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Economia e políticas públicas

Opinião|O que "racha" os bancos centrais?

Recente estudo indica que choques de oferta, mais complicados para os BCs que os choques demanda, levam comitês de política monetária a terem decisões com votos divididos.

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É bem sabido que a política monetária lida melhor com choques de demanda do que com choques de oferta. No primeiro caso, num roteiro clássico, a economia se aquece demais, a inflação começa a subir, o BC entra para regular a festa, sobe os juros, resfria a demanda e a atividade desacelera para um ritmo mais sustentável.

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Já choques de oferta - como a desorganização das cadeias logísticas e de transporte na pandemia, ou restrições à oferta de commodities e de energia com a guerra da Ucrânia - são mais difíceis de encarar pelos BCs. A inflação sobe simultaneamente à desaceleração da atividade, e o medo da autoridade monetária de pisar no freio dos juros - para controlar os efeitos secundários, na demanda, do choque de oferta - é exacerbado pelo temor de jogar a economia numa recessão mais pesada.

Trabalho atual dos economistas Carlos Madeira (BIS e BC do Chile), João Madeira (Iscte Business School, em Lisboa) e Paulo Santos Monteiro (Universidade de York, no Reino Unido) mostra que os choques de oferta aumentam a probabilidade de que haja votos discordantes nas decisões de comitês de política monetária de bancos centrais com mandato dual - isto é, que incluam formalmente tanto o controle a inflação quanto a preocupação com a atividade e o emprego.

Os economistas resumiram os principais achados da pesquisa (ainda a ser publicada) em um artigo publicado esta semana no site econômico europeu VOX EU.

Trabalhando com modelos econômicos, os pesquisadores encontram que a ocorrência de um choque de oferta aumenta a probabilidade de haver dissenso numa decisão de comitê de política monetária em 212%, enquanto um choque demanda aumenta o mesmo tipo de probabilidade em 81%. De forma congruente, eles detectam que os choques de oferta ampliam a incerteza dos profissionais do mercado financeiro, expressa no intervalo de projeções da rentabilidade dos papéis do Tesouro americano de curtíssimo prazo (três meses).

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Segundo os economistas, o modelo básico utilizado em sua pesquisa descreve muito bem o histórico de votos do comitê de política monetária dos Estados Unidos, o FOMC, desde 1957. Nos anos 70 e início dos 80, a era dos choques (de oferta) do petróleo, votações rachadas no FOMC eram bem mais comuns. Já os anos 90 e 2000 até a grande crise financeira global caracterizaram uma época de predominância de choques de demanda, com menos votos de dissenso durante o longo mandato (1987-2006) do legendário chairman do Fed (BC dos EUA) Alan Greenspan.

Curiosamente, os economistas encontram que, em bancos centrais com mandato único (formalmente encarregados apenas de controlar a inflação, ou da "estabilidade dos preço"), a ocorrência de dissenso em votações do comitê de política monetária não está relacionada em particular nem com choques de oferta nem com choques de demanda.

No Brasil, desde pelo menos o início da pandemia, houve apenas duas votações com dissenso no Copom. A primeira foi na reunião de setembro de 2022, quando o comitê decidiu manter a Selic em 13,75%, mas dois diretores vistos como mais conservadores (Fernanda Guardado e Renato Gomes) votaram por alta residual - isto é, após longo ciclo de elevações - de 0,25 ponto porcentual (pp). A segunda vez foi na reunião de agosto de 2023, quando se decidiu reduzir a Selic de 13,75% para 13,25%. Nesse caso, o dissenso foi maior. Quatro diretores (Guardado, Gomes, Diogo Guillen e Maurício Costa de Moura) num colegiado de nove votaram por uma redução menor, de 0,25pp.

Nos dois caso de dissenso, estava-se em momento críticos do ciclo de política monetária: em setembro de 2022, primeira parada após o início do longo ciclo de alta em março de 2021; em agosto de 2023, primeiro corte após um ano de Selic em 13,75%.

Haveria alguma ligação entre os choques de oferta da pandemia e os dissensos recentes nas reuniões do Copom? Carlos Kawall, sócio-fundador da gestora Oriz Partners, pensa que os votos contrários à decisão prevalecente naquelas duas reuniões tiveram muito mais a ver com o perfil dos diretores que dissentiram, reconhecidamente mais conservadores.

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Kawall, que leu o artigo de Madeira, Madeira e Monteiro, sentiu falta de uma abordagem mais detalhada pelos autores justamente da "saia justa" que foram e são os tempos pandêmicos e pós-pandêmicos para os bancos centrais, quando poderosos choque de oferta e de demanda (a injeção de recursos para famílias e empresas por parte de governos) ocorreram simultaneamente.

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Os autores do trabalho apontam, como mencionado acima, que os choques de oferta - e a maior dificuldade que apresentam para o processo de decisão dos BCs, levando a mais dissenso - acabam tendo efeitos desagradáveis no mercado, como o aumento da incerteza refletido na projeção das taxas de juros.

Mas Kawall retruca que perturbações no processo decisório de BCs - seja levando ao dissenso, ou não - que emanam de vieses ideológicos dos membros do comitê de política monetária podem ter efeitos ainda mais perniciosos na economia. Ele se recorda do Banco Central no tempo da presidente Dilma Rousseff, quando houve ampla percepção de que a autoridade monetária agiu com tolerância exagerada à inflação, o que foi parte dos ingredientes da crise econômica que viria a seguir.

Seja como for, é fato que o componente de choques de oferta no episódio inflacionário global pós-pandemia (reforçado pela guerra na Ucrânia) complicou bastante a reação dos bancos centrais, exacerbando incertezas sobre a trajetória futura da inflação, dos juros e da atividade que se mantêm presentes ainda hoje.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 24/11/2023, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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