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Com inflação recorde em março, mercado eleva projeções do IPCA para o ano

No mês passado, índice ficou em 1,62%, o maior patamar para o mês desde 1994, antes do Plano Real; chamam a atenção os aumentos da cenoura (31,47%) e do tomate (27,22%)

Por Daniela Amorim (Broadcast)
Atualização:

inflação oficial no País ficou em 1,62% em março, maior patamar para o mês desde 1994 (antes do Plano Real, quando o índice foi de 42,75%). A alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) veio acima das expectativas do mercado, que esperava 1,35% no mês, e foi puxada pelos combustíveis e alimentos. Os dados foram divulgados nesta sexta-feira, 8, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

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Com o resultado do mês passado, a inflação acumulada em 12 meses subiu a 11,3%. Apenas nos três primeiros meses do ano, o IPCA já acumula uma alta de 3,2%. 

Esse números acima do esperado já fazem o mercado começar a rever as projeções para a inflação. As previsões se distanciam cada vez mais da meta do Banco Central para o ano, de 3,5%, com teto de tolerância de 5%, e já chegam mais perto de 8%.   

A LCA Consultores, por exemplo, elevou de 7,5% para 8% a sua projeção para o IPCA, após a surpresa para cima com o resultado de março. Em relatório, o economista da consultoria Fábio Romão disse que os dados sugerem pressões disseminadas à frente.

O banco BNP Paribas tem projeção ainda mais pessimista: projeta uma inflação de 8,5% no ano. “A surpresa (com o IPCA de marçoa) teve vários componentes, não vejo explicações pontuais. Seguimos bastante preocupados com a dinâmica inflacionária”, disse o chefe de pesquisa econômica para América Latina do banco, Gustavo Arruda. 

Os dados reforçam a perspectiva de novos aumentos na taxa básica de juros, a Selic, avaliou o economista-chefe da corretora de valores Necton Investimentos, André Perfeito. Ele espera que o Comitê de Política Monetária do Banco Central decida por uma alta de 1 ponto porcentual na Selic na reunião de maio, seguida de outro aumento de 0,5 ponto porcentual em junho, para o patamar de 13,25% ao ano.

“Revisamos o IPCA para o fim de 2022 de 6,77% para 7,4%”, disse Perfeito, em relatório.

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Preços de feijão no supermercado; o IBGE divulgou o IPCA de março Foto: Dida Sampaio/Estadão

O cenário inflacionário mais pressionado que o previsto deve pressionar mais o Banco Central no processo de aumento da taxa de juros, corroborou Eduardo Cubas, sócio da Manchester Investimentos.

"Temos batido na tecla que o pico da inflação será entre abril e maio, mas não esperávamos este nível. Isso deve tornar a tarefa do BC ainda mais complexa", admitiu Cubas.

Os combustíveis reajustados nas refinarias pela Petrobras em 11 de março foram responsáveis juntos por 0,56 ponto porcentual da taxa do IPCA no último mês. No entanto, as elevações nesses preços costumam afetar os demais produtos e serviços da economia, contaminando a inflação como um todo através de diferentes componentes, explicou Pedro Kislanov, gerente do Sistema de Índices de Preços do IBGE.

A gasolina subiu 6,95% nas bombas, impacto individual de 0,44 ponto porcentual no IPCA de março. O óleo diesel aumentou 13,65%, uma contribuição de 0,03 ponto porcentual. O gás veicular ficou 5,29% mais caro, contribuição de 0,004 ponto porcentual. O gás de botijão aumentou 6,57%, impacto de 0,09 ponto porcentual.

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Os aumentos influenciaram diretamente itens como transporte por aplicativo (7,98%) e etanol (3,02%), mas também outros componentes, como os alimentos consumidos no domicílio (3,09%), através do encarecimento do frete.

“A gente tem diversos outros componentes do IPCA (contaminados pelos combustíveis), não tem como especificar, porque o custo do frete acaba afetando todos os outros itens da economia”, disse Kislanov. “De fato, o que acontece quando você tem uma alta do diesel e da gasolina é que tem um efeito em toda a economia. Todos os preços acabam sendo afetados, e isso acaba sendo repassado ao consumidor final”, afirmou.

Kislanov lembra que a inflação de março foi muito marcada pela alta nos preços dos grupos Transportes (3,02%) e Alimentação e bebidas (2,42%), que responderam juntos por cerca de 72% do IPCA.

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“Os alimentos também são afetados por condições climáticas, sem dúvida, mas os combustíveis encarecem o custo do frete”, disse o gerente do IBGE.

Nos alimentos comprados em feiras e mercados, para consumo em casa, os destaques negativos foram tomate, cenoura, frutas, cebola, açaí e leite.

“A gente observou altas bastante expressivas. Essas altas são explicadas não só por questões climáticas, mas muito provavelmente também pelo aumento do custo do frete, aumento do diesel”, disse Kislanov. “No geral, esse aumento de preços está atrelado a problema climático e custo do transporte para levar esse produto até o consumidor final”, completou.

No entanto, houve aumentos também em derivados de commodities agrícolas pressionadas no mercado internacional pela invasão da Ucrânia pela Rússia, como o óleo de soja e o pão francês. A coleta de preços para o IPCA de março abrange exatamente o primeiro mês de guerra, de 25 de fevereiro a 30 de março.

“O impacto mais claro que a gente teve foi nos preços dos combustíveis, como a Petrobras segue uma política de preços que segue o preço do barril de petróleo”, lembrou Kislanov. “As altas de alguns preços de commodities agrícolas podem estar relacionadas à guerra, mas a gente não tem como cravar que o resultado A ou B é resultado direto da guerra”, ponderou.

A gasolina foi disparada a maior pressão, mas os aumentos permanecem disseminados entre os bens e serviços investigados. O índice de difusão do IPCA, que mostra o porcentual de itens com aumentos de preços, teve ligeira alta de 75% em fevereiro para 76,13% em março, maior porcentual desde fevereiro de 2016.

“A difusão mostra a inflação mais espalhada do que no ano passado”, disse Kislanov.

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A difusão de itens alimentícios estava em 74% em fevereiro e assim permaneceu em março, enquanto a difusão de itens não alimentícios passou de 75% em fevereiro para 78% em março.

"O que aconteceu nos itens alimentícios é que as altas foram mais fortes do que no mês anterior. O número de produtos com aumentos foi o mesmo", explicou Kislanov.

A inflação de serviços – usada como termômetro de pressões de demanda sobre a inflação – passou de uma alta de 1,36% em fevereiro para elevação de 0,45% em março. Já os preços de itens monitorados pelo governo saíram de uma elevação de 0,12% em fevereiro para um aumento de 2,65% em março.

Para Kislanov, ainda não há sinais de pressão de demanda sobre a inflação no País, que permanece turbinada pelos itens monitorados pelo governo, em particular os combustíveis. Ele acredita que seja preciso esperar uma melhora mais contundente na renda da população, que possa aumentar a demanda a ponto de influenciar os aumentos de preços.

“O cenário continua o mesmo. A gente tem um cenário com alguns indicadores um pouco mais favoráveis, como redução do desemprego, uma renda que ficou estável, mas é um rendimento que não tem acompanhado a inflação. As pessoas ainda estão com a renda deprimida em termos reais, o que continua comprimindo o consumo”, justificou. “Inclusive alguns aumentos de serviços foram influenciados por custo de produção”, acrescentou./ COLABORARAM MARIA REGINA SILVA, GUILHERME BIANCHINI E CÍCERO COTRIM

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