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É preciso investimentos de adaptação para mudanças climáticas, diz economista do Banco Mundial

Cornelius Fleischhaker afirma que Brasil não pode ter mais crescimento baseado em destruição de recursos naturais e precisa corrigir distorções para ampliar a inclusão social e a produtividade

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Atualização:
Foto: Helio Montferre/Ipea
Entrevista comeconomista sênior para o Brasil do Banco MundialCornelius Fleischhaker

BRASÍLIA - O Brasil precisará investir o mais rapidamente possível em políticas de mitigação de efeitos das mudanças climáticas na nova realidade de ondas de calor, mais enchentes no Sul e secas no Norte e Nordeste. “Isso exige investimentos de adaptação”, diz Cornelius Fleischhaker, economista sênior para o Brasil na Prática Global de Macroeconomia, Comércio e Investimento do Banco Mundial. Cornelius participou da equipe que elaborou o relatório “O Brasil do Futuro – Rumo à produtividade, Inclusão e Sustentabilidade”.

O estudo faz um exercício de longo prazo de como o Brasil pode chegar daqui a 20 anos se aproveitando de um círculo virtuoso que precisa ser consolidado agora. Na entrevista, Cornelius traça um panorama dos principais desafios para o País entrar nessa rota.

Ele alerta sobre a necessidade de mudanças nas políticas públicas e do encontro inevitável do País com novas mudanças na Previdência Social. Mas, por outro lado, haverá a oportunidade única de utilizar mais recursos por aluno na educação, já que o número de estudantes vai decrescer.

'Não pode ser mais um crescimento baseado na destruição de recursos naturais', diz Cornelius Fleischhaker, economista sênior para o Brasil do Banco Mundial. Foto: Helio Montferre/Ipea

“As políticas públicas no Brasil sempre foram desenhadas para uma sociedade jovem, com poucos idosos. A questão da Previdência vai surgir de novo, já que a maior parte da população brasileira, que hoje está entre 30 e 45 anos, daqui a 20 anos vai estar prestes a se aposentar”, diz.

No curto prazo, afirma, o mais urgente no Brasil é enfrentar o desmatamento, sobretudo na Amazônia. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é a ‘cara’ que o Brasil terá em 2042?

O Brasil daqui a 20 anos vai depender muito das escolhas que serão feitas nos próximos anos. O que a gente propõe, o que a gente torce, é que o Brasil deixe para trás aquele legado de exclusão, de crescimento através de acumulação, de destruição dos recursos naturais; o legado de crescimento muito limitado por décadas. Para isso, o Brasil precisa daquilo que chamamos de círculo virtuoso, que combina a produtividade na economia com a inclusão das camadas da população que ainda ficavam excluídas ou estão em situações muito vulneráveis e com a sustentabilidade ambiental. Não pode ser mais um crescimento baseado na destruição de recursos naturais. E, para isso acontecer, tem de haver algumas mudanças nas políticas públicas. Você não pode esperar ter um resultado diferente sem mudar o comportamento.

O estudo mostra um Brasil mais velho, mais conectado e sujeito a mudanças climáticas cada vez mais expressivas. Como as políticas públicas podem se adaptar a esse cenário?

O que sabemos sobre esse Brasil daqui a 20 anos é o que chamamos de megatendências, que obviamente são mundiais; mas, nesse relatório, olhamos as consequências para o Brasil e como as políticas públicas deveriam se ajustar a essas novas realidades. Na questão demográfica, isso é bastante claro. As pessoas vivem muito mais. Mas as políticas públicas no Brasil sempre foram desenhadas para uma sociedade jovem, com poucos idosos. Isso vai mudar e as políticas públicas têm que se adaptar. A questão da Previdência vai surgir de novo, já que a maior parte da população brasileira, que hoje está entre 30 e 45 anos, daqui a 20 anos vai estar prestes a se aposentar. Então, vão ser necessárias mais mudanças no sistema de Previdência. Ao mesmo tempo, haverá a oportunidade de se utilizar mais recursos por aluno na educação, já que o número de alunos vai decrescer.

