A Justiça do Trabalho tem sido pródiga em interpretações particulares dos termos legais. Por exemplo, a Constituição federal diz claramente que a prestação dos serviços judiciais será gratuita para os que comprovarem falta de recursos (artigo 5.º, inciso 76), o que foi obedecido pela reforma trabalhista de 2017 (artigo 790, inciso 4.º). Apesar dessa clareza, muitos magistrados interpretam comprovar como sinônimo de declarar: basta à parte dizer que não tem recursos para se beneficiar da gratuidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem examinado ações sobre a reforma trabalhista com muito rigor. Mas, em decisão recente, o STF estabeleceu que o negociado prevalece sobre o legislado (artigo 611-A da Lei n.º 13.467/2017) desde que se respeite o “patamar mínimo civilizatório” e os direitos “absolutamente indisponíveis”.
Vejam a importância das palavras: o que é “patamar mínimo civilizatório” e o que são direitos “absolutamente indisponíveis”? A depender da interpretação dos juízes trabalhistas, pode sobrar muito pouco para ser negociado.
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Mais um exemplo. Na decisão do caso da demissão coletiva realizada pela Embraer na crise de 2009, quando a empresa perdeu quase todos os contratos e foi obrigada a despedir 4,2 mil funcionários de altíssima qualificação, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi taxativo ao dizer que a empresa não podia ter tomado aquela decisão sem prévia negociação com os sindicatos laborais.
O caso chegou ao STF, que, em 8 de junho deste ano, prolatou uma sentença de repercussão geral dizendo que a dispensa coletiva só pode se dar depois de uma “intervenção prévia” dos sindicatos laborais.
Novamente, o que é uma “intervenção prévia”? A regra estabelecida pela reforma trabalhista (artigo 477-A) diz que a dispensa coletiva não depende em nada dos sindicatos laborais. O que o STF pretendeu? De que forma os juízes do Trabalho interpretarão a referida “intervenção prévia”?
Nesse campo, convém lembrar ainda que o STF fixou regra para a dispensa coletiva sem que se saiba o que isso significa. Muitos países definem o número de demissões que são consideradas como coletivas. No Brasil não há parâmetro. O que os juízes do Trabalho considerarão uma dispensa coletiva?
Em todos os campos, as palavras merecem um bom cultivo, em especial no Direito do Trabalho.
*MEMBROS DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIOSO, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DA FEA-USP E ADVOGADO TRABALHISTA