas garras nos ouvidos nos primeiros segundos de Scared of Fear, a música escolhida para abrir o álbum, e Eddie Vedder salta furiosamente para frente dos holofotes, esgoelando as cordas vocais em um crescendo que culmina em um refrão desolador: “Costumávamos rir, Costumávamos cantar, Costumávamos dançar”. A velocidade dos instrumentos atropela Vedder, pela ânsia da banda em manter o ritmo alucinante. “Nós costumávamos a acreditar”, ele diz, por fim. Note o pretérito imperfeito escolhido precisamente pelo vocalista.

O tal passado ficou, eles seguiram. Nós também.

Depois de um período de ausência, com a banda em estado de quase inanição desde o lançamento de Gigatron na beira da pandemia, em 2020, o Pearl Jam retorna e se dá diante encontra um novo mundo, super plugado, hiper conectado, ultraprocessado e disperso.

Banda dos tempos dos discos de ouro, do sucesso estrondoso na finada MTV, com a trilogia de álbuns Ten (1991), Vs. (1993) e Vitalogy (1994), hoje se vê a proliferação dos singles, da música rápida, do consumo imediado, dos ciclos de álbuns de artistas pop que consistem mais em uma mudança na paleta de cores do Instagram do que transformação musical verdadeira.

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Qual é a relevância do Pearl Jam para o mercado da música hoje? Dark Matter, de certa maneira, responde à questão com a capacidade de ser vulnerável, intimista e até pop, em alguns momentos, principalmente nas ótimas baladas Wreckage e Upper Hand.

Principalmente, apresenta-se como um trabalho como uma das últimas bandas de rock capazes de lotar estádios mundo afora corajosa o bastante para expor as próprias limitações, inquietudes e incertezas. Mesmo em momentos vigorosos, como a pedrada React, Respond, quando o baixo de Jeff Ament define o tom com um riff musculoso mixado mais alto do que você poderia imaginar, este olhar para dentro traz uma pessoalidade para a letra combativa de Vedder.

Com isso, subvertem a ideia do rock estar fora de moda ou coisa assim.

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Tema recorrente no álbum, a dicotomia entre luzes e sombra, claridade e escuridão, tomam os versos do grupo (em React, Respond, Dark Matter e Upper Hand), e também são absorvidos pelas harmonias que provocam choques com a colisão entre guitarras, o baixo gritante e a bateria compulsiva de Matt Cameron - uma excelente adição ao grupo a partir de 1998, depois dos selvagens anos de estreia - com momentos de calmaria e ruído.

Se Gigatron era diretamente influenciado pela ascensão de Donald Trump ao poder, Dark Matter é também objetivo em sua voz política, quando na mesma faixa-título Vedder nos provoca com palavras de ordem como “denunciem os semideuses”, “renunciem aos semideuses”, ou em Running, quando ele trata diretamente com um “ditador” (Trump, talvez?), e proclama o verso abaixo:

“Perdido no túnel, e o túnel não é divertido / Agora, estou perdido em toda a m**** que você jogou pela descarga”.

Eddie Vedder, em "Running"

O cunho político faz parte da essência do Pearl Jam, mas desta vez é a experiência dos anos vividos até aqui que apresentam um olhar mais experiente para os dilemas do mundo. Por isso, talvez, há também mais espaço para a doçura e a melancolia.

E a joia do trabalho, neste aspecto, é Won’t Tell, uma música que pode se juntar à lista com as agridoces baladas de Vedder, tal qual foi Sirens, lançada no álbum Lightning Bolt (2013). Uma balada sobre solidão e espera. “Eu abriria a porta, eu te deixaria entrar / Eu abriria se você viesse / Mas se não é você batendo / Ela permanecerá fechada”.

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São 34 anos desde a estreia do Pearl Jam e, de alguma forma, a fúria persiste, dentro de si, mesmo se a sensação é de ter sido deixado para trás por um mundo cibernético, das relações robóticas, das inteligências artificiais e perenidade fugaz da sedenta indústria do entretenimento.

Com Dark Matter, Vedder e companhia batem no peito, puxam as pelancas e peles caídas, como se dissessem: “Eu ainda estou aqui”. Vivos. Furiosos. Ainda bem.

Opinião por Pedro Antunes

Subeditor de Cultura e E+. Crítico de música, cinema e TV.

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