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‘Não usaremos mais combustíveis fósseis em 40 anos’, diz diretor global da Deloitte

Para Geoff Tuff, Oriente Médio está mais desenvolvido e acelerado no desenvolvimento de tecnologias e em prol de uma economia de baixo carbono do que a China, pela percepção de que a mudança será inevitável

Foto do author Beatriz  Capirazi
Foto do author Luis Filipe Santos
Por Beatriz Capirazi e Luis Filipe Santos
Atualização:
Foto: HELENA YOSHIOKA
Entrevista comGeoff TuffDiretor global de sustentabilidade e clima da Deloitte

Embora haja ceticismo entre executivos quanto ao fim do uso dos combustíveis fósseis em grande escala pelas indústrias, a transição para uma economia de baixo carbono sem o uso massivo dessas substâncias deve acontecer daqui a alguns anos. Essa é a análise do diretor global de sustentabilidade e clima da Deloitte dos Estados Unidos, Geoff Tuff.

“Em termos bem simplistas, se você adiantar o relógio em 40 anos, 50 anos ou 60 anos, não estaremos mais usando combustíveis fósseis. Sei que algumas pessoas acreditam que isso não é verdade, mas é apenas a direção que estamos seguindo na transição energética”, afirma Tuff, especializado no uso de hidrogênio verde.

O executivo destaca que não é possível apontar uma data exata de quando a transição para uma economia de baixo carbono acontecerá, mas que a mudança será inevitável.

Segundo ele, essa concepção está difundida em todas as nações, inclusive em países que têm as suas economias baseadas majoritariamente em petróleo, como a Arábia Saudita, por exemplo. “Há um reconhecimento de que, se continuarmos a colocar 100% do nosso investimento em petróleo e gás, não vai dar certo.”

Tuff afirma inclusive que o Oriente Médio está mais desenvolvido e acelerado no desenvolvimento de tecnologias e em prol de uma economia de baixo carbono do que a China, por exemplo, justamente por ter essa percepção.

O executivo afirma que essa visão é compartilhada por todas as “economias inteligentes” do mundo, que estão se movimentando para dividir os seus investimentos entre combustíveis fósseis e novas tecnologias para quando a transição acontecer efetivamente. “Há um limite de tempo para a duração desse setor”, explica.

Diretor global de sustentabilidade e clima da Deloitte dos Estados Unidos, Geoff Tuff. Foto: Helena Yoshioka./ Deloitte

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

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O hidrogênio verde é considerado uma das principais apostas do Brasil para liderar a economia de baixo carbono e reindustrializar a sua economia. Na opinião do senhor, o que falta para o investimento neste setor aumentar?

É preciso ter a infraestrutura de eletricidade renovável para poder justificar o investimento em grande escala. Um dos desafios em relação a algumas partes do mundo é que as energias renováveis não estão em grande escala e, portanto, não há como justificar o investimento.

Se você produz eletricidade a partir de energia eólica, solar ou hidrelétrica, há uma competição e há alguns motivos para dizer que o hidrogênio não deveria vencer a competição.

No Brasil há eletricidade renovável o suficiente, mas nenhuma quantidade de produção funcionará sem alguns incentivos políticos. Ainda é muito caro produzir hidrogênio verde e se não houver algum mecanismo que reduza esse custo para permitir que os negócios sejam viáveis, (o hidrogênio verde) nunca será uma alternativa. Não sei o suficiente do ambiente político do Brasil, mas o governo precisa se envolver para tornar realidade o investimento no fornecimento e desenvolvimento destes projetos. O cenário parece muito promissor para o Brasil para quem está de fora, a questão é se (o país) conseguirá fazer isso.

Como um observador externo, você vê que 90% das indústrias se beneficiarão tremendamente dos projetos de descarbonização e o fato de que vocês realmente têm uma abertura para outras partes do mundo em relação à sustentabilidade. Acho que todas essas são bases promissoras que devem fazer com que o Brasil seja um participante realmente interessante (na agenda de economia verde).

Existe uma discussão sobre se o fim dos combustíveis fósseis é uma realidade, de fato. Qual a opinião do senhor?

Em termos bem simplistas, se você adiantar o relógio para daqui a 40 anos, 50 anos e 60 anos, simplesmente não usaremos mais combustíveis fósseis. Chegará um momento em nosso mundo em que não usaremos mais.

