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Economia e políticas públicas

Opinião|Copom: um erro leva ao outro

Descarte unilateral de corte de 0,5 na reunião de maio por Roberto Campos Neto, presidente do BC, levou grupo de diretores nomeados por Lula ao tiro no pé de discrepar em conjunto da decisão de corte de 0,25pp, votando por 0,5pp.

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A decisão da reunião do Copom encerrada nessa quarta (8/5), na forma como foi feita, desagradou o mercado e provocou um estrago nos ativos brasileiros. O corte da Selic foi reduzido a 0,25 ponto porcentual (pp), ante 0,5 nas reuniões anteriores, e o comunicado foi duro. Mas os quatro diretores indicados por Lula votaram por corte 0,5pp, sem explicação sobre o porquê no comunicado.

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Ficou a impressão de que a postura conservadora da decisão e do comunicado tem prazo de validade muito curta, e que, a partir do ano que vem, quando o presidente do BC, Roberto Campos Neto (que votou pelo 0,25pp) sai, a política monetária será leniente com a inflação num país com séria vulnerabilidade fiscal.

Aparentemente, houve perda para o diretor Gabriel Galípolo, apontado como futuro presidente, e o grupo de diretores indicados por Lula. Se a intenção deles é conduzir uma política monetária um pouco mais dovish (na qual a atenção ao controle da inflação é mais atenuada pela preocupação com a atividade e o emprego), foi um tiro no pé. A percepção de tolerância com a inflação torna mais difícil implementar uma política monetária mais suave, pois as expectativas inflacionárias sobem e é preciso mais juro para conseguir o mesmo efeito de controle da inflação.

Mas alguns analistas apontam que o erro inicial que levou ao desfecho infeliz da reunião do Copom desta semana foi cometido por Campos Neto. Em 17 de abril, na reunião do FMI e Banco Mundial em Washington, o presidente do BC praticamente descartou a promessa (do comunicado e da ata anteriores) de mais um corte de 0,5pp da Selic na reunião desta semana, citando o aumento das incertezas fiscais e do cenário internacional.

A sensação do mercado foi de que a fala de Campos Neto expressou uma posição relativamente individual, isto é, que não foi discutida e acertada anteriormente com o conjunto dos membros do Copom, incluindo os nomeados por Lula.

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A nova posição de Campos Neto foi percebida como um calibragem para um nível mais hawkish (quando o controle da inflação se sobressai a outras preocupações) do que o prevalecente anteriormente. O sentido de uma virada de chave desse tipo é levar o mercado a esperar reações mais duras da autoridade monetária ao risco inflacionário, e, assim, conter expectativas de inflação e, no final das contas, se a estratégia der certo, conseguir controlar a alta de preços com um custo menor em termos de juros.

Ora, mas para essa estratégia dar certo, é essencial que o mercado, que está sempre antecipando tendências e trazendo para o presente expectativas sobre o futuro, acredite que a nova postura, no caso, mais hawkish, vai perdurar. No entanto, todo mundo sabe que este é o último ano de Campos Neto no comando do BC e que, a partir de 2025, a política monetária será outra, provavelmente mais dovish.

A pergunta então é a seguinte: qual a utilidade de Campos Neto sinalizar uma postura mais dura contra o risco inflacionário em Washington se ele sabia que o prazo de validade dessa postura é curtíssimo e, portanto, incapaz de influenciar na direção desejada as expectativas de mercado?

Uma vez que Campos Neto deu esse passo e ele não pode ser desfeito, entretanto, Galípolo e o time de nomeados por Lula poderiam ter sido mais cautelosos em como reagir. Em termos puramente técnicos, havia até argumento cabíveis para cortar 0,5pp esta semana (assim como para o corte de 0,25pp), e alguns participantes de mercado que não têm nada de heterodoxos ou dovish defendiam essa escolha.

O problema é que a situação acabou virando uma armadilha. O fato de os quatro nomeados por Lula terem votado pelo corte de 0,5pp (inclusive Paulo Pichetti, bastante respeitado por economistas ortodoxos) deu a impressão de uma ação em conjunto, desafiando a subida de tom hawkish de Campos Neto. Os mais desconfiados até aventaram a possibilidade de que os quatro do voto por 0,5pp teriam obedecido a um comando vindo de Lula.

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Como reputação, percepção e expectativas - todas características nas quais o julgamento subjetivo é essencial - são elementos chave da política monetária, não há dúvida de que Galípolo e o time do 0,5pp piorou as condições sob as quais vão conduzir a política monetária a partir do ano que vem.

O estrago não necessariamente é grande ou permanente, e uma ata bem redigida pode remediá-lo em alguma medida. Mas o BC alegar que não entendeu a reação do mercado é como um marqueteiro alegar que não entendeu a reação do eleitorado. Melhor procurar outro emprego, então.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 10/5/2024, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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