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‘Brasil tem potencial que não é explorado’, diz ex-presidente da Comissão Europeia

Para Durão Barroso, hoje presidente do conselho do Goldman Sachs International, País poderia avançar econômica e politicamente mesmo em um momento em que emergentes sofrem

Foto do author Luciana Dyniewicz
Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

Com pandemia, invasão da Ucrânia pela Rússia e tensões mais acirradas entre Estados Unidos e China, o mundo está mais incerto, o que gera custos econômicos para todos. No caso dos países emergentes como o Brasil, a tendência é que investidores resistam a colocar seus recursos aqui e prefiram destinos considerados mais seguros, como as economias avançadas. Mas “cada caso é um caso”, diz o presidente do conselho do Goldman Sachs International, José Manuel Durão Barroso, e o Brasil é, no momento, um país com grande potencial – mas subaproveitado.

De acordo com Durão Barroso, as oportunidades brasileiras estão nas commodities e nos recursos naturais, sobretudo em um momento em que o mundo está voltado para as questões de sustentabilidade. Assim, o País poderia ser um líder global na transição energética. “O Brasil é uma das maiores economias do mundo e tem, portanto, responsabilidades também. A dimensão traz consigo responsabilidades. Há uma boa vontade em relação ao Brasil. Se compararmos com as outras economias ditas emergentes, nenhuma outra tem isso. Mas talvez isso não esteja ainda a ser aproveitado como se deveria, porque há certas decisões nessa área (ambiental) que ainda não foram assumidas como prioridade nacional.”

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Primeiro-ministro de Portugal entre 2002 e 2004 e presidente da Comissão Europeia entre 2004 e 2014, Durão Barroso evita tratar das questões domésticas brasileiras, mas destaca que o importante é não haver extremismo no futuro governo. “O problema são visões radicais de uma certa esquerda ou de uma certa direita. Isso pode acontecer não apenas na América Latina, mas em outras partes do mundo.”

Sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, o hoje executivo da banco – que, quando político, reuniu-se diversas vezes com o presidente russo, Vladimir Putin – prevê uma guerra longa. “Putin pode estar a ver a questão como sua própria sobrevivência política. Do que conheço Putin, é muito difícil ele aceitar algo que não possa parecer como uma vitória. Ao mesmo tempo, a Ucrânia e os países ocidentais querem que fique claro que Putin tem uma derrota. É por isso que prevejo um conflito que pode durar bastante tempo.”

A seguir, trechos da entrevista:

O sr já afirmou, em outras entrevistas, que estamos em uma situação de grande incerteza. Após a pandemia e a invasão da Ucrânia, agora temos a relação entre EUA e China se deteriorando, com congressistas americanos visitando Taiwan. Quais impactos econômicos podemos esperar dessa instabilidade geopolítica?

Incertezas têm custos. Neste caso, estamos a assistir a um aumento dos custos. Também temos uma situação de cadeias de abastecimento indo para áreas mais próximas dos países consumidores. Por isso, surgem custos adicionais, dado que grande parte da chamada globalização ocorria para maximizar a economia e reduzir os custos. Agora, quando parte da produção que era feita no sudeste asiático passa para a Europa, os custos aumentam. Outra dimensão dessa crise é o custo da energia. A invasão da Ucrânia pela Rússia tem levado a um aumento acelerado dos custos. A própria incerteza também causa uma retração do investimento. Os investidores esperam mais a procura de alguma clarificação. Portanto, tudo isso leva a um quadro prejudicial para a economia, mais desafiador e difícil.

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O sr vê esse cenário como algo mais de curto ou médio prazo?

Acho que vai durar algum tempo. Eu nunca concordei com a tese de que a inflação era algo transitório. A inflação, para além dessa questão do aumento de energia, tinha fatores estruturais mais pronunciados: a própria situação geopolítica pode gerar um aumento de preços. Eu não uso muito a palavra ‘desglobalização’, porque o comércio internacional e o investimento transfronteiriço continuam a aumentar, mas em um ritmo menor. Pelo menos neste momento, não há uma completa reversão da globalização, mas há uma ‘reglobalização’, com maior incerteza e uma ordem econômica mais fragmentada. Vejo que isso vai continuar porque o dado de fundo mais importante é a competição entre EUA e China, que tende a piorar. Devemos estar preparados, pelo menos, para esse cenário no médio prazo. Penso também que a invasão da Ucrânia pela Rússia, infelizmente, vai durar algum tempo.

Durão Barroso: 'Problema são visões radicais de uma certa esquerda ou de uma certa direita' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Se não é uma ‘desglobalização’, o que seria exatamente essa mudança que vemos na organização mundial? Poderia ser uma maior regionalização?

O que digo é que talvez seja prematuro falar de desglobalização. Mas há essa característica de regionalização (crescente). Na Europa, por exemplo, está a existir isso já. Está a haver uma importação das cadeias de abastecimento. Acho que é provável um cenário em que a fricção geopolítica entre EUA e China leve, por exemplo, as empresas ocidentais a serem muito mais prudentes em relação à China e a procurarem alternativas.

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Como ficam os países emergentes nessa nova ordem?

É muito mais desafiador porque, em um momento de incerteza, os investidores ficam mais prudentes e gostam menos dos chamados países emergentes. Eles vão atrás de investimentos seguros e há uma tendência de se concentrarem nas economias ditas mais desenvolvidas. Mas cada caso é um caso e acho também que cada país deve ver as oportunidades que existem. O Brasil tem um grande potencial nessa situação. Há uma procura maior por algumas commodities, e o Brasil é grande produtor. O País tem potencial para energias renováveis, e diria que a transição climática é um dos grandes desafios. O Brasil tem oportunidades, mas é preciso que tomem decisões que possam maximizá-las.

