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Incra abre assentamentos da reforma agrária para obras de transportes, energia e mineração

Decisão ocorre após Estadão revelar que órgão federal virou sócio de mineradora no Pará, onde assentamento foi reduzido para abrir espaço à mineração de ouro

Foto do author André Borges

BRASÍLIA - Depois de fechar acordo com a canadense Belo Sun, para abrir espaço à exploração de ouro dentro de uma área de assentamento agrário no Pará, o Incra decidiu ampliar esse tipo de parceria para todo o Brasil, e não apenas com projetos de mineração, mas também de transportes e energia.

Com a decisão, assentamentos da reforma agrária implantados em todo o País poderão ser alvos de redução de suas áreas para receberem todo tipo de projeto de infraestrutura. Os detalhes do negócio, que sempre incluirá indenizações ao própria Incra e à União, foram definidos em uma instrução normativa publicada no Diário Oficial da União (DOU). 

Incra fechou com Belo Sun para abrir espaço à mineração em assentamento no Pará; assentamentos em todo o País poderão ter áreas reduzidas também para projetos de transportee energia. Foto: Alex Silva/Estadão

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As regras vêm após o Estadão revelar, em uma série de reportagens, que o Incra firmou um acordo direto com a mineradora Belo Sun, para reduzir a área de um assentamento no município de Senador José Porfírio, a poucos quilômetros da barragem da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. 

A Belo Sun adquiriu, irregularmente, diversos terrenos de assentados na região, com o propósito de retirá-los da área. Agora, o Incra firmou um acordo para arrendar essa mesma área à empresa. Em contrapartida, estabeleceu a cobrança de R$ 1,3 milhão, a compra de uma fazenda pela empresa no Mato Grosso e ainda um porcentual a ser definido sobre a receita que a empresa obtiver com o ouro extraído da região. Caminhonetes e equipamentos eletrônicos também foram pedidos no acordo.

Para que um lote da reforma agrária seja vendido por seu morador, a lei impõe uma série de condicionantes, como o fato de o ocupante ter vivido sobre aquela terra pelo prazo mínimo de dez anos e o terreno ter a emissão de seu título definitivo de posse. Ocorre que praticamente nenhum lote do assentamento localizado na Vila Ressaca, em Senador José Porfírio, tem esse documento, que é emitido pelo Incra.

A Defensoria Pública da União questiona o acordo e pede a anulação do contrato entre o órgão da reforma agrária e a mineradora. O Ministério Público Federal também analisa o caso, além do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União

Com a instrução normativa 112, publicada nesta quinta-feira, 23, o Incra passa a estabelecer regras sobre a transação com a mineradora e demais empreendimentos que venha a atingir, direta ou indiretamente, as áreas de assentamento. 

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O texto estabelece que as parcerias poderão ser firmadas em três áreas, o eixo minerário (compreendendo toda mineração, incluindo pesquisa e lavra mineral), o eixo de energia (projetos de geração hidráulica, eólica, fotovoltaica, petróleo, gás natural, incluindo linhas de transmissão e linhas de distribuição) e o eixo de infraestrutura (como obras de portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, barragens, telecomunicações e radiodifusão e segurança nacional).

O Incra vai pedir a “justificativa para realização do empreendimento ou atividade no interior do projeto de assentamento”. Em contrapartida, vai definir as “indenizações pelos danos e prejuízos causados ao PNRA (Programa Nacional de Reforma Agrária) e aos assentados, individual ou coletivamente”.

O pagamento pelo uso da área do projeto de assentamento será calculado pelo Incra e outras “indenizações devidas aos assentados, individual ou coletivamente, serão a eles destinadas diretamente, como titulares do direito de posse da área utilizada pelo empreendimento ou atividade”.

As regras não dão poder de veto aos assentados. O que o texto diz é que, independentemente da realização de audiência pública no curso do processo de licenciamento ambiental, a critério da autoridade competente, ou seja, do Incra, “a celebração do instrumento será precedida de esclarecimentos gerais aos assentados sobre o empreendimento ou atividade”.

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A reportagem questionou o Incra sobre a instrução normativa e o fato de ter publicado as regras somente após firmar um acordo com uma mineradora sobre o mesmo tipo de parceria. Não houve manifestação até a publicação deste texto. 

O pesquisador Elielson Pereira da Silva, doutor em Ciências e Desenvolvimento Socioambiental da Universidade Federal do Pará, alerta sobre os desdobramentos de uma decisão que teve origem em transações irregulares realizados pela mineradora Belo Sun. 

“As violações praticadas pelo Incra em favor da Belo Sun Mineração, na Volta Grande do Xingu, foram estendidas e amplificadas para todo o País, favorecendo não apenas os empreendimentos minerários, mas logísticos, de infraestrutura e de produção de energia”, diz Silva. “Há uma concatenação de dispositivos jurídico-formais que remetema uma devastação institucional, social e ambiental que tende a produzir efeitos nefastos sobre territórios quilombolas e terras destinadas à reforma agrária. É a institucionalização do saque e da tentativa de promover o apagamento de grupos sociais considerados obstáculos a estratégias globalizadas de desenvolvimento.”

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