A inflação em 12 meses no Brasil fugiu mais ainda do teto da meta. A vilã da vez é a carne bovina. Em setembro, ficou 3,48% mais cara, enquanto a inflação média foi de 0,57%. Contra isso, o governo apresentou não exatamente um remédio, mas uma dica de culinária: troque o seu bife por ovos ou frango.
Lembra certa lenda da História. No século 18, na França, em meio à crise, o povo não tinha pães. Maria Antonieta, a rainha, teria sacado de seu leque a infeliz solução:
- Se o povo não tem pão, que coma brioches!
De volta à nossa realidade, o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, diz ter ficado "perplexo" com o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland.
"A sugestão é despropositada", diz. "Mandar que comprem frango? Não vai acontecer, mas suponha que o povão todo obedeça... O que acontece? Sobe também o preço do frango!"
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Salazar foi professor de Economia da Universidade Federal do Paraná por 22 anos."Holland é economista, sabe que essas coisas se regem pela lei da oferta e da procura." Salazar diz estar constrangido.
E você, triste por ter de pagar mais por aquele belo bifão? Sabe por que a carne encareceu?
Há duas explicações básicas. Uma delas vem da Rússia.
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Por conflitos diplomáticos, os russos não compram mais carne dos Estados Unidos nem da União Europeia. Ainda não há números precisos, mas, de acordo com a Abrafrigo, subiram fortemente exportações de carne brasileira para Moscou. Existe, então, menos carne bovina para ser vendida por aqui (menor oferta sob mesma demanda = preços em alta).
Há, consequentemente, pressão inflacionária por expectativa. Com exportações em alta, produtores atinaram para o fato do aumento da procura pela carne brasileira. Essa percepção de venda certeira e farta, tanto por criadores de gado quanto por frigoríficos, faz com que os marcadores de preço puxem os números para cima.
A segunda explicação está no dólar - como já citamos.
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Desde junho até o começo deste mês, ficou 13% mais caro comprar a moeda americana com reais. O exportador, portanto, ganhou nesses tempos o equivalente a esses 13% quando converteu o pagamento recebido, em dólares, para reais. Nessas condições, o vendedor tende a subir preços internos - ele não é ONG e quer ganhar aqui dentro algo parecido com o que consegue vendendo seus bifinhos fora do Brasil.
Resumindo: menor oferta interna e valorização do dólar ajudam a matar a charada da inflação da carne. Que, na avaliação da Abrafrigo, é passageira.
E o frango e seus ovos?
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Para Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, as dicas de cozinha da Fazenda foram "música" - mais pelos ovos que pelos frangos. O brasileiro consome, por ano, bem menos que a média mundial: 180 ovos por boca ao ano. Pelo mundo, são 220. Quem sabe o consumo aumente, né?
"Mas não é por aí", diz. "Para combater inflação é preciso estimular a economia, não dar dicas." Os ovos de Holland surpreenderam Turra. "São proteína animal, mas não substituem a carne bovina à mesa."
Esse poder, sim, tem o frango. Mas a inflação já bate à porta também das granjas pelos mesmos motivos: Rússia e dólar. No mês passado, o frango inteiro ficou 1,18% mais caro; em pedaços, 1,68%. Enfim, embora inusitada, quem quiser seguir a orientação da Fazenda pode se dar bem: os ovos ficaram 1,62% mais baratos no mês passado.
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