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Economia e políticas públicas

Opinião|Independência dos BCs avança no mundo

No momento em que o Banco Central no Brasil tenta conquistar autonomia administrativa, estudo mostra que BCs no mundo continuam a reforçar sua independência, apesar de perda de prestígio com a crise financeira global e pressões sobre as autoridades monetárias trazidas pela pandemia.

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Foto do author Fernando Dantas

Depois de conquistar autonomia operacional em 2021, no governo Bolsonaro, o Banco Central articula para obter a sua autonomia administrativa no governo Lula. É um sinal saudável de que o aperfeiçoamento institucional da autoridade monetária no Brasil tem resistido às turbulências da polarização política no País.

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No caso da autonomia operacional, de forma simplificada, tratou-se de dar mandatos fixos aos diretores do BC (que não podem ser demitidos pela simples vontade do presidente da República) e fixar uma missão com objetivos bem definidos à autoridade monetária: a mais proeminente é perseguir a meta de inflação, dentro do arcabouço de regras e práticas do atual sistema.

Já a autonomia administrativa, que também faz parte do figurino dos melhores bancos centrais no mundo, visa proteger o BC de eventual estrangulamento financeiro por parte de um governo que resolva retaliar a autoridade monetária por conta de decisões que desagradem o Executivo. Na autonomia administrativa, o BC adquire alguma medida de estabilidade no seu financiamento, fugindo à discricionariedade quase total com que o governo federal lida com parte do Orçamento público.

Uma questão curiosa, porém, é que, após a grande crise global de 2008-09, o prestígio dos bancos centrais mundo afora sofreu alguns arranhões, e a ideia de que a independência da autoridade monetária era o melhor regime possível foi objeto de contestações mais insistentes. Já no caso da pandemia, os principais BCs do mundo se saíram relativamente bem ao fim e ao cabo, mas com alguns vacilos e muita angústia por parte da sociedade e dos agentes econômicos - o que mais uma vez pôs um ponto de interrogação sobre as vantagens de uma autoridade monetária independente e imune às pressões do sistema político.

É interessante - e, de certa forma, mais meritório e animador - que os avanços institucionais do BC brasileiro estejam acontecendo nesse contexto histórico, em que já não há a admiração unânime pelo papel dos principais bancos centrais que culminou durante certo período das décadas de 90 e de 2000, até a crise financeira global.

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No entanto, como vários desenvolvimentos e ocorrências positivos do Brasil (e também negativos), o avanço da autonomia do BC não é um fato isolado no contexto mundial, mas sim uma tendência que afeta a maior parte do mundo - mesmo num contexto internacional em que aumentaram as críticas e o acompanhamento mais próximo e exigente de cada decisão das autoridades monetárias.´

É isso que mostra recente estudo do economista Davide Romelli, do Trinity College, em Dublin, Irlanda. No trabalho, o pesquisador examinou a evolução da independência dos bancos centrais em uma amostra de 155 países cobrindo os 100 anos entre 1923 e 2023. O resultado confirmou a tendência duradoura dos países de reforçarem a independência das suas autoridades monetárias.

Romelli tampouco encontrou qualquer arrefecimento dessa tendência no período pós crise financeira global, que incluiu também o choque da pandemia. Em recente artigo sobre seu estudo no site de economia Vox EU, o economista escreveu que sua pesquisa sugere que "a independência de jure [formal e legal] do banco central ainda é vista como baluarte de uma política econômica eficaz".

O pesquisador lembra que a resiliência dessa tendência global pró-autonomia dos BCs não é nada óbvia diante de fatos dos últimos anos como, por exemplo, as muitas críticas à política monetária do Federal Reserve (Fed, BC dos EUA) por Donald Trump, quando ainda estava na presidência.

O método de trabalho de Romelli envolveu a análise de mais de 2000 mudanças de estatuto dos BCs da sua amostra no período de 1923-2023. A partir da construção de um índice de independência de BCs, ele identificou cerca de 370 reformas relevantes das autoridades monetárias naquele período, das quais 279 foram classificadas como pró-independência e 91 como reversões de independência.

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De maneira geral, ele identificou uma concentração de reformas nos anos 90, com um pico em 1998, quando, com o lançamento do euro, a autoridade monetária na zona do euro foi unificada no Banco Central Europeu (BCE). Pós crise financeira global, houve aprimoramentos no grau de autonomia, simultaneamente a alguns recuos em termos do papel de supervisão financeira pelos BCs. Mais uma onda de aperfeiçoamentos da autonomia operacional se iniciou em 2016, segundo Romelli. Um número bem maior de países tinha índices mais altos de independência do BC em 2023 do que em 2017 (comparados àqueles que fizeram o movimento inverso).

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Mirando três diferentes índices de independência de bancos centrais, o economista observa a mesma história em todos eles. Estabilidade no pós-guerra até os anos 80, seguida por alta em ritmo constante até 2010, nova estabilidade em 2010-15, e volta à tendência de mais independência a partir de 2016. Analisando a questão pelo nível de desenvolvimento dos países, a história continua bem parecida (a não ser pelo ponto de partida e algumas oscilações peculiares) nas nações de alta renda, média-alta renda, média-baixa renda e baixa renda.

Romelli acrescenta ainda que, mesmo diante da tendência geral de aumento de autonomia, os BCs do mundo não estão isolados de tendências modernas relativas a preocupações ambientais e de equidade. Recentemente, o BC da Hungria incluiu "sustentabilidade ambiental" entre seus objetivos e o BC da Ruanda determina que pelo menos 30% dos membros do seu conselho sejam mulheres.

De qualquer forma, a pesquisa de Romelli mostra que reforçar e aperfeiçoar a autonomia das autoridades monetária é uma tendência mundial, e é positivo saber que, nesse caso, o Brasil parece caminhar em consonância com um avanço institucional que tem caráter global. Uma boa negociação e aprovação da autonomia administrativa do Banco Central confirmaria essa tendência alvissareira.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 27/2/2024, terça-feira.

 

Opinião por Fernando Dantas
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