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Brasil precisará de cautela na Opep+ sob risco de punição por cartel, diz conselheiro do Cade

Segundo executivo, participação do Brasil na organização dos exportadores de petróleo acende sinal amarelo no órgão antitruste, que já investiga a estatal por formação de preços

Foto do author Amanda Pupo
Atualização:
Foto: Cade/Divulgação
Entrevista comGustavo AugustoConselheiro do Cade

BRASÍLIA - O Brasil terá de ter “muita cautela” em sua participação na Opep+, sob o risco de suas ações, após a entrada no grupo de países produtores de petróleo, culminarem na prática de crime de cartel pela Petrobras, que tem a União como sua principal acionista. O alerta é feito pelo conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Gustavo Augusto. A entrada do País na organização dos países exportadores de petróleo foi anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a COP-28.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o integrante do tribunal do Cade explicou que a participação do Brasil na Opep+ acende o sinal amarelo no órgão antitruste, que já investiga a estatal por formação de preços. Além disso, diz ele, o conselho tem o dever legal, se provocado, de auxiliar o governo e a Petrobras a estabelecerem barreiras que evitem uma “contaminação” entre o assento brasileiro na Opep+ e as atividades da petroleira.

“O ponto que pode caracterizar o crime ou não é se o Brasil reforça a decisão da Opep. Se a Opep anuncia, por exemplo, uma decisão de diminuição da produção de petróleo (...) e o Brasil faz exatamente essa conduta, determina que a Petrobras segure sua produção para atender o comando da OPEP+, isso por si só já é participação no conluio, e o Cade, tradicionalmente, entende que isso é cartel”, exemplifica o conselheiro.

Outro ponto de atenção se volta à circulação de informações concorrencialmente sensíveis, uma vez que o cartel é formado por países que têm, assim como o Brasil, ações em petrolíferas. Nesse caso, entraria na mira uma eventual prática de cartel difuso. “Se, como observadores da Opep+, as pessoas têm conhecimento de que a produção de petróleo irá reduzir no futuro, que é uma informação que ainda não é de acesso público, e elas informam isso a Petrobras, isso pode ser considerado crime de cartel difuso”, aponta Gustavo Augusto.

SAO PAULO 17-04-2022 ECONOMIA NEGOCIOS LINK BROADCAST PME Entrevistado: Gustavo Augusto, conselheiro do Cade FOTO Cade Foto: undefined / undefined

Embora delicada, a participação brasileira na Opep+, na figura de um Estado soberano, não seria um “assunto de competição”, ou seja, de competência do Cade. Mas será preciso separar esse papel do risco de atuação de representantes brasileiros que se encontram com membros - também acionistas - de outras empresas para influenciar na atuação da Petrobras, frisa o conselheiro. “Nesse caso, essas pessoas e a Petrobras podem ser punidas por cartel se tiver alguma combinação para redução de produção”, disse. Confira os principais trechos da entrevista:

O senhor já apontou no passado recente uma preocupação quanto à repercussão das atividades da Opep no Brasil. Como avalia esse anúncio sobre a entrada do País na Opep+?

A Opep é reconhecidamente um cartel e é um cartel clássico. Qual é a preocupação quando você traz o Brasil e, particularmente, a Petrobras? Uma coisa é o Estado brasileiro fazer parte de um organismo internacional e esse organismo internacional eventualmente discuta uma conduta que poderia se considerar anticompetitiva, um cartel. O problema é quando você considera a atuação da Petrobras em função disso e, particularmente, porque o Estado brasileiro, como vários dos Estados que participam da Opep, é um grande acionista. Então nós precisamos separar a atuação do Estado como Estado soberano, conversando com outros Estados sobre temas internacionais - que não é um assunto de competição. Outra coisa é que há a atuação de políticos brasileiros ou de representantes do Estado brasileiro com membros acionistas de outra empresa para influenciar na atuação da Petrobras. Nesse caso, essas pessoas e a Petrobras podem ser punidas por cartel se tiver alguma combinação para redução de produção.

No início da guerra da Ucrânia o sr. levantou uma suspeita de conduta anticoncorrencial pela Petrobras, se ela definisse seus preços com base nas ações da Opep. Ou seja, já havia um nível de alerta. A partir do momento em que o Brasil entra no grupo, mesmo que seja de forma observacional, esse alerta cresce?

