Uma preocupação que surgiu no debate sobre a reforma tributária diz respeito a seus efeitos sobre as empresas, num momento em que vários setores da economia vêm sendo afetados pela crise do coronavírus. Como a reforma tende a provocar uma redistribuição da carga de tributos, alguns setores prejudicados pela crise atual temem ter sua recuperação dificultada por um aumento da tributação.
Trata-se de uma preocupação pertinente, especialmente no caso de uma mudança que afetasse a distribuição setorial da carga tributária num período curto, na saída da crise. Este não é o caso, no entanto, da proposta de reforma tributária consolidada na PEC 45/2019, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê a substituição de cinco tributos atuais – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – por um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Caso a PEC 45 seja aprovada neste ano ou no início de 2021, o IBS só começará a ser cobrado em 2023, em razão da necessidade de aprovação da legislação complementar e montagem da estrutura de administração do novo imposto (que será gerido conjuntamente pela União, pelos Estados e pelos municípios), inclusive dos sistemas informatizados necessários para a sua operação. Adicionalmente, nos dois primeiros anos de operação o IBS será cobrado à alíquota de apenas 1%, sendo seu custo dedutível do valor devido de Cofins, não afetando, portanto, nenhum setor da economia. Ou seja, até 2024 a aprovação da PEC 45 não resultará em aumento da tributação de nenhuma empresa, e mesmo após esse período haverá uma transição em mais oito anos.
Isso não significa, no entanto, que a aprovação da PEC 45 não tenha impactos no curto prazo. Há, sim, um efeito positivo sobre as expectativas dos agentes econômicos, que tende a se refletir numa queda dos juros de longo prazo, a qual pode ser muito importante para reativar a demanda na saída da crise. Esse efeito é consequência da perspectiva de melhoria da solvência do setor público decorrente do impacto da reforma tributária sobre o potencial de crescimento da economia no longo prazo.
Segundo estudo do economista Bráulio Borges, mantendo o teto dos gastos federais até 2036 (com uma pequena flexibilização em 2027), no cenário sem reforma a dívida pública chegaria a cerca de 100% do PIB no final do período. Já no cenário que considera a aprovação da PEC 45, supondo a mesma regra para os gastos, o maior crescimento da economia levaria a dívida pública a menos de 30% do PIB em 2036. Tais cálculos demonstram que o aumento do potencial de crescimento resultante da reforma tributária pode ser determinante para a solvência do setor público, o que tende a ser antecipado pelos agentes econômicos, contribuindo para a saída da crise.
O aumento do potencial de crescimento também é essencial para entender o impacto da reforma tributária sobre os diversos setores da economia. Mesmo setores cuja tributação tende a crescer em termos relativos serão beneficiados pelo maior crescimento da renda. No caso dos serviços prestados a pessoas físicas, por exemplo, um cálculo simplificado sugere que, para cada 1% de aumento de renda das famílias, a demanda por esses serviços cresce cerca de 1,5%. Isso significa que, se a reforma tributária elevar a renda das famílias em 20 pontos porcentuais em 15 anos – como indica o estudo citado acima –, a demanda por serviços pode crescer cerca de 30 pontos porcentuais acima do que cresceria sem a reforma.
Em suma, no curto prazo nenhum setor da economia será prejudicado pela aprovação da PEC 45. Ao contrário, o efeito positivo da reforma sobre as expectativas e os juros de longo prazo tende a beneficiar todos os setores na saída da crise.
No longo prazo há, é verdade, mudanças na distribuição da carga tributária entre setores. Mas mesmo os setores cuja participação no total da tributação tende a crescer serão beneficiados pelo maior crescimento resultante da reforma tributária.
*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.