Quem analisar em detalhes os dados da inflação brasileira terá motivos de sobra para ficar preocupado. Há indicadores claros quanto ao caráter disseminado e autossustentável do atual processo de alta dos preços.
Não é mais possível atribuir este surto inflacionário apenas ao choque de custos desencadeado pelos aumentos de combustíveis e outras commodities. Mesmo no mercado de trabalho, que ainda exibe sinais de precarização, já há dados preocupantes para a inflação. No trimestre encerrado em maio, a taxa de desemprego, livre de efeitos sazonais, atingiu 9,5%, a menor desde o final de 2015.
Essa queda da desocupação é superior à que deveria ocorrer pelo crescimento do PIB, e parece que isso se deve ao maior dinamismo dos setores intensivos em mão de obra e de menor produtividade, como comércio, construção, serviços pessoais e empregos domésticos. De qualquer forma, é possível que a taxa de desemprego já tenha alcançado a taxa neutra, ou seja, aquela que não acelera nem desacelera a inflação. Se cair ainda mais, as atuais pressões para aumentos nominais de salários tendem a se intensificar, estimulando o processo inflacionário.
De fato, a variação dos preços de “serviços intensivos em mão de obra”, medida pela média móvel trimestral anualizada, saltou de 2,5%, em meados de 2021, para 6%, em junho de 2022. Pela mesma métrica, a média dos cinco núcleos de inflação (medida que exclui os preços muito voláteis), acompanhada pelo Banco Central (BC), subiu de 9,1%, em dezembro de 2021, para 13%, em junho de 2022.
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É verdade que os efeitos da expressiva alta do juro básico ainda não chegaram a seu ponto máximo. Mas as taxas no mercado para papéis públicos com prazos superiores a um ano, que mais se correlacionam com o custo do crédito, já entraram na casa dos dois dígitos em outubro de 2021 e não param de se elevar desde então.
Ocorre que há uma inconsistência flagrante entre o aperto monetário promovido pelo BC para domar a inflação e a política fiscal focada inteiramente nos objetivos eleitorais do presidente Bolsonaro e de seus aliados políticos. Enquanto o BC sobe os juros para conter a demanda agregada e reduzir as pressões inflacionárias, o governo, com apoio do Congresso, despeja mais de R$ 40 bilhões em transferências temporárias de renda, anulando parte, se não todo, do efeito do aperto monetário. E não se trata de política social séria, pois essa ajuda não é focada e será retirada após as eleições.
Os políticos comemoram a provável queda do IPCA de 2022 decorrente da redução do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações, mas se esquecem de que a redução da receita dos Estados e municípios, estimada em cerca de R$ 85 bilhões anuais, se não for acompanhada de corte nos gastos do mesmo montante, será expansão fiscal na veia, que estimulará a demanda e produzirá mais combustível inflacionário.
*Economista e diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda