Um conjunto de circunstâncias parece estar empurrando O governo Lula mais para a esquerda a esta altura do seu segundo mandato. E isso, por sua vez, traz o risco de alimentar o bolsonarismo para as batalhas eleitorais de 2024 e de 2026.
Parcela desse movimento parte do próprio Lula. O presidente parece disposto de fato a aumentar o grau de intervencionismo na economia, como fica claro na troca de comando da Petrobrás. Pegando carona na guerra comercial envolvendo a China e os países ricos, Lula também defendeu recentemente maior protecionismo, como se o Brasil não fosse já uma das economias mais fechadas do mundo.
Na seara fiscal, há a sensação de que as coisas estão desandando. É verdade que a aposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no lado da receita deu certo, como fica claro no aumento real de 8,3% da arrecadação federal no ano até abril, ante igual período de 2023.
O problema é que a velha crítica ortodoxa de que a alta dos impostos cria novos gastos não só parece estar se verificando - como fica claro na mudança para metas de primário menos ambiciosas em 2025 e nos próximos anos -, como no Brasil é quase institucionalmente verdadeira. A indexação dos gastos de saúde e educação à receita determina que a despesa aumente junto com a alta da arrecadação.
Por outro lado, o "combo" de salário mínimo com aumento real baseado no PIB e indexando a Previdência e programas sociais também faz que um eventual crescimento mais forte do PIB (que puxa a arrecadação) eleve o gasto público - no caso com uma defasagem de dois anos, de acordo com a lei de reajuste do mínimo aprovada por Lula.
O presidente tem dado repetidas mostras de que não tem paciência para preocupações fiscais, exatamente quando a fragilidade das contas públicas está se tornando mais evidente. Nesse sentido, apesar da postura mais conservadora de Haddad, o risco de desvios heterodoxos ainda neste mandato parece ter aumentado.
Mesmo fora da alçada do Executivo, as recentes decisões judiciais favorecendo Marcelo Odebrecht e José Dirceu ajudam a criar um caldo de cultura propício a mais radicalização política. A deputada federal Gleisi Hoffman (PR), presidente do PT, comemorou na rede social X a prescrição de pena de Dirceu, escrevendo que o "STF deu fim hoje a uma grande injustiça, encerrando a condenação que havia sido imposta a José Dirceu pela farsa da Lava Jato". E já se fala de uma possível candidatura de Dirceu em 2026.
Como nota o cientista político Octavio Amorim Neto, da EBAPE-FGV, "o passado de esquerda radical de Dirceu é propício ao discurso bolsonarista de que 'o comunismo está voltando'". Ele ressalva que há inúmeros outros fatores a serem analisados sobre as chances do bolsonarismo nos próximos ciclos eleitorais, e que se deve ter cuidado em não superestimar precipitadamente fatos específicos.
De qualquer maneira, como evidenciado no discurso de lideranças do PT, o enterro da Lava-Jato e a volta de personagens como José Dirceu estão inapelavelmente associados a este terceiro mandato de Lula, e provavelmente deslocam a imagem do governo mais para a esquerda.
É muito difícil dizer que uma guinada à esquerda por parte do Lula é uma estratégia politicamente equivocada, quando se leva em consideração a votação pífia do centro nas últimas eleições. Por outro lado, não resta dúvida de que é uma estratégia que pode reanimar o bolsonarismo.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast na quarta-feira, 22/5/2024.