O que o País precisa fazer para aproveitar ao máximo esse potencial, tanto na área de commodities como na de energias renováveis?

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Um exemplo que conheço bem: o acordo entre a Europa e o Mercosul. É óbvio que o Brasil poderia ter um acesso muito maior ao mercado europeu. O Brasil poderia aumentar a performance, o desempenho. O Brasil talvez seja o país no mundo com maior riqueza em biodiversidade. A comunidade internacional está consciente disso. O Brasil pode ser um líder global na transição energética, negociando condições para essa transição. O País também pode dar uma contribuição em um futuro com menos carbono. Espero que o Brasil aproveite essas oportunidades.

O sr. falou da questão ambiental e do Mercosul. Um dos motivos que tem travado o acordo Mercosul-União Europeia é a postura do Brasil em relação ao meio ambiente. Como está hoje a imagem do Brasil no exterior em relação a isso?

Basicamente isso que estou a dizer: há um grande potencial que não está a ser totalmente explorado. Quero ser bastante prudente no que vou dizer, porque estamos a tocar numa questão de soberania. Também não gosto quando vejo alguém de fora do meu país a dizer aquilo que devo ou não fazer. Ao mesmo tempo, acho que faz sentido, do ponto de vista brasileiro, o País ser um líder nas discussões ambientais, pois tem recursos naturais, e não aparecer, como às vezes aparece, como um parceiro relutante. Que não seja por causa da imagem externa que o Brasil tome as decisões que deve tomar. O Brasil deve pensar: o que faz melhor para si próprio e para o planeta, como um líder global que é. O Brasil é uma das maiores economias do mundo e tem, portanto, responsabilidades também. A dimensão traz consigo responsabilidades. Há uma boa vontade em relação ao Brasil. Se compararmos com as outras economias ditas emergentes, nenhuma outra tem isso. Mas talvez isso não esteja ainda a ser aproveitado como se deveria, porque há certas decisões nessa área (ambiental) que ainda não foram assumidas como prioridade nacional.

Quando o sr. esteve à frente de Portugal e da Comissão Europeia, havia uma força da esquerda no comando dos países da América Latina. Agora ela parece estar voltando e, no Brasil, o ex-presidente Lula é o candidato mais bem posicionado na corrida eleitoral, segundo as pesquisas de intenção de votos. Como vê o retorno da esquerda na região e o que pode mudar na ordem global com isso?

Mais uma vez não quero interferir nos assuntos internos. Hoje não estou na política, mas fui conhecido como um político de centro-direita, em termos europeus. Dito isso, não vejo problema em direita ou esquerda. Vejo problema em extremistas. Se o futuro da América Latina é uma esquerda moderada, reformista, que luta por mais justiça social, me parece legítimo e aceitável. Agora, se vamos para uma esquerda populista, protecionista ou até com ideias totalitárias, como temos em situações não-democráticas, como Cuba e Venezuela, obviamente que não é bom, pelo menos na minha visão de mundo.

Mas o mesmo não vale para a direita?

Mesma coisa com a direita. Se é reformista, moderna, procura o desenvolvimento de uma economia mais competitiva, é válido. Se temos uma direita nacionalista, revanchista, xenófoba, sob o ponto de vista dos meus valores, isso é negativo. O grande problema não é um conflito entre esquerda e direita. Nos sistemas democráticos, isso é positivo. O problema são visões radicais de uma certa esquerda ou de uma certa direita. Isso pode acontecer não apenas na América Latina, mas em outras partes do mundo.

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O sr. vê Lula ou Bolsonaro como extremistas?

Não vou entrar nessa qualificação. Compete ao povo brasileiro escolher o presidente. Mas há uma coisa que quero dizer: continuo a acreditar que o Brasil é uma grande democracia e tenho uma grande confiança na força da sociedade civil brasileira, em parte por causa da mídia.

O sr. era presidente da Comissão Europeia quando a Rússia anexou a Crimeia, em 2014. Se as sanções naquela época tivessem sido mais duras, poderíamos ter uma postura diferente da Rússia hoje?

Não gosto de fazer julgamentos hipotéticos retroativos. O que foi feito foi feito com base nas informações do momentos. Estive na sala dessa reunião em que se tomaram as decisões de sanções por causa da anexação da Crimeia. Havia três opções: não fazer nada, adotar uma resposta militar ou usar as sanções e impor um certo custo ao país que fez a agressão. Mas é verdade que sanções têm um efeito limitado. Se tivessem um grande efeito, Cuba há muito tempo já tinha mudado. A Coreia do Norte e o Irã teriam abandonado seus programas nucleares. Não são as sanções que, por si só, vão resolver o problema. Àquela altura, as sanções tomadas eram possíveis. A decisão foi que devíamos manter o diálogo com a Rússia. Conheço o presidente Putin, estive com ele muitas vezes. A meu ver, ele tem um ressentimento muito profundo em relação à perda de influência da Rússia, comparada com a situação que havia na época da URSS.

A solução, então, não é econômica?

O que o move não é a questão econômica, portanto não são certas sanções econômicas que vão modificar seu comportamento. Isso também torna a questão mais complicada. Putin neste momento pode estar a ver a questão da Ucrânia como existencial, como sua própria sobrevivência política. Do que conheço Putin, é muito difícil ele agora reverter essa decisão e aceitar algo que não possa parecer como uma vitória. Ao mesmo tempo, a Ucrânia e os países ocidentais querem que fique claro que Putin tem uma derrota. É por isso que prevejo um conflito que pode durar bastante tempo.

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