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Marina Grossi: ‘Precisamos de estratégia clara da trajetória que faremos para reduzir emissões’

Para presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), Brasil também precisa melhorar ambiente regulatório para atrair investimentos para a transição energética

Foto do author Luciana Dyniewicz
Por Luciana Dyniewicz
Foto: Pedro Kirilos/Estadão
Entrevista comMarina GrossiPresidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds)

Ao adotar o Plano de Transformação Ecológica (programa encabeçado pelo Ministério da Fazenda para promover o desenvolvimento sustentável), o Brasil deu os primeiros passos para se transformar em um país protagonista de um mundo que busca reduzir as emissões de gás carbônico, de acordo com a presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), Marina Grossi. Agora, porém, é preciso melhorar o ambiente de negócios para atrair o capital externo necessário para o País fazer sua própria transição para uma economia de baixo carbono.

“Para atrair os recursos e redirecionar nosso desenvolvimento, precisamos de previsibilidade, de incentivos e políticas públicas que apontem nesta direção”, diz Grossi. “Temos uma NDC (compromisso do País de redução de emissões) ambiciosa, podemos ser net zero antes do resto do mundo e temos um plano em construção, mas precisamos acelerar este processo por meio de uma maior articulação com a sociedade e de uma estratégia clara da trajetória que faremos para cumprir o que anunciamos.”

A partir desta quinta-feira, 11, Grossi passa a colaborar como colunista da editoria de Economia do Estadão, que reforça seu olhar para os temas de economia verde. Já fazem parte do time de colunistas do jornal dedicados exclusivamente ao tema Renata Piazzon (diretora-geral do Instituto Arapyaú) e Roberto Waack (cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura).

Formada em Economia pela Universidade de Brasília, Grossi tem especialização em mercado de carbono pela Universidade de Melbourne (Austrália), em clima e sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral e em mudança climática pela Universidade de Cambridge (Inglaterra). Com passagem pelo Ministério do Planejamento e pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, está no Cebds desde 2006. Integra os conselhos de administração da Norte Energia e da Neoenergia, além do Conselho Independente de Especialistas Climáticos da Edelman, do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República e do Conselho Consultivo Socioambiental do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Qual o maior desafio do Brasil para implementar uma agenda econômica de desenvolvimento sustentável?

A agenda do desenvolvimento sustentável requer um grande nível de transversalidade, com medidas abrangentes do poder público e das empresas, além de uma visão de médio e longo prazo. Ela passa por temas como regulação, financiamento e cadeia de fornecedores. Exige uma visão de Estado e ser colocada no centro da tomada de decisões nos negócios. No ano passado, o Cebds lançou, em parceria com a consultoria BCG, o estudo “Desafios do Setor Empresarial Brasileiro na Jornada Net Zero”. Essa pesquisa contou com respostas de mais de 50 companhias, de todos os principais setores e mostrou que as principais dificuldades estão ligadas a incertezas regulatórias, para 64%, a engajamento dos fornecedores, para 49%, e à ausência de referências setoriais, para 38%.

Floresta amazônica no Pará: para Marina Grossi, Brasil é uma potência ambiental, mas precisa transformar isso em vantagem competitiva  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O Brasil poderia assumir um papel protagonista na agenda global de descarbonização. O País está preparado para aproveitar essa oportunidade?

O Brasil é um dos países mais bem posicionados do mundo para realizar a transição justa para uma economia net zero (em que as emissões de carbono são neutralizadas por medidas que retiram o gás da atmosfera) e com impacto positivo para a natureza até 2030. Somos uma potência ambiental e temos vantagens comparativas que nos posicionam na frente dos demais países. O desafio é transformá-las em vantagens competitivas. Um importante passo foi dado com a adoção do Plano de Transformação Ecológica, que sinaliza internamente e também para o mundo que nossa trajetória econômica vai na direção de uma economia de baixo carbono, inclusiva e com valorização dos ativos ambientais. No entanto, é preciso melhorar o ambiente de negócios para atrair o capital externo, já que os nossos recursos (financeiros) são mais limitados que os de outros países que também adotaram medidas verdes e destinaram recursos públicos significativos para esta mudança, como EUA e União Europeia.

Como atrair recursos quando se compete com EUA e União Europeia?

Para atrair os recursos e redirecionar nosso desenvolvimento, precisamos de previsibilidade, de incentivos e políticas públicas que apontem nesta direção. Temos uma NDC (compromisso do País de redução de emissões) ambiciosa, podemos ser net zero antes do resto do mundo e temos um plano em construção, mas precisamos acelerar este processo por meio de uma maior articulação com a sociedade e de uma estratégia clara da trajetória que faremos para cumprir o que anunciamos. A estratégia para descarbonizar a economia brasileira passa também pelo firme combate ao desmatamento ilegal, por estratégias de regeneração de ecossistemas e pela redução das emissões de gases de efeito estufa na agropecuária. Também é mais do que necessário o olhar estar voltado para a transição energética. Uma pauta muito cara ao Cebds e que pode viabilizar a transição do País para um novo modelo de desenvolvimento, sobretudo nos próximos anos, é o mercado regulado de carbono. O Cebds colabora com a construção de um marco regulatório para o mercado de carbono no Brasil desde 2016.

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Poderia dar exemplos de políticas públicas e incentivos que ajudam a atrair recursos para a área?

