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China pode alcançar meta de crescer 5% no ano? Economistas acham que sim, mas há entraves no caminho

Cautela dos consumidores com gastos mantém risco de deflação e sugere dificuldades para aceleração do nível de atividade no país

Por Ricardo Leopoldo (Broadcast)
Atualização:

São Paulo - Resultados econômicos positivos da China no terceiro trimestre, especialmente a alta do PIB de 4,9% ante o mesmo período de 2022, geraram uma expectativa nos mercados internacionais de que o país pode atingir a meta de crescimento de 5% neste ano estabelecida pelo governo do presidente Xi Jinping. Contudo, a cautela dos consumidores para gastar, relacionada em parte com o desempenho negativo do mercado imobiliário, mantém o risco de deflação e sugere que haverá muitas dificuldades para o nível de atividade acelerar com vigor nos próximos trimestres.

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Economistas entrevistados pelo Estadão/Broadcast em Hong Kong apontaram melhoras da demanda no terceiro trimestre, motivadas em boa medida por medidas fiscais e monetárias adotadas pelo governo a partir de agosto para socorrer o produto interno bruto, já que a atividade chinesa tinha registrado crescimento de 0,5% entre abril e junho ante os três meses anteriores.

Entre julho e setembro, a evolução dos dados foi motivada basicamente por um aumento do consumo. Houve avanço de 5,5% das vendas do varejo e de 4,5% da produção industrial no mês passado, em termos anuais. Este conjunto de notícias fez com que algumas instituições elevassem as estimativas para o PIB neste ano, como fizeram o UBS e o Societé Générale, que subiram suas projeções de 4,8% para 5,2%.

“Entre os fatores que explicam a disposição dos cidadãos a consumir mais no trimestre passado estão uma recuperação da renda das famílias, a tendência da redução da taxa de desemprego, que baixou de 5,2% em agosto para 5% em setembro, e a poupança extra acumulada por três anos de pandemia”, comentou Ning Zhang, economista sênior do UBS para a China.

Mercado de imóveis na China está em depressão há vários trimestres  Foto: Gilles Sabrie/The New York Times

Para Michelle Lam, economista do Societé Générale, sinais favoráveis das exportações da China ajudam a produção industrial doméstica. Apesar das vendas externas terem caído 6,2% em setembro ante o mesmo mês de 2022, a queda foi menor do que a retração de 7,6% prevista por analistas e também inferior à contração de 8,8% registrada em agosto em base anual. Encomendas internacionais para as festas de final de ano e um cenário de pouso suave nos EUA ajudaram no embarque de manufaturados do país ao exterior.

Com a expansão do produto interno bruto no terceiro trimestre, a China precisará crescer perto de 4,4% de outubro a dezembro ante os mesmos três meses do ano passado para alcançar a meta de 5%. Este objetivo não será difícil de ser alcançado, pois a base de comparação é baixa. O PIB em 2022 subiu 3% por conta do fechamento da economia motivado pela covid-19.

Construção

A China continua, porém, com graves problemas no mercado de imóveis, que está em depressão há vários trimestres. Em setembro, os investimentos para edificações caíram 11,3% em termos anuais, as vendas de novas propriedades baixaram 10,1% e a construção de novos imóveis caiu 14,6%, na mesma base de comparação. Essa retração tem forte impacto, pois o segmento produtivo responde por 25% da economia do país.

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“O setor de imóveis está em depressão porque a confiança dos consumidores está muito baixa devido a diversas incertezas domésticas e externas”, comentou Lin Li, diretora de pesquisa de mercados globais para a Ásia do banco MUFG. “Depois de três anos de pandemia, os cidadãos em geral têm dúvidas constantes sobre as perspectivas da economia e temem um conflito da China com Taiwan.” Segundo ela, também preocupa os cidadãos as guerras na Ucrânia e em Israel, que podem colaborar para desacelerar a economia global, especialmente com pressões de alta dos preços do petróleo.

Recuperação gradual

A recuperação da China foi decepcionante no segundo trimestre porque mostrou-se mais frágil do que a ocorrida nas economias avançadas e em muitos mercados emergentes logo depois da vacinação ampla contra a covid, especialmente em 2021 e 2022. Isto ocorreu porque no país asiático não houve o apoio fiscal concedido por muitos governos para famílias mitigarem os efeitos da recessão provocada pela pandemia.

