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Economia e políticas públicas

Opinião|Rebalanceamento de riscos

Num cenário externo que ficou mais difícil para emergentes como o Brasil, Lula pode recalibrar estratégia econômico-política, reforçando a posição de Fernando Haddad.

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Atualização:

Ao declarar hoje que "não vai dar cavalo de pau na economia", nem "inventar", preferindo uma condução "serena" da política econômica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu sinais de estar sintonizado e solidário com as dificuldades do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a quem foi pródigo em elogios.

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Caminhando para o último trimestre do primeiro ano do seu terceiro mandato como presidente da República, Lula parece já ter se dado conta de que o ambiente global não é mais o mesmo de quando deu a partida à sua volta ao governo, entre o final de 2022 e o início deste ano. Mesmo levando em conta que, em alguns aspectos, houve melhora - hoje os prospectos de pouso suave nos Estados Unidos parecem melhores -, é possível dizer que para emergentes como o Brasil há um pouco mais de sombra.

O principal fator são os juros elevados, e com perspectiva de assim permanecerem por um bocado de tempo, nos Estados Unidos e na Europa. Não se pode chamar esse quadro de totalmente inesperado, porque desde pelo menos o ano passado já estava 100% claro que a alta inflacionária pós-pandemia era mais persistente do que o inicialmente imaginado, e exigia mão mais pesada por parte dos bancos centrais.

Ainda assim, o mercado insistiu em precificar um aperto monetário mais curto e menos intenso do que o predicado pelos economistas mais preocupados e mesmo pelos BCs. Agora, a percepção mais conservadora transfere-se finalmente à curva de juros e, como tal, produz efeitos concretos - prejudiciais, no caso brasileiro - nos ativos financeiros, podendo chegar à economia real.

A história na China, o outro gigante da economia global, também se complicou. Só uma minoria dos analistas dedicados ao país asiático esquivou-se da onda de entusiasmo provocada pelo abandono da política de Covid zero na virada 2022-23 e a consequente reabertura total da economia chinesa. A minoria, porém, estava correta. Não só o ritmo de crescimento decepciona, como se consolida a percepção de que os tempos de desempenho estelar da China ficaram para trás, e o PIB do país deve seguir de agora em diante uma trajetória mais próxima do normal. Em outras palavras, não se deve mais contar com o impulso chinês para resgatar a economia global de qualquer grau de dificuldade.

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Em relações às matérias-primas demandadas pela China (e das quais o Brasil é grande exportador), não se pode dizer, apesar da queda recente - com certa heterogeneidade, o petróleo está subindo -, que já tenham sofrido um abalo sísmico pela mudança de cenário na China. Aliás, mesmo com a queda das matérias-primas, no quesito exportações e setor externo, o Brasil vai bastante bem, com a ajuda do desempenho espetacular da agropecuária.

Dessa forma, dos dois fatores mencionados acima, é a alta de juros nos Estados Unidos (principalmente) e na Europa que machuca mais os ativos brasileiros no momento. Ainda assim, uma China menos exuberante não augura bem para um superexportador de commodities como o Brasil no médio e longo prazo.

É com esse cenário internacional, acrescido da tensões geopolíticas (mas que já estavam bem presentes quando Lula assumiu), que o atual governo brasileiro tem que lidar.

Lula, na partida do seu terceiro mandato, optou em tomar um pouco mais de risco econômico e um pouco menos de risco político. O presidente aumentou a despesa federal em 1% do PIB (de 18,2% para 19,2%) em 2023, em relação ao ano eleitoral (no qual, pelo ciclo político clássico das democracias, costuma-se gastar mais) de 2022. Para 2024, a despesa está mantida no nível majorado deste ano.

Mas o presidente não cometeu loucuras. Prestigiou (e prestigia) seu ministro da Fazenda, que busca fechar as contas com um aumento da receita de 1,6% do PIB. O mercado é cético sobre esse número e não gosta de ajuste fiscal pela receita, mas ao menos há a preocupação em equilibrar o orçamento. Além disso, Haddad toca uma reforma tributária aprovada de forma quase consensual pela tecnocracia do País, e estabeleceu um novo arcabouço fiscal que, apesar das críticas, imporá freios crescentes ao próprio governo que o criou.

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Na área de política monetária, Lula reclamou muito de Roberto Campos Neto, presidente do BC formalmente autônomo, mas manteve a meta de inflação de 3%. A atuação de Gabriel Galípolo - egresso da Fazenda e visto com desconfiança pela ortodoxia - no BC desde que assumiu há poucos meses não confirmou até agora a ideia de que Lula planeje uma radical reviravolta heterodoxa na política monetária na segunda metade do seu mandato, quando Campos Neto terá ido embora (o que não impede o BC de ficar mais "dovish").

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Dessa forma, se o cenário internacional de fato pode caminhar numa direção um pouco mais difícil para o Brasil, Lula parece dar sinais por enquanto de que percebe essa mudança e de que tem flexibilidade e pragmatismo suficientes para rebalancear o trade-off entre risco político e econômico se, quando e à medida que isso se mostrar necessário.

A relação com Haddad é um bom termômetro dessa disposição presidencial. À medida que as dificuldades e contratempos se acumulem, o ministro deve sofrer ataques crescentes de fora e de dentro do governo. Lula se mostrará sábio se der a Haddad o apoio necessário para a travessia até 2026.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 26/9/2023, terça-feira.

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