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Que oportunidades essas mudanças trazem?

Uma oportunidade de focar ainda mais em algo que é muito importante, que é a qualidade da educação e da aprendizagem. Obviamente, será necessário se adaptar às mudanças climáticas. Vão ter mais ondas de calor, mais enchentes no Sul, mais secas no Norte e Nordeste... Isso exige investimentos de adaptação. Ao mesmo tempo, o Brasil tem um desafio muito forte de mitigação (desses efeitos).

Como fazer isso?

Esse governo está colocando isso muito em pauta, com o Plano de Transformação Ecológica. Mas o mais urgente, no curto prazo, é a questão do desmatamento, sobretudo na Amazônia. É aí que o Brasil tem o risco de um ponto de inflexão, do colapso do bioma da Amazônia. É um risco que existe; é incerto exatamente como isso seria, mas é muito importante que o Brasil faça todo o possível para evitar esse risco. Por fim, a tecnologia: ela exige que as pessoas sejam capazes de lidar com tarefas não repetitivas, já que as repetitivas - mesmo as repetitivas que pensávamos ser mais intelectuais -, vão ficar para as máquinas. Tem de haver cada vez mais uma educação voltada para capacidades digitais, socioambientais, capacidades analíticas não repetitivas. E também vai exigir mais oportunidades para pessoas que já deixaram, de certa forma, a idade tradicional de aprender. Temos que ter aprendizagem na vida inteira, com mais cursos voltados para capacidades que o mercado de trabalho vai demandar.

Como o sr. vê o movimento do governo pela agenda verde?

Eu vejo de uma forma muito positiva. É fundamental e acho que todo mundo reconhece isso. Mas acho que o mundo associa mais o Brasil, na questão climática, com a floresta amazônica. Obviamente, o Brasil tem outros desafios; mas o que é mais urgente é a questão do desmatamento e acho que o mundo vai olhar sempre para isso em primeiro lugar.

O Brasil tem um problema histórico de produtividade que está se agravando. Como recuperá-la à luz de uma nova realidade que veio depois da pandemia?

Eu acho que o problema fundamental da produtividade no Brasil é que a economia brasileira ainda está cheia de distorções. E isso afeta a produtividade total dos fatores, afeta a qualidade do investimento e até, de certa forma, pode afetar a formação de capital humano. E quais são essas distorções? São muitas. Um ponto muito claro é o sistema tributário - um problema que agora está sendo atacado, e ainda bem. Acho que a reforma tributária é uma coisa muito importante, que vai melhorar a forma de produção no Brasil. Mas há muitas distorções; no mercado de financeiro, no mercado de crédito. Muito crédito direcionado, o que faz com que as taxas de juros sejam muito diferentes a depender de que tipo de acesso a empresa consegue. Isso faz com que as empresas produtivas muitas vezes não possam crescer. Também tem a questão do comércio internacional. O Brasil continua em grande parte fora das cadeias globais de valor, ainda é uma economia muito fechada - o que também significa que as empresas muitas vezes não têm acesso a insumos que podem torná-las mais produtivas.

Qual o risco de o Brasil ‘perder o bonde’ desse círculo virtuoso, sobretudo na economia de transformação energética?

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O Brasil tem, de fato, muitas oportunidades na economia verde. O Brasil já tem uma matriz energética muito mais limpa do que outros países grandes. Ainda tem muito potencial de energias renováveis. No passado, também houve oportunidades que nem sempre foram muito bem aproveitadas. Quando a gente olha para toda essa questão de incentivos em energia limpa, toda essa discussão sobre hidrogênio verde, obviamente o Brasil não é o único player nesse jogo. Mas a concorrência também pode fazer bem aos negócios, pode ajudar a aumentar a produtividade. Então, por isso é muito importante a questão da integração nos mercados globais nas cadeias de valor.

Como fazer isso?

