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Etanol, Califórnia e alavancagem

Por André Meloni Nassar
Atualização:

Seria ingenuidade minha achar que todos os problemas do setor sucroenergético brasileiro estão resolvidos com a volta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o aumento da mistura de etanol na gasolina, a desvalorização do real e o mercado de eletricidade remunerando de forma satisfatória a bioeletricidade do bagaço da cana. A ingenuidade iria às alturas se ainda adicionasse o fato de que o Estado norte-americano da Califórnia está enfim tomando decisões que podem transformá-lo em realidade para as exportações de etanol brasileiro. Com tanto otimismo, angariaria, sem intenção, a pecha de Policarpo Quaresma ou, para quem gosta de uma rima pobre, o Meloni do exército de Brancaleone. Otimismos em seu devido lugar, o fato é que tem algo acontecendo na Califórnia que merece uma reflexão além do setor sucroenergético, cujo envolvimento neste assunto já é até o pescoço. Vale dizer que EUA, Califórnia e União Europeia não resolverão o problema do setor sucroenergético do Brasil. Gato escaldado tem medo de água fria. Mas que existe uma potencial situação de ganha-ganha se desenhando entre a Califórnia e o nosso etanol, isso existe. A Califórnia fica feliz, o setor sucroenergético do Brasil fica feliz. Diante de um cenário pouco atraente para investimentos, não apenas, mas muito contaminado pelos baixos preços do petróleo, a política estadual da Califórnia (batizada de Low Carbon Fuel Standard) pode trazer pontos de alavancagem, valendo-se das ideias das teorias de sistemas complexos de Donella Meadows, que recolocam os biocombustíveis no seu devido papel: na batalha para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) causadas pelos combustíveis fósseis. Desde 2008 os defensores dos biocombustíveis de base agrícola, como eu, seguem a estratégia "de batalha em batalha ganhamos a guerra". Os últimos números publicados pelo Estado da Califórnia mostram que nossas pequenas vitórias têm forte potencial para gerar uma grande vitória. Em 2008 os biocombustíveis de base agrícola foram postos em dúvida como solução para reduzir as emissões de GEEs dos combustíveis fósseis. Sendo um combustível que provém de matéria-prima que usa terra, sol e água, o argumento sustentava que qualquer mitigação das emissões que porventura decorresse do fato de estes serem produzidos com matérias-primas renováveis seria neutralizada pelas emissões provenientes da conversão de vegetação natural em terras para produção, direta ou indiretamente, impulsionada pelos biocombustíveis. O Estado da Califórnia, cuja política agressiva para redução de emissões no setor de transportes, que vê os veículos elétricos e os biocombustíveis como a combinação ideal para promover tais reduções, não se privou em reagir. A reação foi um mata-leão no etanol de cana brasileiro: ele deveria, de acordo com as análises e modelos utilizados em 2008, ser penalizado em 46 gramas de CO2 equivalente por megajoule de energia produzida. Para ter ideia, assumindo que a gasolina emite 90gCO2e/Mj e que a produção de etanol de cana emite ao redor de 20gCO2e/Mj, uma penalidade de 46gCO2e/Mj tiraria toda a sedução da cana na Califórnia. Nesse cenário, o etanol de cana seria considerado um bicombustível ineficiente do ponto de vista ambiental. Sete anos depois, e uma indubitável liderança da Califórnia nos esforços para aprimorar e tornar realistas os modelos quantitativos para calcular os 46gCO2e/Mj, a agência ambiental do Estado trouxe o número para 11gCO2e/Mj (batizado de fator de iLUC). Por causa do enorme esforço quantitativo estimulado pela Califórnia, que promoveu um aprimoramento único nos modelos econômicos e biofísicos, será tarefa árdua para a "turma antibiocombustíveis" duvidar deste número. É uma vitória para o etanol brasileiro. A Califórnia, porém, gosta de um bate e assopra. Assopraram o etanol de cana reduzindo o fator de iLUC, mas bateram nele penalizando a bioeletricidade do bagaço. Mais uma batalha para o etanol de cana reverter a seu favor. Um pouco de otimismo aqui vale.*André Meloni Nassar é diretor geral da Agroicone. E-mail: amnassar@agroicone.com.br. Site: www.agroicone.com.br 

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