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'Juro real cai porque investimento é menor'

Queda na rentabilidade da economia estaria ligada ao ciclo de reformas iniciado com FHC e encerrado com Palocci, no governo Lula

Foto do author Fernando Dantas
Por Fernando Dantas e RIO

A forte queda recente do juro real, tão celebrada pelo governo e pela sociedade brasileira, é um mau sinal de que a demanda por investimento despencou, por causa da queda da produtividade e da rentabilidade da economia brasileira. A ideia polêmica é do economista Samuel Pessôa, sócio da Consultoria Tendências e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio. Para Pessôa, a queda na rentabilidade da economia brasileira deve estar ligada à interrupção do longo ciclo de reformas liberalizantes que caracterizou a política econômica dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva até a saída de Antônio Palocci do Ministério da Fazenda, em março de 2006. A partir daí, e especialmente depois do estouro da crise global em 2008, segundo Pessôa, um série de políticas e medidas, como a mudança do marco regulatório do petróleo, o agigantamento do BNDES e o maior intervencionismo em geral, provavelmente frearam a produtividade da economia, e podem estar por trás do fraco desempenho atual dos investimentos.A seguir, a entrevista:O que o sr. achou do resultado negativo do IBC-Br de março (índice mensal do Banco Central que busca antecipar o PIB, divulgado na sexta-feira), na comparação com fevereiro?Não esperávamos esse número tão ruim. O fato é que a demanda está muito baixa. Tem o risco de o investimento no primeiro trimestre ter crescimento negativo, comparado ao trimestre anterior, na série dessazonalizada. Acho que essa fraqueza do PIB agora é uma carência de demanda. Existe outra questão, que é estrutural. Penso que o PIB potencial caiu, isto é, a capacidade de a oferta responder a estímulos da demanda, ou quanto o País pode crescer no longo prazo de forma sustentada. Isso não está mais nos 4,5% do segundo mandato do presidente Lula. Provavelmente está mais próximo de 3,5%. Mas esses números muito ruins no primeiro trimestre são mais um problema de demanda.O sr. poderia detalhar melhor?Há dois componentes. Em primeiro lugar, o esgotamento de um ciclo de crédito, que começou lá atrás, com todas as reformas microeconômicas de melhora do funcionamento do mercado de crédito feitas pelo ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Elas fizeram com que o crédito como proporção do PIB saísse de 20% e fosse para 50%. Agora, há uma certa acomodação desse processo de crescimento do crédito. O outro fator é que a demanda por investimento despencou.Quais as expectativas para o investimento?Aqui na Tendências são muito fracas. O Brasil entrou em 2004 num ciclo em que a taxa de investimento saiu de 14% do PIB e foi para 19%. Aí veio a crise, e a gente imaginava que ia retomar e essa taxa ia até 22%, 23%. E, pelo jeito, não vai sair muito dos 18% do PIB. Acho que tem até o risco de os investimentos este ano crescerem menos que o PIB. E aí a taxa de investimento recuaria um pouquinho.Por que isso está ocorrendo?Acho que há uma redução da rentabilidade da economia. A produtividade está caindo, o que é explicado por dois motivos. O primeiro é o fim de um longo ciclo de reformas, que foi até o Palocci. Depois dele, a gente colheu os frutos, mas agora tem de retomar as reformas. Outro fator que explica a redução do investimento e da produtividade é esse padrão de crescimento liderado pelo consumo, que gera mais demanda por serviços do que por bens manufaturados. E há também, talvez, o efeito de um certo ciclo de reformas contrárias à eficiência.Como assim?Foi algo que começou em 2006 e 2007, mas ficou muito forte depois da crise, e virou discurso oficial no governo Dilma. Uma série de medidas e políticas que afetam negativamente a rentabilidade da economia e reduzem, portanto, o incentivo a investir. Teve a mudança do marco regulatório do petróleo, para algo confuso, sem que tenha havido nenhum leilão até agora. A colocação de R$ 250 bilhões no BNDES sem política consistente, sem incentivos corretos, e com custo fiscal que não gera retorno. A maneira como estamos respondendo aos problemas da indústria, com  protecionismo e isenções que aumentam a complexidade e o custo de observância do sistema tributário. Há o controle de preço da gasolina, que tem impacto fortíssimo no setor de etanol. A ingerência na Vale, a pressão para que entre em siderurgia. De maneira geral, surgiu certo ativismo estatal, que lembra o período Geisel e reduz a produtividade da economia.Como o sr. vê a forte queda recente da taxa de juros real?Acho que é um sinal ruim para o País neste momento. O juro está caindo agora porque a demanda caiu, e a demanda caiu porque o investimento