O Cebds contribuiu com a formulação do Plano de Transformação Ecológica do governo federal e identificamos alinhamentos entre as propostas do Ministério da Fazenda e as ações há muito defendidas pelo Cebds. Entregamos ao ministro Fernando Haddad um documento contendo as contribuições do setor empresarial para os seis eixos prioritários do plano: finanças sustentáveis, bioeconomia, transição energética, adensamento tecnológico, economia circular e infraestrutura verde e saneamento. Entre nossas recomendações estão a regulamentação do mercado de carbono nacional, a criação de uma taxonomia verde brasileira, o pagamento por serviços ambientais e a criação de uma Política Nacional de Transição Energética, com uma estratégia clara de como utilizaremos nossas diversas fontes de energia. Criar um ambiente regulatório seguro e zelar pelo cumprimento do que foi estabelecido possibilitará a atração maior de recursos necessários para nossa transição. Se bem implementadas e no ‘timing’ correto, as medidas previstas no Plano de Transição Ecológica podem contribuir para direcionar um maior fluxo de investimentos internacionais lastreados em aspectos ESG para o País.

Como avalia o patamar da discussão em torno da regulamentação desse mercado?

Nesses oito anos, a discussão sobre a implementação de um mercado regulado de carbono no Brasil chegou a um ponto de maturidade, com projetos de lei sendo discutidos no Congresso. A regulamentação desse mercado pode gerar ao Brasil ganhos comerciais em um ambiente em que políticas climáticas cada vez mais impactam o comércio internacional, geram ganhos em negociações internacionais e acentuam o protagonismo que podemos ter na agenda de transição. O Cebds trabalha para, até a COP-30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que acontecerá em 2025 em Belém), alcançar um novo patamar em relação ao engajamento de empresas e do governo nos compromissos climáticos já assumidos, de modo a mostrarmos, pelo exemplo, que é possível atingir os objetivos do Acordo de Paris. Estas ações, se colocadas em prática, farão com que o Brasil tenha uma posição de destaque na nova geopolítica. E temos todas as condições de chegar lá.

Um dos pontos de preocupação de diferentes atores em relação à descarbonização da economia é o financiamento. Como está essa questão no Brasil?

Os ativos globais classificados como ESG devem ultrapassar US$ 53 trilhões em 2025, o que representa mais de um terço dos US$ 140,5 trilhões de ativos totais sob gestão, segundo projeções da Bloomberg. Por isso, é fundamental que o Brasil esteja em uma posição favorável para receber esses recursos, mas não é só isso. Os bancos de fomento e desenvolvimento podem atuar com o setor privado para criar soluções financeiras, como o mecanismo de “blended finance” (financiamento misto, que reúne recursos públicos e filantrópicos). Grandes empresas podem trabalhar com o BNDES, por exemplo, para ajudar a financiar tecnologias de baixa emissão de carbono para sua cadeia de fornecedores. Uma sugestão é criar um fundo fiduciário tendo grandes empresas como avalistas. Recentemente, o Cebds lançou, em parceria com o Instituto Igarapé e a JGP Gestão de Crédito, um acordo de cooperação para destravar fluxos financeiros para iniciativas sustentáveis que deixem um legado concreto do setor empresarial brasileiro na Amazônia. O acordo visa a estruturar mecanismos de finanças híbridas para viabilizar essas iniciativas. Tanto o Cebds quanto o Igarapé farão a mobilização de parceiros e potenciais doadores. Já a JGP fará a estruturação e a gestão de mecanismos financeiros, a aceleração de ativos para investimentos dos mecanismos financeiros desenvolvidos, a articulação com investidores, o monitoramento de impacto e a gestão da teoria da mudança em finanças sustentáveis, e o suporte à elaboração de mecanismos financeiros ligados à iniciativa.

Por que o volume de recursos ainda é baixo quando se considera o necessário?

Isso se deve mais à forma como operam bancos multilaterais e diversos fundos globais do que às iniciativas no âmbito do setor privado, que têm crescido para esta finalidade. Boa parte dos recursos para atingirmos os objetivos do Acordo de Paris ficam nos países desenvolvidos, em partes pelos mecanismos mais maduros que eles têm. No entanto, para o mundo descarbonizar é preciso que os recursos sejam direcionados para os países em desenvolvimento, com mecanismos que sejam mais eficazes, menos burocráticos e ágeis para de fato o recurso chegar onde é necessário, beneficiando sobretudo a população mais vulnerável. No Brasil, temos a oportunidade de mostrar a importância desta mensagem para o resto do mundo, seja por presidirmos o G-20 este ano, seja por recebermos a COP-30 no próximo ano.

Vemos algumas empresas no exterior voltando atrás em promessas ambientais e também casos de investidores deixando de defender de forma explícita o ESG. Podemos ver isso acontecer no Brasil também?

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É notável que o movimento anti-ESG tem tomado corpo em algumas regiões, especialmente nos EUA. O principal argumento é o de que alguns segmentos econômicos estariam em desvantagem, como a indústria de combustíveis fósseis. Segundo esses críticos, com a ascensão do ESG, bancos, gestores de investimentos e grandes empresas estariam usando da sua influência e poder econômico para impor uma “ideologia progressista”. Governadores de alguns Estados norte-americanos, como Flórida, Texas e Oklahoma, têm feito esforços legislativos para barrar a agenda ESG. Isso é um reflexo da crescente polarização da sociedade, sendo agravada em anos eleitorais, como é o caso de 2024, com a proximidade das eleições presidenciais nos EUA. E podemos ver, sim, esse movimento chegar ao Brasil no futuro, com maior ou menor intensidade.

O que fazer diante disso?

Esse movimento anti-ESG também mostra que temos o desafio de tornar tangível para alguns grupos as vantagens envolvidas no desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade é um movimento sem volta, muito recurso já foi investido e as grandes organizações já entenderam isso, por ser bom para os negócios, para as pessoas e para combater as graves crises socioambientais que nos assolam. O mundo tem até 2030 para se colocar definitivamente na rota de uma economia inclusiva, com baixas emissões de carbono e que gere prosperidade com a preservação dos biomas, sob risco de sofrermos ainda mais os impactos dos piores cenários da crise climática.

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