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Privatização da Eletrobras: Lula conseguiria reverter venda da estatal? Entenda

Promessa de reestatizar a Eletrobras chegou a ser feita pelo petista durante a campanha eleitoral, mas a realidade é que o caminho para isso é praticamente inviável

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mencionou na terça, 7, uma promessa de sua campanha que pretende tirar do papel: a reestatização da Eletrobras, que foi privatizada no ano passado. Lula disse que a Advocacia-Geral da União (AGU) vai entrar na Justiça contra cláusulas do processo de privatização da Eletrobras, o qual ele classificou como “leonino”.

O presidente se referiu, mais especificamente, a uma trava que foi incluída na lei de privatização da empresa, que exige o pagamento do triplo da maior cotação do papel alcançada em dois anos para fazer uma oferta pelas ações ordinárias. “Se amanhã o governo tiver interesse de comprar as ações, as ações para o governo valem três vezes mais do que o valor normal para outro candidato. Foi feita uma quase bandidagem para que o governo não volte a adquirir maioria na Eletrobras”, afirmou o presidente. “Isso é uma coisa irracional, maquiavélica, que nós não podemos aceitar.”

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O governo pode até usar a força da AGU para questionar as regras na Justiça, mas sabe que, na prática, terá muita dificuldade de reverter o cenário, devido a um conjunto de fatores.

O modelo de privatização escolhido pelo governo anterior para a privatização da Eletrobras foi o de venda de suas ações ao mercado. A participação da União na Eletrobras, que era de 72%, caiu para 45% com a privatização, ou seja, o governo tornou-se um sócio minoritário. Uma fatia de 55% está pulverizada em ações no mercado, já que a companhia é uma empresa de capital aberto na Bolsa.

Governo concentrava maior parte das ações da Eletrobras, mas hoje é um sócio minoritário da empresa, que tem capital aberto na Bolsa Foto: Pilar Olivares/Reuters - 20/8/2014

Para que o governo Lula retome o comando da Eletrobras, o caminho para isso seria, portanto, fazer uma oferta para recompra de ações. Acontece que não se trata de uma transação simples, porque envolveria um alto custo não apenas político, mas também financeiro. Em tempos de falta de recursos para bancar investimentos básicos em áreas como saúde, educação, segurança e infraestrutura, o governo não teria como justificar por que decidiu usar bilhões em dinheiro do cidadão para recomprar ações de uma empresa já pulverizada em Bolsa, enquanto o País necessita de recursos em áreas básicas e urgentes.

Lula sabe disse e deixou claro, em sua fala de ontem, dizendo que não vai comprar ações da Eletrobras neste momento. “Até porque o pouco dinheiro que a gente tiver nós vamos ter de cuidar dos benefícios que o povo está precisando que a gente faça”, disse o petista. “Se a gente conseguir fazer a economia crescer e as coisas forem bem, e a gente puder comprar mais ações, a gente vai comprar.”

“O que posso dizer é que foi um processo errático. Foi um processo leonino contra os interesses do povo brasileiro. Foi uma privatização lesa-pátria. A começar pelo salário dos diretores, salário dos conselheiros e a começar pelo fato que governo só tem 10% da participação quando tem 40% das ações”, declarou Lula.

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A fim de dificultar qualquer tentativa hostil de retomada do comando da empresa pela União, foi incluída, entre as regras da privatização, a exigência de que qualquer oferta pública de compra de ações para obtenção de controle acionário da Eletrobras terá de bancar um valor três vezes superior à maior cotação já registrada pelos papéis da companhia. Isso significa que, na prática, seria um péssimo negócio para o governo, que se veria obrigado a pagar uma conta muito superior àquilo que detinha até então. E não é só isso.

Ainda que decidisse levar o negócio adiante e tivesse sucesso em recomprar ações dos demais acionistas para ficar com mais de 50% do capital da Eletrobras, o governo teria seu poder de voto restrito a, no máximo, 10%, conforme regras incluídas no modelo de oferta da empresa. É o efeito da “pílula de veneno” (poison pill, no jargão em inglês), que foi incluída nas regras da capitalização da Eletrobras e que dificultam muito qualquer tipo de retomada deliberada do controle. Para mudar essa regra, seria preciso convocar uma assembleia de acionistas, propondo alterações no estatuto que permitissem a ampliação.

Fora das regras de mercado, já se chegou a falar em instrumentos como edição de decreto presidencial para viabilizar a reestatização da companhia. A avaliação dos especialistas, porém, é a de que qualquer iniciativa desse tipo em relação a uma empresa de capital aberto e pulverizado seria vista como intervenção direta do governo em negócio privado, ou seja, um ato extremo e que não encontra paralelo no País.

“Existe um misticismo muito grande de que o Estado tem de ser controlador de tudo e o discurso político explora muito isso. É preciso lembrar que já estamos falando de uma companhia de capital aberto”, diz Marcelo Godke, advogado especialista em Direito empresarial, societário e mercado de capitais.

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Godke lembra ainda que, no caso da Eletrobras, a União tem poder de veto em decisões, por meio de sua “golden share”, mesma medida que foi incluída nas privatizações da Embraer e da própria Bolsa, por exemplo. Essa ação permite que o governo impeça que determinado controlador, como uma empresa estrangeira, assuma o controle da Eletrobras.

Não é a primeira vez que Lula promete reverter uma grande privatização. O mesmo foi dito no caso da mineradora Vale, que segue privatizada até hoje. No caso específico do setor elétrico, há hoje forte presença da iniciativa privada devido a uma lei de 2003, que foi editada por Lula em seu primeiro mandato e que impulsionou a realização dos leilões e concessões de energia.

Do lado político, a atitude de recompra de ações pelo governo é vista no mercado financeiro como uma ação de extrema fragilidade jurídica e regulatória. Isso porque pode afastar investidores não apenas da Eletrobras, mas de outros possíveis investimentos, uma vez que estaria demonstrado que o País não tem segurança normativa sobre decisões tomadas, principalmente em negócios de grande vulto, como a Eletrobras. Do ponto de vista legal, especialistas afirmam ainda que seria preciso ainda editar um projeto de lei e enviá-lo ao Congresso, para ter autorização dos parlamentares para que a União pudesse fazer esse movimento.

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