está caindo. E o investimento está caindo porque a produtividade está em baixa. Então a queda da taxa de juro é um sinal da piora da produtividade da economia.Mas cair do nível altíssimo do passado recente não é positivo?A queda da taxa de juros real hoje tem natureza diferente da queda até 2006, 2007. Até aquele período havia muito espaço para o risco país cair. O juro doméstico no Brasil estava muito contaminado pela má situação das contas externas e pelas bobagens que fizemos no passado. Mas aí arrumamos bem a casa por 15 anos, incluindo uma transição política estável que mostrou que a esquerda era fiscalmente responsável. A partir de 2006, o processo de formação do juro no Brasil é essencialmente de oferta e demanda.E o que ocorreu de lá até hoje?O juro alto no triênio de 2006 a 2008 foi essencialmente fruto de excesso de demanda. Uma economia que poupa muito pouco, por causa do equilíbrio político no qual se encontra, em que o eleitorado vem priorizando a expansão rápida do consumo. De 2006 a 2008, o juro elevado era sinal da baixa poupança, mas também sinal de que, para dada poupança, havia um investimento mais alto. E esse investimento mais alto era sinal de que o mercado enxergava produtividade na economia, muitos projetos rentáveis. Agora, o juro caiu porque o investimento caiu, a demanda caiu. Ou seja, boa parte dessa queda do juro não está ligada à crise externa. É uma piora do investimento, uma redução da demanda doméstica, fruto da queda de produtividade.O que o Brasil pode fazer para sair dessa situação?Não tem caminho fácil. Tivemos uma janela de oportunidade no segundo mandato do governo Lula, que consistiu em colher algumas reformas feitas nos anos anteriores e numa situação internacional muito favorável. A gente aproveitou para reduzir a desigualdade. Eu acho que naquela época a agenda do País não era crescimento, a gente não aproveitou para construir fundações melhores para um crescimento mais forte. Não fizemos isso, aproveitamos para reduzir a desigualdade e aumentar o consumo das classes menos favorecidas. Além disso, o Brasil já um país de renda média, o que leva a uma situação complicada. O sr. poderia explicar?Há países que crescem como a China hoje, mudando as pessoas do setor de baixa produtividade, que é basicamente a agricultura tradicional, para os de alta produtividade. O Brasil praticamente já encerrou esse processo. A partir daí, para crescer é preciso melhorar a produtividade de todos os setores. E o Brasil virou de renda média, mas com renda per capita inferior a  países asiáticos da mesma categoria. Porque a gente poupa pouco e não conseguiu acumular capital na indústria de transformação, que tem produtividade alta. E não dá para tirar pessoas dos serviços urbanos de baixa produtividade para a indústria, porque não temos capital para isso, o capital é caro, e nossa mão de obra não tem qualificação para uma indústria moderna, sofisticada.Mas há uma saída?É aquela agenda tradicional. Melhorar a qualidade da educação, fazer a reforma tributária, simplificar o ICMS, atuar mais pesado na privatização, concessão, parceria público-privada. Reforçar o modelo das agências reguladoras. Abrir mais a economia, o oposto do que estamos fazendo. Uma agenda mais liberalizante, não faz sentido tanta restrição à mobilidade do capital, todos esses IOFs. Voltar ao câmbio flutuante, parar de acumular reservas. Toda a agenda de facilitação de negócios. O que a gente tem de fazer é o que fazia até o período de Palocci no Ministério da Fazenda.A crise internacional pode desestabilizar fortemente o Brasil?Acho que não. O Brasil está com uma situação externa forte. O País como um todo não tem um descasamento de moeda no passivo externo líquido. Se o câmbio se desvalorizar, a dívida pública cai, o passivo externo líquido do País também cai. Então, não temos mais uma série de fragilidades que tivemos nos anos 80 e 90. Se o mundo piorar, é ruim para o Brasil, mas não estamos numa posição frágil. Os nossos problemas são nossos, são internos.Como o sr. vê a situação da inflação?Acho que vai ficar este ano um pouquinho acima de 5%, 5,1%, na nossa previsão na Tendências. E, no ano que vem, deve ficar em 6%. Agora, como estamos tendo surpresas negativas de atividade econômica, talvez aquelas projeções venham a ser revisadas para baixo.O Banco Central abandonou o sistema de metas de inflação?Não abandonou, mas houve flexibilização. Quando o presidente do BC, Alexandre Tombini, enfatiza - como tem feito - que a inflação só ficou abaixo de 5,5% em três anos, isso para mim significa aceitar uma certa flexibilização. Para ser rigoroso no sistema de metas de inflação, se ele estiver funcionando bem, a inflação tem de ficar às vezes abaixo e às vezes acima do centro da meta (4,5%).

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