BRASÍLIA - O Brasil passou a defender que os fertilizantes sejam itens proibidos de entrar nas listas de sanções comerciais. Não se trata apenas de um interesse local para favorecer o agronegócio brasileiro. O mundo depende, sim, e em grande escala, da produção de alimentos pelo Brasil, e a falta de insumos para cultivar os grãos pode fragilizar ainda mais a segurança alimentar mundial, já afetada pela alta de preços.
Oficialmente, o governo brasileiro não vê risco de faltar alimentos no País. Em último caso, medidas extremas, como restrições à venda de alimentos para outros países, podem ser tomadas para garantir o abastecimento local. Por outro lado, o Brasil só produz 15% do total de fertilizantes necessários para o uso anual.
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A dependência dos outros países em relação aos alimentos do Brasil é alta. Dados de junho de 2021 compilados pela Embrapa mostram que o Brasil responde por 50% do mercado mundial de soja e que alcançou, em 2020, o posto de segundo maior exportador de milho.
O Brasil é o quarto maior produtor dos principais grãos (arroz, cevada, soja, milho e trigo) e responde por 7,8% da produção mundial. Além disso, o País é o segundo maior exportador de grãos do mundo, com 19% do mercado internacional. Em 2020, o rebanho bovino brasileiro foi o maior do mundo, com 14,3% do total, ou 217 milhões de cabeças, seguido pela Índia, com 190 milhões.
“Estamos falando de segurança alimentar. Já temos 800 milhões de pessoas no mundo que comem muito mal. Se a gente não produzir, teremos muito mais gente passando fome”, disse ao Estadão a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. “Por isso, queremos que fertilizantes não sejam incluídos na lista de sanções. Não é possível produzir sem os fertilizantes, e sabemos que o potássio é um recurso finito.”
Alternativas
Por causa da crise entre Rússia e Ucrânia, o Brasil tem buscado alternativas aos insumos que compra daquela região. Negociações e contatos diplomáticos estão em andamento com países como Canadá, Chile e Jordânia, embora a efetivação desses acordos dependa, na prática, de investimentos e contratos entre empresas privadas. Hoje, o Brasil compra da Rússia cerca de 30% dos fertilizantes necessários para a produção.
O País possui estoque de fertilizantes para os próximos três meses, mas há preocupação com as safras que começarão a ser plantadas entre setembro e dezembro. “Estamos olhando para frente, nos antecipando aos fatos, para evitar um problema”, disse Tereza Cristina.
Na semana passada, durante reunião organizada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), a preocupação com a falta de alimentos foi tema central do debate entre ministros da agricultura de 34 países americanos que compõem a organização. O encontro foi uma convocação de Tereza Cristina, que preside o Conselho Interamericano da Agricultura (IABA). O pedido é de que haja acesso aos principais insumos para a produção, de forma a evitar a escassez de alimentos e mitigar o aumento dos preços.
O secretário de Agricultura dos EUA, Tom Vilsack, disse que as cadeias de negócios do setor estão enfrentando um desafio sem precedentes e defendeu o trabalho em conjunto, entre os países, para facilitar o comércio e garantir a segurança alimentar. Agnes Kalibata, ex-ministra da Agricultura de Ruanda e presidente da Aliança para uma Revolução Verde na África (Agra), alertou que há grande preocupação com o avanço da fome no continente africano. “Dependemos do comércio global e mais de 50 milhões de pessoas podem ser afetadas no curto prazo”, disse. Houve consenso de que os fertilizantes devem ter o mesmo tratamento prioritário dado aos alimentos em sanções ligadas a conflitos como o atual.
Em fevereiro, as exportações do agronegócio alcançaram uma cifra recorde e chegaram a US$ 10,51 bilhões, 65,8% mais do que em fevereiro de 2021. O Ministério da Agricultura avalia que o crescimento é reflexo do aumento dos preços dos produtos, além da alta na quantidade exportada.