PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Economia e políticas públicas

Opinião|Brasil fez muito pouco na agenda de combate ao crime

Economista Joana Monteiro, especialista em criminalidade aponta caminhos, alguns bastante simples, que nunca (ou muito pouco) foram tentados.

PUBLICIDADE

Foto do author Fernando Dantas

Os homicídios no Brasil - ou mais precisamente, as chamadas mortes violentas intencionais - caíram fortemente em 2018 e 2019. Saíram de 32 por 100 mil habitantes por ano em 2017, o pico desde pelo menos 1990, para 22 por 100 mil em 2019. A partir daí, a taxa de homicídios se estabilizou em torno de um patamar de 23 por 100 mil até 2022.

PUBLICIDADE

Os dados, organizados pela economista e especialista em crime Joana Monteiro, professora da Ebape-FGV, vão só até 2022 porque são da base de dados do SUS, que os divulga com dois anos de defasagem.

Esse padrão nacional, porém, esconde componentes regionais muito variadas. O pico de homicídios em 2017 foi puxado totalmente pelas regiões Nordeste e Norte, que chegaram a um nível pouco abaixo de 50 mil homicídios por 100 mil habitantes, enquanto as taxas das demais regiões caíam. A queda de 2017 a 2019 foi causada por uma redução drástica no Norte e Nordeste, enquanto as demais regiões continuavam suas trajetórias descendentes. E a estabilidade de 2020 a 2022 é uma combinação de novo repique para cima no Norte e Nordeste, relativa estabilidade no Centro Oeste e Sul e prosseguimento da queda no Sudeste, que apresenta a menor taxa, em torno de 15 por 100 mil habitantes.

Apesar da queda da taxa de homicídios, Monteiro - coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública (CCAS) da Ebape, ex- diretora-presidente do Instituto de Segurança Pública e ex- coordenadora do Centro de Pesquisa do Ministério Público, ambos os cargos no Rio de Janeiro - nota que a segurança pública tornou-se o principal item de preocupação dos brasileiros em pesquisas de opinião, e entrou com força no debate político.

Na verdade, a pesquisadora observa que há diversos tipos de crimes, e a queda dos homicídios não necessariamente está relacionada com outras práticas que fazem o cidadão se sentir ameaçado, como roubos, extorsão, violência sexual, violência policial etc.

Publicidade

A repressão a cada tipo de crime exige diferentes abordagens. Assaltos na rua, por exemplo, se combatem com ostensividade policial e boa investigação. Diversos tipos de atividade criminosa estão ligadas ao crime organizado, de uma forma que sobrepuja a capacidade de ação dos Estados, que no Brasil são tradicionalmente os principais responsáveis pela segurança. Aqui, Monteiro vê a necessidade imperiosa do governo federal, com a ação da Polícia Federal.

A especialista considera fundamental um plano federal de combate ao crime, mas vê o presidente Lula esquivando-se do tema, que geralmente é considerado problema dos governadores.

É uma postura arriscada do presidente, pela importância que o crime e a violência estão assumindo para os eleitorados do Brasil e de outros países da América Latina. Na pesquisa do IPEC sobre assuntos políticos e administrativos no Brasil, de abril de 2024, 42% dos respondentes avaliaram a atuação do governo Lula em segurança pública como ruim ou péssima, comparado a 27% que consideram ótima ou boa.

Os números do Suplemento da Pnad Contínua do 4º Trimestre de 2021 mostram uma impressionante sensação de medo da população brasileiro ante o crime.

Um total de 43% das pessoas diz que há muita ou média chance de que sejam assaltados com violência na rua. E 37% dizem o mesmo em relação a ter o domicílio roubado ou furtado. 24% consideram que há média ou muita chance de serem alvejados por bala perdida, e 22% de serem assassinados. A mesma estatística é de 20% para agressão sexual (com predominância de mulheres) e 17% de ser vítima de violência policial, com predominância de homens. De forma geral, mulheres e pretos se sentem mais expostos aos diversos tipos de crime.

Publicidade

Monteiro faz questão de enfatizar que o crime e a violência no Brasil estão longe de um problema insolúvel já que, na verdade, há todo um corpo de ideias e linhas de ação que simplesmente nunca foram tentados, ou foram usados de forma muito incipiente, por desconhecimento ou falta de vontade política.

PUBLICIDADE

Medidas simples, como iluminar e colocar câmeras em espaços públicos onde os roubos se concentram - como pontos de ônibus, por exemplo - podem ser bastante eficazes, mas empecilhos burocráticos ou a simples ignorância impedem que sejam adotados com a celeridade necessária.

Em resumo, Monteiro considera que, apesar de toda a atenção que a segurança pública vem ganhando na mídia e na política, o País ainda nem é capaz de definir os problemas prioritários.

Para ela, não só o governo federal precisa definir prioridades e responsabilidades, como "é fundamental a liderança dos entes federais na construção de uma estratégia nacional de enfrentamento aos grupos criminais armados".

Ela nota ainda a ineficiência do sistema de informação de Segurança Pública e Justiça Federal, sendo necessário compartilhar dados, um desafio para o qual entes federais como Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são essenciais.

Publicidade

Uma última observação da pesquisadora é que "as instituições estão presas em seus embates corporativos e a transparência de dados é crucial para promover integração e cobrança de resultados".

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/6/2024, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.