A decisão da reunião do Copom encerrada nessa quarta (8/5), na forma como foi feita, desagradou o mercado e provocou um estrago nos ativos brasileiros. O corte da Selic foi reduzido a 0,25 ponto porcentual (pp), ante 0,5 nas reuniões anteriores, e o comunicado foi duro. Mas os quatro diretores indicados por Lula votaram por corte 0,5pp, sem explicação sobre o porquê no comunicado.
Ficou a impressão de que a postura conservadora da decisão e do comunicado tem prazo de validade muito curta, e que, a partir do ano que vem, quando o presidente do BC, Roberto Campos Neto (que votou pelo 0,25pp) sai, a política monetária será leniente com a inflação num país com séria vulnerabilidade fiscal.
Aparentemente, houve perda para o diretor Gabriel Galípolo, apontado como futuro presidente, e o grupo de diretores indicados por Lula. Se a intenção deles é conduzir uma política monetária um pouco mais dovish (na qual a atenção ao controle da inflação é mais atenuada pela preocupação com a atividade e o emprego), foi um tiro no pé. A percepção de tolerância com a inflação torna mais difícil implementar uma política monetária mais suave, pois as expectativas inflacionárias sobem e é preciso mais juro para conseguir o mesmo efeito de controle da inflação.
Mas alguns analistas apontam que o erro inicial que levou ao desfecho infeliz da reunião do Copom desta semana foi cometido por Campos Neto. Em 17 de abril, na reunião do FMI e Banco Mundial em Washington, o presidente do BC praticamente descartou a promessa (do comunicado e da ata anteriores) de mais um corte de 0,5pp da Selic na reunião desta semana, citando o aumento das incertezas fiscais e do cenário internacional.
A sensação do mercado foi de que a fala de Campos Neto expressou uma posição relativamente individual, isto é, que não foi discutida e acertada anteriormente com o conjunto dos membros do Copom, incluindo os nomeados por Lula.
A nova posição de Campos Neto foi percebida como um calibragem para um nível mais hawkish (quando o controle da inflação se sobressai a outras preocupações) do que o prevalecente anteriormente. O sentido de uma virada de chave desse tipo é levar o mercado a esperar reações mais duras da autoridade monetária ao risco inflacionário, e, assim, conter expectativas de inflação e, no final das contas, se a estratégia der certo, conseguir controlar a alta de preços com um custo menor em termos de juros.
Ora, mas para essa estratégia dar certo, é essencial que o mercado, que está sempre antecipando tendências e trazendo para o presente expectativas sobre o futuro, acredite que a nova postura, no caso, mais hawkish, vai perdurar. No entanto, todo mundo sabe que este é o último ano de Campos Neto no comando do BC e que, a partir de 2025, a política monetária será outra, provavelmente mais dovish.
A pergunta então é a seguinte: qual a utilidade de Campos Neto sinalizar uma postura mais dura contra o risco inflacionário em Washington se ele sabia que o prazo de validade dessa postura é curtíssimo e, portanto, incapaz de influenciar na direção desejada as expectativas de mercado?
Uma vez que Campos Neto deu esse passo e ele não pode ser desfeito, entretanto, Galípolo e o time de nomeados por Lula poderiam ter sido mais cautelosos em como reagir. Em termos puramente técnicos, havia até argumento cabíveis para cortar 0,5pp esta semana (assim como para o corte de 0,25pp), e alguns participantes de mercado que não têm nada de heterodoxos ou dovish defendiam essa escolha.
O problema é que a situação acabou virando uma armadilha. O fato de os quatro nomeados por Lula terem votado pelo corte de 0,5pp (inclusive Paulo Pichetti, bastante respeitado por economistas ortodoxos) deu a impressão de uma ação em conjunto, desafiando a subida de tom hawkish de Campos Neto. Os mais desconfiados até aventaram a possibilidade de que os quatro do voto por 0,5pp teriam obedecido a um comando vindo de Lula.
Como reputação, percepção e expectativas - todas características nas quais o julgamento subjetivo é essencial - são elementos chave da política monetária, não há dúvida de que Galípolo e o time do 0,5pp piorou as condições sob as quais vão conduzir a política monetária a partir do ano que vem.
O estrago não necessariamente é grande ou permanente, e uma ata bem redigida pode remediá-lo em alguma medida. Mas o BC alegar que não entendeu a reação do mercado é como um marqueteiro alegar que não entendeu a reação do eleitorado. Melhor procurar outro emprego, então.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 10/5/2024, sexta-feira.