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Repórter especial de economia em Brasília

Fome por mais emendas parlamentares está retardando a solução para o Auxílio Brasil

Enquanto o mundo político alardeia empatia com o quadro dramático vivido pela população de baixa renda, as negociações de bastidores tentam driblar as regras fiscais

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Foto do author Adriana Fernandes

A fome de deputados e senadores por emendas parlamentares contrasta com a fome real dos brasileiros. Cerca de 20 milhões de pessoas passam fome no Brasil, mas Brasília vive o Dia da Marmota repetindo o que aconteceu nessa mesma época no ano passado.

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Durante o processo de retomada da economia depois do abalo da pandemia da covid-19, governo e aliados no Congresso decidiram lançar, no segundo semestre de 2020, as bases de um novo programa social com a marca Bolsonaro, o famigerado Renda Brasil.

Em coro, os governistas cantaram a necessidade de desenhar um novo programa robusto para enfrentar o aumento da miséria que chegou junto com a pandemia.

Nada aconteceu a não ser uma briga por emendas parlamentares. O ano de 2020 terminou junto com o auxílio emergencial. A pandemia se agravou, e o benefício foi prorrogado em escala menor a partir de abril desse ano, com cortes mensais dos beneficiários sem transparência do Ministério da Cidadania, como denuncia a Rede Brasileira de Renda Básica.

Fome de deputados e senadores por emendas parlamentares contrasta com a fome real dos brasileiros. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Desde o início da nova rodada, em abril, o governo não divulga as informações que poderiam revelar o contingente de pessoas que vem sendo retirado do programa. Dados essenciais, segundo a diretora da Rede, Paola Carvalho, para preparar a transição do auxílio emergencial para o novo programa social.

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Chegamos agora ao último trimestre de 2021 no mesmo imbróglio e numa queda de braço da equipe econômica com a ala política pelo espaço no Orçamento. O programa Renda Brasil virou Auxílio Brasil numa medida provisória enviada no dia 9 de agosto, e que não define valores para o novo programa pulverizado em vários tipos de benefícios. Políticos não lideraram uma discussão ampla para melhorar o novo programa. Concentraram-se em outras pautas do retrocesso.

Já se vão dois meses desde o envio da proposta sem ter nada definido e com a repetição dos discursos políticos de que a prioridade é o programa social do governo.

A verdade, porém, é outra. É a fome por mais emendas parlamentares que está retardando a solução. A ganância de hoje é ainda maior na véspera do ano eleitoral.

Já não basta mais o espaço de quase R$ 50 bilhões aberto para novos gastos em 2022 que será obtido com a aprovação da PEC dos precatórios, proposta que adia o pagamento das despesas com sentenças judiciais

Com o impacto da inflação mais alta nas despesas obrigatórias consumindo quase metade dos R$ 50 bilhões e com a eleição pela frente, a solução política encontrada é dar um drible na regra fiscal para prorrogar o auxílio emergencial com um tipo de crédito orçamentário que só pode ser usado em caso de imprevisibilidade.

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Como esse crédito não está sujeito ao teto de gastos, sobrará mais espaço para emendas e todo tipo de obra eleitoreira que pulveriza o ínfimo espaço para investimentos públicos realmente relevantes e estruturantes.

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O Ministério da Economia não aceita esse caminho. A queda de braço se intensifica, ao mesmo tempo em que se aproxima o fim do auxílio, no dia 31 de outubro. 

Enquanto o mundo político alardeia empatia e fala de urgência diante do quadro dramático vivido pela população de baixa renda, as negociações de bastidores vêm para confundir mais com o festival de propostas para driblar as regras fiscais.

Estão todos tentando ganhar tempo para chegar o dia do fim do auxílio emergencial e emplacar a prorrogação, a saída mais fácil e que mostra o tamanho da incompetência das autoridades e lideranças políticas que tiveram mais de ano para decidir. É a aposta mais uma vez no improviso, no mal feito.

A mobilização nos próximos dias por uma solução urgente e eficiente precisa ser ainda maior do que a organizada depois do veto do presidente Bolsonaro ao programa de distribuição de absorventes para mulheres pobres.

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“Quem se permite negociar a fome de milhões de pessoas já expõe, de longe, um caráter absolutamente indigesto”, resume a socióloga e conhecedora do Bolsa Família Leticia Bartholo, ao falar do quadro político que rege a indefinição do programa. Não foi por falta de aviso. Com a fome não dá para negociar. Contagem regressiva. Faltam 18 dias.

*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA

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