Estou falando pela parte do Cade. Ainda que você não seja um elemento decisor, mas reforçando depois a decisão adotada pelo cartel, vem sendo considerada pelo Cade como cartel. Então não é necessário que o Brasil tenha assento formal na Opep ou mesmo defina quais são as cotas. O ponto que pode caracterizar o crime ou não é se o Brasil reforça a decisão da Opep. Se a Opep anuncia, por exemplo, uma decisão de diminuição de produção de petróleo, e o Brasil - ainda que não decida, ainda que não tenha participação formal na Opep ou na Opep+ - adota exatamente essa conduta, ou seja, determina que a Petrobras segure sua produção para atender o comando da Opep+, isso por si só já é participação no conluio, e o Cade, tradicionalmente, entende que isso é cartel. Inclusive tem a figura do cartel difuso, que é o trânsito de informações concorrencialmente sensíveis. Então, por exemplo, se essas pessoas vão lá como observadores da Opep+, e elas têm conhecimento de que a produção de petróleo irá reduzir no futuro, que é uma informação que ainda não é de acesso público, e elas informam a Petrobras, isso pode ser considerado crime de cartel difuso, por estarem circulando informações que são concorrencialmente sensíveis dos concorrentes. Vários dos países da Opep são, na verdade, acionistas de empresas estatais de petróleo.

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A formalização do Brasil na Opep+ torna uma situação de atenção ainda mais delicada porque existirão mais canais para eventuais ações anticoncorrenciais acontecerem de fato no Brasil. É nesse sentido?

Sem dúvida. Veja bem, a Petrobras seguir o preço de mercado do óleo cru não é uma conduta anticompetitiva. Ela está seguindo o preço de mercado. O problema é quando ela associa suas estratégias com estratégias da Opep. Particularmente com estratégias de diminuir produção para segurar preço. O governo brasileiro conversar com outras autoridades, se isso não estiver se comunicando com a Petrobras, eu não vejo grandes problemas. O grande problema está se ocorrer uma comunicação com a Petrobras, ou se, por exemplo, representante do governo levar à Petrobras essas conversas. Ou pior, se a própria Petrobras tiver assento nessas reuniões. Se representante da Petrobras tiver assento nessas reuniões, fica muito evidente o risco de conduta anticompetitiva. O Brasil terá de ter muita cautela ao participar dessas reuniões. Ele tem de ter muita preocupação em separar a sua atuação, como Estado nacional, da sua atuação como empresário. E as pessoas que forem participar estão correndo um bom risco se não observarem um protocolo muito sério de como é que vão segregar essas informações.

A história acontece num momento em que a Petrobras está no alvo de discussões sobre ingerência política, com o debate sobre as mudanças nas regras de indicações políticas. Também vemos muito o ministro de Minas e Energia falando sobre qual deveria ser a conduta da Petrobras. Isso torna a situação mais delicada?

Essa maior influência dos representantes do governo junto à empresa por si só isso não é (um ato) anticompetitivo. Mas essa maior influência quando está associada a conversa com outros países que sabidamente adotam práticas anticompetitivas… Sim, o risco é maior, e essa influência é muito complicada. Até mesmo porque vários representantes do governo têm assento no Conselho de administração. Se participarem ou se tiverem acesso a quem participou dessas reuniões (da Opep) e trocarem informações concorrencialmente sensíveis, serão executivos trocando informações de empresas concorrentes.

Num nível prático, formalizada a participação do Brasil na Opep+, como o Cade pode atuar? A princípio seria num nível mais de observação?

Nós já temos investigações abertas sobre a Petrobras. A hipótese já se encontra em investigação. Mas claro que o Cade vai observar. Se eventualmente procurado, podemos dar nossa opinião sobre a forma como se poderia estabelecer algum tipo de barreira para que não tenha essa contaminação, e eventualmente assessorar qual seria a forma ideal de se evitar o problema de mercado. Mas, no momento, a participação ou não na Opep é uma decisão soberana que o Cade não tem o que falar. O que vamos fazer é continuar observando e continuar nossas investigações.

Se o governo eventualmente quiser algum tipo de aconselhamento, o Cade então está aberto para dar esse tipo de assistência?

É a obrigação legal do Cade. Ele tem o papel de dar assessoramento aos órgãos públicos, inclusive os órgãos federais. Ele tem o dever de fazer o que chamamos de advocacia competitiva, ou seja, de informar as empresas sobre a melhor forma de cumprir a lei da concorrência. A lei do Cade prevê que se possa fazer uma consulta prévia exatamente para evitar o cometimento de uma infração anticompetitiva por desconhecimento. Não só estamos à disposição como é nosso dever.

Nesse caso, a consulta precisaria partir da Petrobras, que é quem seria passível de investigação?

Não há nenhum problema de órgãos públicos fazerem essa consulta ao Cade. Isso é relativamente comum. Os executivos da empresa também podem consultar da sua atuação como pessoa física.

As investigações sobre a Petrobras que o senhor se refere são aquelas abertas recentemente?

Nós estamos investigando os preços do petróleo da Petrobras desde 2021. Os inquéritos estão abertos e em andamento.

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