Sei que algumas pessoas acreditam que isso não é verdade, mas é verdade. É apenas a direção que estamos seguindo na transição energética e não sabemos se será em 50, 60 ou 100 anos. Mas, em algum momento no futuro, não usaremos combustíveis fósseis.

Atualmente o senhor vê um potencial de desenvolvimento de hidrogênio verde em larga escala em algum país específico?

Os hubs precisam funcionar para que o desenvolvimento do hidrogênio em larga escala funcione. Acho que, naturalmente, veremos o desenvolvimento do hidrogênio limpo na região da Costa do Golfo, porque há um uso concentrado de hidrogênio atualmente no setor de petróleo e gás, e eles estarão sob pressão para descarbonizar, que esse será um local natural para o desenvolvimento.

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Mas, teoricamente, há uma chance de se desenvolver ali e somente ali, porque o restante dos hubs acaba funcionando. Precisamos continuar procurando resolver todos os problemas modelo de negócios e continuar investindo em tecnologia para que esses hubs decolem. Mas, se eles decolarem, teremos uma distribuição suficiente em nossos projetos que fará sentido investir na infraestrutura.

Durante o evento HSM+, em São Paulo na semana passada, o senhor mencionou que alguns países podem eliminar a produção de hidrogênio verde com o passar do tempo, citando a China como exemplo. Em muitos países esse mercado está em ascensão. Queria que o senhor explicasse essa visão.

Não acho que a China seja um dos principais produtores (no futuro). Sabemos que a China é a melhor produtora moderna, mas há desafios suficientes com sua economia e suas relações com outros países no momento, de modo que não creio que seja lá que realmente veremos essa economia.

Eu diria que a outra região que está mais desenvolvida e acelerando é no Oriente Médio e no norte da África, onde eles têm acesso ao sistema de produção e ao sistema de transporte. Eles realmente têm gás natural e o compromisso de mudar as economias e podem fazer coisas quando se tem uma intervenção governamental poderosa. Isso é extraordinário.

Esse desenvolvimento provavelmente não poderia ter sido realizado em nenhum outro lugar do mundo. É só dar uma olhada no que outras partes do mundo fazem, dado o estado de seu setor de renováveis e há quanto tempo eles têm incentivos para evitar investimentos em energia suja.

Mas eles ainda não têm muitos projetos em escala. Acho que eles continuarão a construí-los, mas, no final das contas, serão importadores líquidos de hidrogênio. Acredito que, na maior parte do mundo, as sociedades produtoras dominantes, pelo menos de acordo com nossa pesquisa, são o Oriente Médio, o Norte, a África e a Austrália. A América do Norte e a América do Sul e o Brasil, em particular, também podem ser fortes candidatos a isso.

O senhor mencionou esse possível destaque da Arábia Saudita. Por qual motivo?

Pelo que li em suas políticas nacionais, a Arábia Saudita entende que a transição está em andamento e entende que precisa mudar a base de sua economia e a probabilidade de seu povo para algo novo e diferente.

Isso não significa que eles abandonarão o petróleo e o gás tão cedo. Mas, e você vê isso nos Estados Unidos em pequena escala também, há um reconhecimento de que, se continuarmos a colocar 100% do nosso investimento e dos nossos incentivos políticos em petróleo e gás, não vai dar certo.

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Acho que as economias inteligentes do mundo todo reconhecem que em uma transição precisarei investir tanto na produção de petróleo e gás de forma mais eficiente e mais responsável, fazendo mais coisas como a captura de carbono e outras, mas também dizer que há um limite de tempo para a duração desse setor e investir em outras tecnologias nesse meio tempo.

Ainda durante o HSM+, o senhor afirmou que não acredita que o uso do hidrogênio para carros seja uma boa opção. Por quê?

Não é uma opção em muitos lugares e, portanto, no momento, os veículos elétricos a bateria são uma opção muito boa porque a tecnologia funciona e a infraestrutura está pronta. Para que o hidrogênio alcance o mesmo nível é preciso ser capaz de produzir veículos movidos a hidrogênio em escala com capital. Para que fazer isso? Já temos uma ótima solução, por que não nos concentrarmos em lugares onde podemos nos organizar agora?

