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‘Queremos ver progresso fiscal para pensar em um aumento da nota do Brasil’, diz diretor da Fitch

Para Todd Martinez, arcabouço fiscal e medidas de arrecadação do governo ainda são insuficientes para estabilizar a dívida do governo brasileiro

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Por Alvaro Gribel
Atualização:
Foto: Fitch
Entrevista comTodd MartinezDiretor sênior da agência de rating Fitch

BRASÍLIA - A agência de classificação de risco Fitch ainda quer ver progressos na área fiscal para melhorar o rating brasileiro, ao contrário da Moody’s, que na semana passada alterou para positiva a perspectiva da nota do País. Em conversa exclusiva com o Estadão, o diretor sênior da agência, Todd Martinez, responsável pela análise de países da América Latina, disse que ainda não enxerga um cenário de estabilização da dívida pública nos próximos anos, e que esse é um dos principais entraves para o Brasil.

Por um lado, o País vem surpreendendo no crescimento do PIB, o que ajuda a aumentar a arrecadação e a melhorar a relação da dívida sobre o tamanho da nossa economia. Mas, por outro, as medidas de aumento de receitas pelo governo ainda parecem insuficientes para vencer o desafio fiscal.

“Para que a gente seja mais otimista para um aumento da nota, precisamos ter maior confiança sobre a consolidação fiscal, que ela seja suficiente para estabilizar a dívida”, disse Martinez.

A Fitch melhorou a nota do Brasil de BB- para BB em julho de 2023, ainda a dois níveis do grau de investimento, e manteve a perspectiva estável em dezembro. Segundo Martinez uma nova revisão deve ser anunciada nos próximos dois meses. Ele também entende que o governo deveria propor medidas para alterar os pisos da saúde e da educação, assim como a indexação do salário mínimo, que aumentam a rigidez do processo orçamentário.

Martinez disse as alterações nas metas fiscais para os próximos anos aproximam os números do governo ao cenário da agência, mas diz que o que chamou a atenção foi a facilidade com que o arcabouço fiscal foi alterado. “Parece que o arcabouço não consegue de fato ancorar as expectativas de médio prazo, e as projeções podem ser facilmente alteradas. Mesmo durante o ano corrente, é fácil mudar”, afirmou.

O cenário de juros altos nos EUA por mais tempo é outro complicador para o Brasil, porque pode obrigar o BC brasileiro a reduzir o ritmo de cortes da Selic. Isso teria impacto no crescimento do PIB e também na rolagem da dívida pelo governo brasileiro.

Veja abaixo os principais pontos da entrevista.

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A Fitch esteve recentemente no Brasil para uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Como foi essa conversa?

Tivemos um encontro com o ministro no início de abril. Por muitos anos nós mantemos uma relação muito forte de diálogo com autoridades brasileiras, de diferentes governos, e felizmente isso continua agora. Tivemos várias reuniões com o setor público, do Executivo, membros do Congresso e do Banco Central.

Em dezembro o rating do Brasil foi mantido em BB, a dois degraus do grau de investimento. Esse é o cenário atualizado da agência?

Sim, em julho nós melhoramos a nota de BB- para BB. E mantivemos o rating em dezembro, com perspectiva estável. E iremos eventualmente revisar o rating do Brasil novamente nos próximos meses.

Nesse relatório de dezembro, vocês alertam que não estavam seguros de que o arcabouço fiscal iria garantir a volta ao superávit primário. E no último mês o governo reduziu as metas. Como essa informação se encaixa no cenário da Fitch?

Não foi uma grande surpresa para nós. Em dezembro, projetamos um balanço fiscal que estava fora das metas do novo arcabouço. Basicamente, porque nós víamos uma incerteza permanente nas medidas de arrecadação que o governo adotou, em relação ao que consegue entregar. De um lado, não é um evento muito negativo, sob essa perspectiva. Mas, por outro, vemos isso como sinal desfavorável em torno da credibilidade do arcabouço fiscal. Parece que ele não consegue de fato “ancorar” as expectativas, e as metas podem ser facilmente alteradas. Mesmo durante o ano corrente, é fácil mudar. O Congresso aprovou medidas para aumentar gastos este ano. E tudo isso torna mais difícil para nós enxergarmos o arcabouço fiscal como algo que seja uma âncora forte para a melhora fiscal nos próximos anos.

Ministério da Fazenda, em Brasília: para diretor da Fitch, mudança na meta fiscal não foi surpresa Foto: Andre Dusek/Estadão

Quando a dívida será estabilizada?

Nossas projeções sugerem que a dívida pública não será estabilizada. Nós só temos um visão mais clara para poucos anos à frente. Por agora, ainda não vemos essas medidas como suficientes. Acredito que existem três razões para o nosso cenário ser diferente do governo: primeiro, mesmo eles tendo relaxado a meta de primário, prevemos uma consolidação ainda mais lenta, em relação ao projetado. Segundo, temos uma taxa de crescimento do PIB próxima de 2%, ante um número perto de 3% do governo. Terceiro, o governo ainda prevê um deflator do PIB que é maior do que a inflação, enquanto projetamos que essas duas coisas estejam amplamente alinhadas uma com a outra.

Faltam medidas para cortes de gastos?

