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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|A enciclopédia é o mais bem-acabado subproduto do iluminismo

‘Barsa’ foi lançada às vésperas do golpe de 1964, que em nada afetou seu sucesso: a tiragem inicial (45 mil coleções) logo se esgotou

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Atualização:

Antes das trevas, veio a luz. Às vésperas do golpe de 64, foi lançada no Brasil a Enciclopédia Barsa, a primeira do gênero totalmente produzida aqui.

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Não sei se o Clube Militar festejou, mesmo intramuros e sem alarido, a quartelada de 60 anos atrás; mas hoje, apesar do atraso, faço questão de brindar a chegada ao Bananão, naquele março fatídico, do mais bem-acabado subproduto do Iluminismo: a enciclopédia, o Livro dos livros, o pai, não dos burros, pois a estes já atendem os dicionários, mas o tutor dos ignorantes e curiosos.

A ideia foi de uma empresária americana, naturalizada brasileira e casada com um diplomata do Itamaraty. Dorita Barrett era filha do editor executivo da Encyclopaedia Britannica no Brasil. Para coordenar o ambicioso projeto, Barrett convidou o lexicógrafo Antonio Houaiss, que, na década seguinte, cuidaria de outra empreitada bancada por ela, a enciclopédia Mirador.

Houaiss montou uma equipe de 257 colaboradores, com o máximo de estrelas da intelectualidade nativa dispostas e disponíveis na época. Sérgio Buarque de Holanda incumbiu-se do verbete sobre São Paulo (não o santo, claro), Jorge Amado escreveu sobre o cacau, Gilberto Freyre sobre o Recife, etc., consoante o modelo britânico original, lançado em 1768 e depois mantido por seus novos donos norte-americanos (Sears Roebuck, 1920, Universidade de Chicago, 1943).

Foto de coleção de enciclopédias Barsa em brechó no antigo centro de compostagem de lixo da Vila Leopoldina em foto de agosto de 2008. Foto: Sergio Castro/Estadão

Comprar os 32 volumes da Britannica foi um de meus sonhos de consumo tornado realidade. Consultava-os sem parar. Para tanto, precisava tirar a bunda da cadeira e ir até a estante, mas que prazer o mergulho naquela suma gnosiológica me proporcionava! Com a internet e o Google, a bunda sossegou – mas, e o prazer que se perdeu?

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Voltemos, contudo, à nossa sessentona Barsa. O historiador e crítico de cinema Alex Viany, a quem coube a curadoria dos textos sobre cinema, me convidou para dividir com ele alguns verbetes. Caiu-me nas mãos a história do cinema alemão, que eu tinha fresca na cabeça por obra de duas recentes mostras retrospectivas nas cinematecas do MoMa e do MAM. Fiquei mais prosa do que besta com a proposta, e não me saí mal. Custei a passar pelo crivo de Otto Maria Carpeaux, um dos consultores de Houaiss; Antonio Callado era o outro. Carpeaux cismou com a minha avaliação do imenso talento, consensualmente aceito, de Leni Riefenstahl, a cineasta oficial da Alemanha nazista.

O sábio Carpeaux foi um dos intelectuais mais inflexíveis com quem convivi, em redações e na vida. Sempre nos demos maravilhosamente bem, mas sua birra com a Alemanha pós-Weimar e o que em parte lá se produziu em matéria de cultura me surpreendeu algumas vezes. Não chegamos a discutir muito por causa de Riefenstahl, mas só graças ao bom senso de Callado e Houaiss ela não foi banida da história do cinema alemão por mim resumida na enciclopédia.

O Golpe em nada afetou o sucesso da Barsa. Sua tiragem inicial (45 mil coleções) logo se esgotou.

Opinião por Sérgio Augusto

É jornalista, escritor e autor de 'Esse Mundo é um Pandeiro', entre outros

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