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Economia e políticas públicas

Opinião|"Sentimento" antecipa PIB... há muito tempo

Estudo de economistas do NBER usou machine learning numa base de 1 bilhão de artigos de jornal entre 1850 e 2017 para fazer longa série de "sentimento econômico", que antecipa bem indicadores importantes.

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Foto do author Fernando Dantas

Entre 1850 e 2017, um aumento de um desvio padrão (medida estatística) no "sentimento econômico" nos Estados Unidos correspondeu a 2% a mais de crescimento de PIB no ano seguinte. Essa longa série de sentimento econômico "prevê" indicadores econômicos fundamentais como PIB, consumo e crescimento do emprego, mesmo quando se leva em conta a informação macroeconômica disponível em cada momento daquele longo período. A série de sentimento é distinta no seu painel sobre a economia americana dos quadros que se extraem das projeções econômicas de cada momento. A série de sentimento, inclusive, "prevê" as mudanças nas projeções de consenso.

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Todas essas conclusões estão num recente trabalho de pesquisa publicado pelo NBER (um dos principais think-tanks econômicos dos Estados Unidos). O estudo constrói a série histórica do sentimento econômico entre 1850 e 2017 com base numa metodologia sofisticada e num arquivo gigantesco de artigos publicados na imprensa regional norte-americana.

Foram utilizadas 193 milhões de páginas de 13 mil jornais locais americanos (com conteúdo digitalizado) ao longo daquele período de quase 170 anos. Essa massa de textos, chamada de "corpus", contém aproximadamente um bilhão de artigos jornalísticos. O corpus de artigos econômicos e financeiros disponibilizados pelo Wall Street Journal, em comparação, contém cerca de 1 milhão de artigos.

O corpus da pesquisa - os autores são Jules H. van Binsbergen, Svetlana Bryzgalova, Mayukh Mukhopadhyay e Varun Sharma - é 95 vezes maior do que todos os verbetes em inglês da Wikipedia juntos.

Os autores trabalham esse corpus com machine learning e um algoritmo baseado em redes neurais. Dessa forma extraem do corpus a série sobre sentimento econômico no período 1850-2017. As palavras e expressões que são captadas para indicar positividade ou negatividade do sentimento econômico não são classificadas de forma binária, como positivas ou negativas, mas sim numa escala contínua que vai do pior ao melhor.

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Um aspecto curioso dessa abordagem é que os autores detectaram uma piora generalizada de sentimento expressa no noticiário econômico a partir da década de 70, e que perdura até hoje. Mais interessante é que esse aumento do pessimismo não se restringe às notícias econômicas, mas também à cobertura jornalística não-econômica. Os autores conseguiram segregar essa mudança geral para pior do tom da cobertura jornalística em geral, de tal forma que ela não impactasse a evolução do sentimento econômico extraído dos jornais no período analisado.

Outro procedimento dos economistas é separar a cobertura jornalística factual do presente das análises voltadas a projetar o futuro. A constatação é de que são essas segundas, ligadas ao sentimento sofre o futuro, projetivo, que preveem bem a evolução das variáveis macroeconômicas. Já os textos muito ligados aos fatos presentes (a cada momento) tem muito pouco poder preditivo.

Os autores também mostram que os canais pelos quais o poder preditivo da série de sentimento opera são ligados ao trabalho, mais que ao capital. Assim, a série construída prevê bem emprego, consumo e serviços, mas não prevê a evolução dos investimentos e da produção industrial.

Eles encontram ainda que as mudanças de sentimento também influenciam consideravelmente as decisões de política monetária relativas a mudanças no nível dos Fed Funds (taxa básica) do Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos. Uma queda de um desvio-padrão no sentimento ao longo de dois trimestres está associada a um corte de 0,25 ponto porcentual dos Fed Funds durante uma recessão.

Em termos geográficos - a granularidade do corpus permitiu aos autores estudar diferenças de sentimento econômico entre os estados americanos -, apenas 35% da evolução do sentimento é comum a todos os Estados ao longo do período coberto pela série. Dessa forma, o sentimento econômico estadual tem poder preditivo sobre a evolução específica do PIB do estado em questão. Os pesquisadores constatam também que uma maior dispersão de sentimento entre os diversos estados norte-americanos é preditiva de menor crescimento econômico nacional.

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O trabalho publicado pelo NBER indica a importância do sentimento (devidamente mensurado, o que não é trivial) como ingrediente para as projeções econômicas, tanto em termos nacionais como regionais.

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Com a evolução da inteligência artificial, do machine learning e dos algoritmos que lidam com palavras e expressões em corpus gigantescos de textos, além da digitalização de muitos arquivos de textos, jornalísticos e até não-jornalísticos, incluindo períodos do passado até distante, essa é uma ferramenta que os economistas podem usar para afiar suas análises e previsões. No Brasil, onde os erros de projeção, especialmente sobre o crescimento do PIB, têm sido notórios, há toda uma avenida a ser explorada.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/1/2024, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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