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Existe um certo consenso de que a carga tributária já é elevada, e seria mais desejável para o equilíbrio fiscal que fossem incluídas alguns elementos pelo lado das despesas. Mas, em relação ao aumento de receitas, o Brasil e o ministro Fernando Haddad merecem muitos créditos, não só por buscarem a consolidação fiscal, mas por perseguir esse objetivo com medidas concretas, como os projetos do Carf, do ICMS, a cobrança dos fundos offshore. Mas existe uma incerteza de nossa parte sobre a efetividade. Pelo lado dos gastos, nossa suposição é que esse programa de revisão de despesas, que está sendo conduzido pela ministra Simone Tebet, poderia encontrar algumas áreas para redução, de forma eficiente. Mas nossa suposição é que qualquer espaço criado será usado para assimilar outras pressões por gastos. É pouco provável que a gente vá ver uma redução significativa do gasto em proporção do PIB no médio prazo.

Na última semana, a Moody’s melhorou a perspectiva para a nota de crédito do Brasil. Há economistas que entendem que o Brasil deveria ser rebaixado.

Em relação à Moody’s, não posso falar muito sobre a decisão, porque ela tem a metodologia própria, nós temos a nossa. Mas acredito que a possível boa notícia sobre o rating do Brasil é o fato de que o crescimento está surpreendendo positivamente já há alguns anos. E isso contribuiu para o nossa melhora na nota de crédito no ano passado. Talvez as reformas estruturais que o País fez nos últimos anos, trabalhista, independência do Banco Central, marco do saneamento, mudança da TJLP, tudo isso esteja aumentando o potencial de crescimento. Mas acho que o que nos mantém cautelosos são as finanças públicas. Isso continua sendo o ponto fraco. Ainda precisamos ter uma confiança maior de que as autoridades conseguirão estabilizar a dívida em relação ao PIB, que já é muito elevada. Para que a gente seja mais otimista para um upgrade, precisamos ter maior confiança sobre a consolidação fiscal, que seja suficiente para estabilizar a dívida.

Quando deve ser a próxima revisão?

A gente espera que ocorra nos próximos dois meses.

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Se fosse hoje, qual a expectativa?

É uma decisão de um comitê, minha opinião pessoal não importa tanto. De um lado, o crescimento melhor do que o esperado é boa notícia. Mas o fato de o fiscal continuar sendo uma fonte de fraqueza compensa de certa forma esse momento positivo. Como a perspectiva estável sugere, não é provável que ocorra alguma mudança agora.

O cenário internacional está mais complicado, pelo risco de os juros nos EUA continuarem elevados. Quais os impactos disso para o Brasil e outros países emergentes?

Acho que a política monetária nos EUA tem muita consequência para todos os emergentes. O Banco Central já deixou claro que essa mudança internacional e também a incerteza interna fiscal poderiam levar a um ritmo de cortes mais lento no Brasil. E isso de certa forma pode significar uma recuperação econômica mais lenta. Se os juros não caírem no ritmo que a gente esperava, isso impacta também as finanças públicas. O governo terá de tomar empréstimos em uma taxa mais elevada.

Existe um debate no Brasil para alterar as indexações do salário mínimo e dos pisos de educação e saúde. Esses pontos são cruciais para o Brasil melhorar as suas finanças?

Nunca recomendamos ações específicas, mas entendemos que as indexações para os pisos da saúde e da educação, além das pensões atreladas ao salário mínimo, são uma grande fonte de rigidez orçamentária no Brasil. Esses pontos podem tornar muito difícil para o Brasil atingir até mesmo as novas metas fiscais no médio prazo. Uma coisa que poderia ajudar é uma reforma administrativa, para reduzir custos em salários de funcionários públicos, e reduzir custos operacionais de forma mais ampla no setor público, algo que já vem sendo falado há muito tempo, mas não está claro sobre se isso vai acontecer neste governo.

O presidente Lula tem citado que muitos países pioraram as suas contas públicas, como os Estados Unidos. Isso faz sentido, existe alguma visão comparativa entre os países?

De um lado, ele está certo, especialmente durante a pandemia, muitos países aumentaram despesas, e muitos não reverteram essas políticas depois. Em muitos lugares, os gastos estão mais altos do que eram antes. O Brasil agora talvez não pareça tão ruim, porque muitos outros pioraram. Talvez isso ajude a entender o apetite pelo Brasil por investidores externos. Mas, para o nosso rating, não só fazemos comparações, mas também olhamos para valores absolutos. Mesmo que o Brasil não esteja mais sozinho em ter desafios fiscais, queremos ver progresso para se pensar em um aumento da nota.

O que mais tem te surpreendido no País?

Diria que o crescimento é o que está sendo mais positivo no Brasil. Não há muitos países na América Latina que tenham entregue tantas reformas como o Brasil. Vemos isso como algo que coloca um viés de alta no potencial de crescimento. E agora nós temos a reforma tributária. Estamos monitorando de perto a implementação da reforma. Se for algo que consiga aumentar a confiança antes mesmo do período de transição, pode colocar um viés de alta no crescimento. Mas, por ora, mantemos uma visão mais cautelosa do crescimento em torno de 2%.

Por que só 2% de alta depois de todas essas reformas?

O Brasil melhorou algumas de suas fraquezas, mas permanece com outras. O Custo Brasil ainda é alto, não tem muita integração global, os juros reais continuam elevados, a demografia não ajuda. E há as incertezas no campo fiscal. Por ora, acho que isso explica porque a taxa de investimento como proporção do PIB está tão baixa, em 16%. O Brasil teve melhoras, mas algumas fraquezas não foram superadas.

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