Muitas dessas novas indústrias exigem um alto grau de tecnologia e de conhecimento. Então, eu acho que um perigo possível é o País se tornar protecionista demais. Poderia ficar numa situação menos competitiva por falta de acesso ao investimento, à tecnologia, ao conhecimento. Ao mesmo tempo, entrar nesse mundo das indústrias verdes também dá uma grande oportunidade ao Brasil de ter uma vantagem competitiva. É uma grande oportunidade; mas, obviamente não é algo automático. Vai exigir muitas boas políticas para incentivar essas indústrias. Ao mesmo tempo, não se deve ficar numa situação de proteção exagerada que prejudique a competitividade internacional.

O estudo fala sobre a necessidade de ‘restabelecer uma âncora fiscal confiável’. O País tem um novo arcabouço, mas o governo escolheu um ajuste focado no aumento de receitas em detrimento do corte de gastos, o que tem preocupado analistas. Como o sr. vê esse cenário?

Esse relatório é de longo prazo, não olhamos tanto a questão de déficit primário neste ano e no ano que vem. O arcabouço é bom, é adequado. Acho que ele tem várias vantagens sobre a regra fiscal anterior, que era bem limitante. Então, esse arcabouço, da forma como está desenhado, escrito na lei, está bom. Obviamente, a credibilidade não depende puramente do que está na lei, mas do comportamento através do tempo. Então, esse arcabouço novo ainda precisa ser construído; é mais uma questão de médio prazo, a depender de como ele for implementado. A gente vê no mundo muitas regras fiscais que não são bem implementadas e, daí, o valor delas é bem diminuído. Quando a gente olha a questão fiscal mais de médio e longo prazo, há oportunidades de fazer um ajuste tanto do lado da receita como da despesa.

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Pode dar alguns exemplos?

Existem ainda subsídios muito ineficazes, até para energia fóssil. Também do lado da receita, existem ainda muitos gatilhos no Imposto de Renda que são regressivos e podem ser fechados, aumentando a arrecadação. Na tributação de combustíveis fósseis, o que aconteceu nos últimos anos, com (a desoneração de) impostos sobre a gasolina, diesel, etc, é uma perda de oportunidade de melhorar o resultado fiscal. Mas o mais importante no longo prazo é a qualidade da despesa pública. A despesa no Brasil é muito rígida, o governo não tem como mexer muito no dia a dia. Então, no longo prazo, é muito importante que sejam feitas reformas que, de certa forma, limitem ou diminuam essas despesas rígidas para depois o governo, de fato, arranjar espaço para fazer uma política de despesa de maior qualidade.

O que motivou esse estudo?

Esse estudo está sendo preparado há mais ou menos quatro anos, começamos em 2019. Houve vários pontos de motivação. O Brasil tinha passado por anos bastante difíceis. Então, a ideia era olhar de forma um pouco mais profunda, ver todos esses desafios estruturais. Dentro dele, a gente estudou bastante legados históricos. E aí fizemos esse estudo de como as megatendências vão afetar o Brasil, para olhar o que de fato precisa mudar para que os próximos 20 anos sejam melhores do que os últimos 20 anos.

Como avalia esse período?

Quando a gente olha para trás, não é que tudo foi ruim. Houve alguns avanços muito significativos tanto do lado da estabilidade econômica como do lado da inclusão, educação e combate à pobreza. Mas há esses desafios fundamentais: a produtividade tem crescido muito pouco, a destruição de recursos naturais na floresta amazônica... Então, a gente colocou isso no centro do relatório: como o Brasil tem que ser diferente para que esses próximos 20 anos sejam uma resposta a esse desafio.

De que forma a pandemia alterou essa rota?

A pandemia deixou alguns desafios ainda mais urgentes. A questão fiscal ficou ainda mais difícil, com o aumento de despesas, não só no Brasil como em todos os governos. A pandemia também atrasou algumas reformas estruturais que deveriam acontecer e não aconteceram. Teve algum impacto, sim, mas acho que, de certa forma, o mundo pós-pandemia não é tão diferente em relação a esses desafios de longo prazo.

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