Feira de empregos em Pequim: governo parou de divulgar a taxa de desemprego entre jovens após ter atingido nível recorde em junho  Foto: Jade Gao/AFP

“No caso da China, essas transferências aos cidadãos não aconteceram. As famílias com menor renda não possuíam economias em nível adequado, o que colaborou para o ritmo em menor magnitude do consumo neste ano com o fim dos lockdowns”, comentou Grace Ng, economista sênior do banco JP Morgan.

Outro fator importante é a realidade do mercado de trabalho na China, menos favorável do que a registrada nos EUA e Europa. Há inclusive desconfiança de analistas sobre as estatísticas oficiais para este setor no país oriental, que cresceu recentemente porque o governo parou de divulgar a taxa de desemprego entre os jovens de 16 a 24 anos após ter atingido o recorde de 21,3% em junho.

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O desemprego dos jovens está relacionado com as dificuldades de expansão de investimentos privados, especialmente depois das medidas de regulação adotadas pela administração de Xi Jinping sobre setores de construção, tecnologia e educação em 2021. Além disso, há o ajuste estrutural do mercado imobiliário após um boom que durou cerca de uma década. Atualmente, o segmento passa por um período de retração, consequência da adoção de normas determinadas por Pequim para diminuir o elevado endividamento do setor.

Com o fraco desempenho da demanda agregada no segundo trimestre, as medidas estimulativas miraram sobretudo a melhora na concessão de crédito pelos bancos e a redução dos requerimentos para os cidadãos comprarem o segundo imóvel em grandes cidades. “Não foi um robusto conjunto de ações, mas elas poderão levar o país a ter uma expansão do PIB de 5% neste ano”, destacou Grace Ng. As autoridades em Pequim querem poupar recursos públicos para poder utilizá-los quando for bem mais necessário, eventualmente em 2024.

Na avaliação de Erin Xin, economista do banco HSBC, a China deve crescer 4,9% neste ano e ficará perto de alcançar a meta de expansão de 5%, em grande medida graças ao consumo interno, dado que a demanda externa apresenta um desempenho mais fraco, sobretudo por conta da queda das importações da Europa e dos EUA com a desaceleração das suas economias causada pela política monetária restritiva dos seus respectivos bancos centrais.

“Em termos domésticos, a expansão do nível de atividade não ocorre somente em serviços, como restaurantes. Ela acontece de forma ampla, até em mercadorias duráveis, como veículos elétricos, que contam com a concessão de benefícios tributários do governo.” Segundo ela, também contribuem as obras em infraestrutura, entre elas as dedicadas à expansão da economia verde, como a edificação de estações de recarga de veículos elétricos e construção de data centers.

Mais apoio fiscal

Embora existam boas chances de que a China alcance a meta de crescimento de 5% em 2023, é bem provável que o governo Xi Jinping continue com medidas de apoio fiscal para reforçar o nível de atividade para além das decisões de política monetária. Os juros básicos no país estão em 2,5% ao ano e reduzi-los de forma intensa poderia provocar mais fugas de capitais e novas rodadas de depreciação do yuan ante o dólar.

Segundo Shenshen Wang, estrategista sênior de equities para a China do Mizuho Securities, entre os principais estímulos fiscais que o governo em Pequim realizará até dezembro estará a concessão de entre 1 trilhão (US$ 136,6 bilhões) e 1,5 trilhão (US$ 205 bilhões) de yuans aos governos locais para reduzirem suas dívidas, sobretudo com bancos que financiaram investimentos em várias áreas, como no setor de construção. Um outro montante entre 1 trilhão e 1,5 trilhão de yuans pode ser liberado até o final do ano como antecipação de uma parte das verbas federais do orçamento de 2024 para projetos de infraestrutura.

“Com essas duas operações, o governo central pode destinar ao menos 2 trilhões de yuans (US$ 273,3 bilhões) no total aos governo locais. Os recursos dedicados para reduzir o endividamento com instituições financeiras dará mais condições a elas para realizarem mais empréstimos por toda a economia”, comentou Shenshen. “A outra metade deve ser orientada a obras de longo prazo, como rodovias e aeroportos, que ajudarão a reforçar a recuperação da economia da China especialmente em 2024.”

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