Se acreditarmos que o transporte de cargas pesadas será uma das aplicações que fazem sentido e que haverá uma infraestrutura nacional para estações de reabastecimento de hidrogênio será possível operar de forma mais eficiente e, então, talvez faça sentido investir em veículos movidos a hidrogênio, mas o preço é realmente salgado.

Para o executivo, um país que pode se tornar um grande player global em uma economia de baixo carbono é a Arábia Saudita.  Foto: Helena Yoshioka/ Deloitte

Qualquer tipo de indústria que exija calor elevado é uma boa aplicação para o hidrogênio. Faz sentido para os caminhões, os aviões e para o transporte marítimo.

Ainda sobre hidrogênio, existe uma longa discussão sobre o uso do gás natural e do petróleo na produção de hidrogênio. Na opinião do senhor, ele é necessário?

Isso será controverso para algumas pessoas, mas precisamos de todos os tipos de hidrogênio para obter a escala. Me envolvi em algumas discussões com pessoas comprometidas com a descarbonização que querem começar este processo com o hidrogênio excelente hoje para chegar em uma escala em que a economia do projeto justifique o investimento. Essa é uma versão extrema do hidrogênio azul

(Nota: o hidrogênio como combustível é produzido a partir da separação dos átomos de hidrogênio dos de oxigênio na água; esse processo precisa de energia elétrica. As cores são definidas a partir do combustível que gerou essa eletricidade: o hidrogênio azul é aquele cuja produção utiliza gás natural; o verde utiliza energias renováveis como solar e eólica, e o cinza, o petróleo).

Acho que o hidrogênio azul é importante em algumas regiões por um certo período de tempo. Acredito que em 2050 a grande maioria da produção no mundo será de hidrogênio verde, mas precisamos do azul para chegar lá e ele só chegará em determinadas regiões onde o gás natural está a um preço baixo o suficiente para que faça sentido começar com ele antes de investir em energia verde.

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Temos gás natural muito barato nos Estados Unidos e o gás natural do Oriente Médio é muito barato. Esses são lugares onde faz sentido focar na captura de carbono. Em outras partes do mundo onde você tem preços de gás natural ou muita volatilidade.

Minha esperança é que possamos ter um pouco menos de conflito entre os ativistas climáticos e as grandes empresas de petróleo e gás, um pouco menos de briga e apenas declarar um ponto de vista e essencialmente reconhecer que estamos em uma transição energética e só conseguiremos atingir algumas das metas que temos se realmente entendermos que precisamos trabalhar juntos para fazer isso e, portanto, o setor de gás não vai desaparecer.

Os ativistas climáticos precisam entender que lutar para acabar com o petróleo e o gás realmente destruirá a economia nacional e o sustento de bilhões de pessoas. Isso simplesmente não vai acontecer e, se esse for o foco da conversa, não chegaremos a lugar algum. Se as pessoas não se acostumarem a conversar, não chegaremos a lugar algum.

Hoje já está claro que esse é um desafio de que é preciso uma união global para chegar a uma agenda de economia verde que funcione para todos?

É um problema global e precisamos trabalhar todos juntos. Acho que hoje há um reconhecimento suficiente de que, embora não tenhamos nada próximo de uma colaboração global, esse é um desafio global e precisamos trabalhar juntos como uma comunidade, se não perfeitamente global, pelo menos como comunidades regionais.

No Brasil, esta pauta está sendo desenvolvida o suficiente? O País já é visto pelos seus pares internacionais como um líder dos países em desenvolvimento na agenda sustentável?

O Brasil tem formas de afirmar que está pelo menos no meio entre esses dois, mas em última análise, acho que é provavelmente uma pergunta melhor para os brasileiros e para mim, mas você consideraria que o Brasil será um líder que muitos continuam gostando.

Acho que a base de recursos que vocês têm e a infraestrutura que possuem fazem do Brasil uma história realmente interessante e um concorrente para um modelo a ser usado ou, pelo menos, considerado pelo mundo.

Não há muitos países no mundo que você possa apontar e dizer: “eles são inequivocamente líderes em energia renovável”. Fontes de energia carbonizadas, acho que provavelmente alguns países da Europa têm algum direito a isso e e há avanços interessantes sendo feitos em alguns deles, mas ninguém ainda tem uma economia descarbonizada.

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Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.

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